Luna
Sete dias passaram e eu me sinto melhor. Perdi muitas forças e desta vez demorei a me recuperar. O barulho de chuva me fez levantar da cama correndo, eu estava em um abrigo no meio do nada, literalmente sozinha. Eu não sei onde estava, mas sei que estava protegida. A casinha de madeira tinha muitas goteiras, uma bem em cima do fogo e eu não queria passar frio, por isso arregacei as mangas de um vestido que eu achei dentro de um baú, e subi, determinada a consertar tudo aquilo. À frente havia uma cachoeira, uma bela visão, o pôr do sol se fazia único aqui e eu ainda precisava me recuperar para ter forças contra Malvim e o velho Crowler, malditos.
Já havia caído duas árvores próximo da onde eu estava, meu medo era se a tempestade fosse forte e durasse dias. Tenho que fazer fogo e ir atrás de comida ainda, até que eu consiga alguma coisa melhor.
Segurava a barra do vestido para não ficar preso em nenhum graveto, enquanto tentava colocar pedaços de panos no telhado, tentando tapar os furos para depois vedar com fita, mas não sei se daria muito certo. No final eu achei alguns pedaços de destroços e algumas coisas me serviu, por fim eu estava tentando acender o fogo. As madeiras estavam molhadas e hoje eu iria ter que gastar as últimas velas que eu tinha, ao menos não dormirei no escuro.
Estava escurecendo quando a chuva cessou, deveria ser por volta das cinco da tarde, estava frio e centrada muito. Decidi ir até a cachoeira tomar um mergulho e quem sabe encontrar alguma coisa para caçar. Estou faminta e o que vier será de bom grado. Me despi, soltei os cabelos e mergulhei pensando em como será o amanhã, queria que tudo tivesse sido diferente, não queria perder minha mãe, ela era a única coisa que eu tinha de mais rico em minha vida, agora eu estou apenas sobrevivendo para vingar sua morte.
Não deveria pensar em Lancelot, mas ele parece que penetra meus pensamentos mais escondidos e se mantém lá. Eu já não sou mais pura e não posso dizer que não gostei, pois eu jamais irei esquecer cada momento em que estivemos juntos, e agora… agora eu sou um poço sem fundo, onde tudo que cair dentro irá se perder, sem mais volta. Perdi a noção do tempo enquanto estava submersa em pensamentos, sentindo a lua pairar sobre mim, quando de repente ouvi passos se aproximando e saí o mais rápido que eu consegui. Recolhi minhas roupas e corri para trás das árvores, esperando que quem quer que fosse passasse logo. Estava escuro e eu precisava achar as velas ainda, e seria mais uma noite sem nada para comer, mais uma noite com fome e sozinha…
Lancelot
— Nasceu! O filhote de Marliz nasceu! — Klaus gritava em alto e bom tom, fazendo com que todos se reunissem para contemplar o nascimento; a vida.
O filhotes era pequeno e nasceu antes do tempo, o que significa que as coisas estão fora de ordem.
— Senhor, por favor, nos ajude ou meu filhote irá morrer. Eu o imploro. Os deuses só escutam o nosso Alpha. — Havia desespero no olhar do homem à minha frente, segurando sua cria com os olhos fechados e quase sem vida.
O peguei em meus braços e ergui seu pequeno corpo para os céus.
— Odin pai de todos, apresento-lhes esta criatura, um ser tão e encoberto de inocência. Nesta noite nossas almas imploram por uma chance. — Ao meu redor estavam todos reunidos em oração aos deuses. — O senhor é Deus da vida, e é em vós que depositamos nossa esperança e fé. Ôh, Odin, dê-lhe a vida, cure o coração de uma mãe.
Os ventos sopraram forte, levando nossos corpos para trás. O céu se abriu e uma voz estridente surgiu do mesmo, mas não havia claridade, apenas uma forte ventania.
— A Feiticeira tem a resposta. Encontre a Feiticeira e nela encontrará as respostas, todas elas. A Feiticeira é a esperança, Lancelot, encontre-a e ela irá lhe dar o que deseja.
Luna. A Feiticeira era ela, mas onde eu iria encontrá-la? Como se Odin lesse meus pensamentos, no céu três estrelas brilharam mais forte que as outras para o leste, então ela estaria lá? Eu não posso deixar que um dos meus morra enquanto eu tiver vida para lutar.
Klaus estava me acompanhando, a cria estava enrolada em uma pele de urso branco, isso a aquecia e deixava seu corpo quente o tempo que fosse necessário.
— Onde vamos encontrá-la, Lancelot?
— Próximo ao clã de Kodo. — O aperto em meu peito estava se fazendo cada vez mais presente, a cada momento se intensificando ainda mais e eu não estava sabendo lidar com isso. — Tome, segure a cria. Você será responsável por sua segurança, meu dever é encontrar a maldita Feiticeira e trazê-la comigo.
— Vai forçá-la a isso? E se ela não quiser?
— Ela não terá escolha, será uma troca justa; a vida da cria pela sua. — Meu orgulho não me permitia sentir nada além de raiva. Raiva por amá-la e me sentir fraco por ela estar longe. Meu corpo sentia a necessidade de ter o seu por perto e isso estava confundindo meus pensamentos.
A transformação era dolorosa e me destruía cada vez que a mesma acontecia, mas hoje isso já não me incomodava mais. Corri entre as árvores, sentindo cada veia do meu corpo pulsar como se fossem se arrebentar a qualquer momento.
Esses dias têm sido cruciais para mim, despertando o meu pior momento, que nem eu mesmo sabia que era possível existir. Luna tinha a metade de mim com ela, assim como eu a tinha presa a mim. O barulho da água chegou aos meus ouvidos de forma rápida, o cheiro dela estava por ali. A bela vista me fez parar e pensar em tudo que eu lhe disse aquela manhã.
A tempestade havia parado há poucas horas atrás, mas seu cheiro ainda continuava ali, poderia ser um sinal que ela estava próximo dali. Ouvia passos se distanciando, minha audição me permitia ouvir a quilômetros de distância e eu não tinha dúvidas que havia alguém nessa floresta. Caminhei mais um pouco, agora em forma humana, quando avistei uma pequena casa na beira do precipício, não hesitei e na mesma hora aquele seria a minha próxima parada, mas antes que eu o fizesse vi Luna despida, segurando suas roupas e tentando se esconder de algo. Por instinto eu avancei nela, levando seu corpo junto ao chão, sobrepondo meu peso em cima dela.
— Maldita Feiticeira. — Rosnei olhando em seus olhos e a vendo paralisada, sem entender nada da situação.
— Por favor, Lancelot, não me mate. Eu não o farei m*l algum, por favor… — Era visível a sua dor. Ela chorava sem deixar nenhum som sair de sua boca, enquanto suas lágrimas molhavam minhas mãos que estavam prendendo seu pescoço.
— Levante-se! Eu não a matarei, mas com uma condição. — Sair de cima dela, deixando seu corpo ainda no chão e continuei andando. Seu corpo nu estava me incomodando, eu não sei o que faria se Klaus a visse desse jeito. A humana era minha, somente minha e eu não iria dividi-la com ninguém. — Vista-se, é vergonhoso para uma moça andar despida. — Rapidamente ela vestiu suas roupas, que estavam sujas de terras e molhadas por terem caído sob uma poça de lama.
Andamos em silêncio até chegarmos à pequena casa à qual eu já havia avistado, antes de encontrá-la. Klaus chegou logo em seguida com o filhote em seus braços, ainda coberto com o couro e quentinho.
— Cure-o, Feiticeira. — Seu sorriso olhar se revelou confuso e eu me senti um i****a por estar agindo daquela forma, mas esse era eu e não tinha como moldar outro de mim.
— O filhote nasceu há poucas horas, mas não está mamando, nem respondendo a nada. Não sabemos o que ele tem, mas não queremos perdê-lo. Odin nos trouxe até você, alegando que poderia salvá-lo. — Klaus lhe deu uma rápida explicação e no momento seguinte ela o segurou em seu braços.
— Precisarei de ajuda. — Antes de começar, ela colocou o filhote nos braços de Klaus novamente, enquanto procurava por algum que não estivesse molhado, estava praticamente tudo molhado dentro da casa. Após encontrar um pano de algodão, ela o colocou em sua frente e segurou o filhote novamente, desta vez o descobrindo e grudando o mesmo em seu peito. — Por favor, tire a cria dos meus braços quando eu acabar.
— E como saberemos que você acabou? — Disse em tom rude, a fazendo dar um passo para trás.
— Saberão. Vocês irão saber quando for o momento. — Após isso ela fechou os olhos, aninhando o filhote em seu peito, e o segurando como se sua vida dependesse daquilo.
As íris dos seus olhos estavam brancas, assim como seus cabelos. Seu corpo emanava uma luz azulada, enquanto seu corpo levitou um pouco, apenas tirando os pés do chão. Ela sugou as dores da cria, colocando em seu corpo suas energias. Aos poucos o filhote estava abrindo os olhos e por um segundo ambos não foram ao chão. Klaus segurou a cria antes que seus corpos caíssem e Luna estava mais uma vez desacordada, mas desta vez eu não sabia o porquê e isso estava me deixando apreensivo.
— Agora que ele está bem, volte. Ele sente fome, Merliz saberá o que fazer. — Sem pestanejar, Klaus foi embora levando o filhote consigo, enquanto eu me doei à Luna.
Seu corpo caído estava ficando roxo. As veias de suas mãos estavam secando e seu rosto estava ficando cada vez mais magro. Há quantos dias ela não come?
— Vá, volte para o seu povo e me deixe em paz. — Sua voz saiu em um sussurro, enquanto eu retirava os panos molhados de onde ela dormia. — Já fiz o que me pediu, agora me deixe em paz.
— Eu não posso deixá-la neste estado e sozinha. — Respondi me abaixando e retirando os fios de cabelos que estavam cobrindo seus olhos.
— Eu não quero morrer… — Dito isso, Luna começou a tossir descontroladamente. O sangue que saia do seu nariz e boca, me deixaram em um momento de desespero. — Saia. Me deixe sozinha, eu irei ficar bem. — Ela tentou apoiar-se no baú que estava ao seu lado, mas sua mão deslizou e ela caiu mais uma vez.
— Luna… — Segurei seu rosto, vendo todo o seu corpo sujo de sangue mais uma vez. Mas a tosse não fez isso, então olhei na direção de sua barriga e ela estava ferida. Havia uma perfuração próximo ao seu seio esquerdo que não parava de sangrar. — Não se vá, por favor. Eu irei fazer isso parar, só não aceitarei perdê-la novamente.
— Você não me perdeu, você me feriu. Agora vá, antes que me mate. Se precisar de mim saberá onde me encontrar. Eu não preciso da sua ajuda, Lancelot. — Novamente seu corpo foi ao chão, desta vez ela caiu com a barriga para cima.
Rasguei seu vestido e o ferimento foi causado por minhas garras. Em seu corpo ainda havia marcas das minhas mãos, as marcas de perfurações estavam ainda mais vivas em seus s***s.
— Por favor, me deixe em paz! Eu não entendo sua perseguição, não o fiz m*l e jamais o faria. Apenas me deixe em paz. — Peguei seu corpo do chão, ignorando cada palavra dita por ela e a coloquei em cima da cama.
A chuva nos surpreendeu novamente e então a casa começou a ficar alagada. Sem pensar duas vezes em questão de minutos eu havia consertado tudo, deixei minhas vestes dentro da casa e voltei com lenha seca. Fiz o fogo e fui cuidar de Luna. Limpei seu corpo com cautela para não machucá-la, em cima do seu ferimento coloquei argila, deixei nossas roupas próximas ao fogo para aquecer um pouco e nos cobrir. Abracei seu corpo que estava semelhante a neve que estava prestes a cair lá fora e dormimos. Luna na verdade estava desmaiada, mas ainda sim, ela estava ali e era minha.