Cap. 3: Cadeados se abrem.
— Onde você esteve? — sua mulher perguntou aflita. — Aqueles homens estiveram aqui! — ela avisou batendo o pé com força.
— Eles viram nossa filha? — ele perguntou temeroso.
— Claro que não! O plano é que eles não a vejam, mas… eles vão ficar vigiando nossa casa e Tônia tem que ir para a escola! — ela asseverou desesperada.
— Eu vou levá-la para a escola todos os dias. Essa menina ainda não pode sair, ela é muito nova para a idade que eles sabem que minha filha tem — ele avisou, pensativo.
— O que vamos fazer?
— Mantê-la presa até o momento adequado — ele avisou, seguindo para a cozinha com sua esposa.
Ele foi até a gaveta, tirou vários comprimidos, os colocou na mesa e cruzou os braços.
— O que pensa em fazer? — Ananda perguntou, curiosa.
— Ela já sabe que estamos dando remédios para que ela não ande e nem fale. Eu penso em suspender os remédios por agora. Precisamos que ela melhore para que possa começar a se adaptar à substituição. Não podemos deixar que eles levem nossa filha, então… Miliane vai ter que estar pelo menos aceitável até o dia da entrega.
— Mas ela pode fugir se não tomar os remédios.
— Eu já resolvi esse problema, ela não vai mais fugir. Além disso, mudei ela de quarto, vai ficar no porão. Ninguém pode saber da sua existência ou estaremos com problemas, mas, se descobrirem, eu tenho documentos que podem comprovar que é nossa filha, e eu posso inventar uma desculpa para ter escondido algo. Vai dar certo.
Assim ele pensou. Enquanto isso, Miliane agora estava presa em uma nova contradição. Vando tinha prendido seus pés com correntes e trancado com um cadeado. As correntes estavam tão apertadas que ela m*l conseguia mover suas juntas sem se machucar, por isso se mantinha imóvel, tentando encontrar uma solução.
A corrente tinha metros suficientes para pelo menos permitir que ela fosse ao banheiro. Ainda assim, era excruciante andar, sua cabeça girava enquanto as lágrimas escapavam silenciosamente.
Ela passou dias a fio sentindo seus pés sendo machucados pelo ferro. Seu desespero era tão grande que ela tentou de todas as maneiras abrir aquilo. Foram mais de uma semana tentando fazer algo com um grampo, mas era mais difícil do que parecia. Ela continuava tentando, todos os dias.
Levavam suas refeições todos os dias: as três essenciais e nada além. Ela era privada de todas as outras necessidades básicas, nem remédios ou roupas que lhe servissem, nada além de vestidos antigos, estranhos e longos.
Ela estava bem agitada com a manhã, e os raios de sol que entravam pela sua janela a deixavam ainda mais cheia de energia para continuar com seu velho grampo, tentando abrir aquele cadeado.
Os olhos da menina se arregalaram quando viu que o cadeado finalmente cedeu. Ela pensou que era um milagre. Não pensou duas vezes quando seus pés se livraram da dor das correntes apertadas. Ainda assim, estavam tão machucados que era possível ver a vermelhidão do ferimento aberto.
Ela andou de um lado para o outro, tentando aliviar a dor e se familiarizar novamente com a caminhada com os pés livres. Sabia que, após o café da manhã, eles não pisariam ali. Então, saiu pela pequena janela, e dessa vez não teve que pular nenhum andar, já que ele a havia jogado no porão.
Ela seguiu até o mesmo lugar, ainda curiosa, procurando pelo mesmo homem. O encontrou sentado em um tronco em frente à sua casa. Ele tinha um espelho no colo e estava tirando seus curativos do rosto. Kaleu tinha um corte que atravessava um dos lados do seu rosto, por cima do olho, o que o fez perder parcialmente a visão. Ainda assim, era como se aquele olho fosse inútil, já que tudo estava embaçado e cinza. Seu ferimento já estava mais cicatrizado, após Cassius ter levado alguns remédios dias atrás.
Ela o observou de longe, de trás de uma árvore, e podia ver bem a extensão de todo o seu rosto e sua expressão de dor enquanto tentava higienizar e passar o remédio.
Miliane continuou o observando e, sem querer, pisou em um graveto que se partiu, atraindo o olhar de Kaleu. Ela recuou, assustada, mas ele fingiu que não a viu e continuou o que estava fazendo.
Em meio aos seus pensamentos, ela decidiu voltar para o porão. Ainda não tinha capacidade para fugir, nem para pedir ajuda a Kaleu, mas acreditava, com todas as suas forças, que ele poderia, de alguma forma, ajudá-la.