Cap. 2: Indiferença.
Kaleu engoliu em seco com a reação da menina, enquanto o pai dela encarava a situação, demonstrando medo de Kaleu, enquanto Miliane continuava a puxar seu braço em um pedido de socorro.
— O que está fazendo? — ele perguntou, puxando o braço, mas a menina balançava a cabeça insistentemente de forma negativa.
— Ela não pode falar, senhor! — o homem avisou, abaixando a cabeça.
— Quem é essa menina? — Kaleu perguntou, finalmente se livrando das mãos da menina. — Eu não vou matar seu pai — ele avisou, deduzindo que era isso que ela queria evitar.
— Ela é minha filha, acabou fugindo de casa e eu estava desesperado.
— Por que ela está tão machucada? — Kaleu perguntou, analisando a menina, que agora o encarava imóvel.
— Senhor... como pode ver, ela é uma menina transtornada. Passamos anos cuidando dela em casa, em segredo, para que não causássemos problemas... Queríamos protegê-la — ele tentava explicar de forma vaga. Kaleu então direcionou seu olhar desconfiado para a menina e, em seguida, a empurrou para frente.
— Vá! Não é meu problema! — ele asseverou, recuando com a intenção de entrar.
Miliane foi pega pelo braço com força e arrastada para fora do limite da área de Kaleu. Mesmo que ela se debatesse, saíam apenas gritos discretos. Kaleu encarou mais uma vez a situação, mas Vando, o falso pai de Miliane, disfarçou para que Kaleu não percebesse seus maltratos.
— Calma, filha... Por que você está sempre se machucando e correndo por aí? Assim o papai vai ficar tão preocupado — Vando comentava, encenando que acariciava o topo da cabeça dela, desejando agarrá-la e agredi-la, mas percebia o olhar de Kaleu sobre ele, mesmo depois de ter deixado ele seguir.
— Que se dane, não é da minha conta! — ele asseverou, virando-se e abrindo a porta da grande construção de madeira. Ainda que aquele olhar estivesse em sua mente, ele sabia que havia algo errado, mas não era da sua conta.
— Soube que tinha se mudado para essa casa velha no meio do nada! — ouviu uma voz anunciar ao estacionar a moto a alguns metros. Ele se aproximou de forma tão silenciosa que Kaleu m*l o percebeu.
— O que faz aqui? — ele perguntou, demonstrando mau humor.
— Ué...? Por que eu não estaria aqui depois de tudo que aconteceu? — Cassius perguntou, o analisando.
— Não estou feliz com sua cara, apenas saia.
— Pensei que ficaria grato, pelo menos de estar com o corpo inteiro, mesmo que tenha perdido metade da cara nos estilhaços.
— Cassius... — Kaleu grunhiu, cerrando os punhos. — Antes estar morto, não acha?
— Você tem uma dívida comigo, eu te salvei e você estará pagando se ficar vivo. Além disso, quando eu me tornar Don, você será meu braço direito, não importa o que digam.
— Você acha que isso vai acontecer? Do jeito que você está indo, acredito que vai morrer antes de chegar ao tão sonhado trono da cidade.
— Veremos! Ainda assim... Eu vim dar meus pêsames. Não pude comparecer ao enterro da sua esposa e filho. Não consigo imaginar a dor, mas sofra, sofra até seus olhos parecerem queimar e sua cabeça explodir. Mas é bom que volte a se erguer.
— Espero, mas o que você veio fazer aqui?
— Nada. Eu estava passando pela redondeza para resolver alguns problemas com dívidas. Na máfia, sempre encontramos os melhores e os piores pais. Nesse momento, estava com os homens do meu pai, acompanhando a cobrança de dívidas. O cara colocou a própria filha como garantia, ela só tem 16 anos. O contrato dele venceu e agora o período de entrega da filha será em cinco anos — Cassius explicava, mas Kaleu demonstrava indiferença.
— Pensei que fosse contra esse tipo de coisa.
— Eu sou, você sabe. Nunca gostei de ver mulheres sendo tratadas como mercadoria. Por isso, peguei a responsabilidade de escolher alguém do nosso meio para entregá-la. Já seria impossível ele conseguir dez milhões de reais nesse período. Além do fato de que tudo que eles têm agora é aquela casa velha à beira da estrada. Foi uma bênção a máfia não tomar isso também, mas só deixaram por causa da menina.
— Me deixe fora desses assuntos da máfia por enquanto. Quero que todo mundo se f**a! — ele asseverou repentinamente.
— Não tem como escapar disso, você sabe... Uma vez dentro, só sai morto. Além disso, é questão de tempo para que os homens que tentaram te matar voltem para terminar o serviço. Estamos caçando e investigando quem poderia ser. Ainda não temos uma organização unificada, e por isso pode ser que tenhamos problemas constantes com ataques de outras gangues que querem pegar o poder das mãos do Orlov. Estamos lutando para que isso não aconteça. Caso contrário, teremos uma perda inimaginável de homens, e eu e você podemos estar nesse meio.
— Certo, boa sorte nesse sonho de ser Don um dia — Kaleu sorriu de forma maliciosa, seguindo para dentro e batendo a porta com força.
— Desgraçado, pensei que poderia trabalhar comigo por gratidão! Não é assim que as coisas funcionam? — Cassius perguntou, indignado, mas não obteve resposta. — Não fique surpreso se eu mesmo te ferrar! Cara de retalho, nem sabe cuidar de um ferimento que não cicatriza há um mês! — ele asseverou baixinho, voltando para a moto.
Já fazia um mês que Kaleu havia perdido sua família. Tinha menos de dois anos que ele estava casado e vivia a experiência de conviver com seu primeiro filho, que havia nascido há pouco tempo. A culpa o consumia toda vez que pensava no que tinha feito e que ocasionou a retaliação. Kaleu, tanto quanto Cassius, cuidava da limpeza da cidade. Qualquer nova organização não autorizada, eles resolviam, seja recrutando homens ou executando-os. Em uma dessas execuções, algo deu tão errado que sobraram pessoas para retaliações, o que causou a morte de sua família e o fez se mudar para aquele lugar isolado. Sua mudança fez com que todos da região o temessem, por ser um homem estranho e que trazia consigo uma aura de perigo iminente. Ainda mais após ter saído dali com um corpo morto nas costas e jogado na estrada. Os boatos correram como água sobre o perigo que agora estava ali. Contudo... agora havia uma menina que desejava voltar, confiando em sua sensação.
Vando tinha arrastado Miliane para casa e agora a puxava escada acima. Mesmo que ela tropeçasse e caísse, ele não se importava.
— Onde ela estava? — Ananda, esposa de Vando, perguntou ansiosa.
— Me espere aí embaixo, estarei de volta em alguns minutos.
Ananda esperou no andar de baixo enquanto ouvia os choros de Miliane, mas ela não sentia pena, muito menos a menina de cabelos castanhos que estava sentada no sofá se importava com aquela criança passando por aquela situação, assim parecia, mas tonia engolia em seco e tremia sutilmente apertando a palpebras, se mantendo indiferente.