PT. I Essa é a nossa resposta para um mundo que não é nosso

1857 Palavras
Esse é aquele momento em você sente sua esperança esvaindo, que cada sacrifício foi em vão. Nesse caso, minha esperança não foi sumindo, ela se dissipou quase instantaneamente. Esfreguei a mão na minha cabeça, uma coceira misteriosa, inexistente antes, agora veio e estava forte como se fosse uma reação alérgica, mas eu só estava muito nervoso. Fitei Cecília, que também estava aparentemente desesperada, pensando no que fazer agora além de simplesmente ir a Seteàlem: - O seu grimório pode nos ajudar? - O grimório, pelo menos esse, não diz nada a respeito dos mundos, a passagem e como lidar. As anotações eram necessárias justamente porque perdi o outro grimório.                       - Achei que tínhamos tudo que precisávamos... Cecília respirou fundo, nervosa, nada a fim de esclarecer dúvida de ninguém agora. Então me calei e deixei minha pergunta no ar sobre o que tinha lá, sem pressioná-la. Sabia que ela precisaria pensar agora e meu silêncio era elementar, por mais que precisasse saber. Levantei-me desconfortável, sem cerimônia e quase que discretamente para não perturbar seu raciocínio: - Preparei algo para bebermos. - NÃO! – exclamou Cecília enquanto estivara suas mãos para me parar – você não sabe como mexer lá, o que usar e como usar. Cada chá não é só um chá. - Então é só dizer qual é qual, você não parece estar bem pra isso mesmo. Cecília bufou, deu de ombro e retrucou nervosa: - Mas você relembrou-me de algo muito importante, que é tomar o chá. Isso é importante para nós agora. Poderemos relaxar e falar sobre o que podemos para contornar essa situação. - Ah...., certo. - E outra coisa! Terei que mudar alguns ingredientes para garantir que Victor não nos rastreie. É fato que ele, de alguma forma, consegue nos sentires, mas também notei que em alguns momentos ele não é capaz disso; quando está com raiva. - Por quê? - Isso fica pra depois, o que acha de focarmos no chá e o que faremos para recuperar minhas anotações? – contrapôs Cecília contra minha pergunta, se dirigindo até a cozinha aparentemente nervosa ainda. Fiquei apenas no aguardo, ainda em pé e caminhando lentamente até a janela. Já era noite e eu tinha boa visão da rua e um pouco do céu, e esse foi um dos poucos momentos que revi o céu. Parece ter passado tanto tempo, tanto, tanto tempo mesmo que quando revi o céu, parecia novidade enxergar a lua e as estrelas. Também notei que a rua não tinha tanto movimento e que as demais casas aparentavam estar vazias, por não ter iluminação alguma. Quando achei que alguém tinha passado, notei a pessoa estava ensanguentada, andando com muita dificuldade. Automaticamente pensei em ligar para ambulância, até puxei meu celular do bolso, mas relembrei que agora isso era comum, e que não se tratava de alguém, era somente um espírito..., e não estava só. Assim que passou, outros seguiram também e pareciam perdidos. Alguns completamente machucados, outros sem sequer um arranhão, outros chorando e assim por diante. Apenas andavam sem rumo, e através de um vislumbre, pensei nas histórias que cada um tinha para contar de como chegaram aqui, ou também pensava em ajudar para evitar Victor e sua fome por mortos e vivos. Perdi meu olhar naquele desfile mórbido de ambulantes, junto com meus pensamentos que logo foi interrompido com Cecília e seu estrondo ao descarregar sua bandeja sobre a mesa. Ela estava menos preocupada que antes. Saí da janela e fui até a mesa para continuarmos nossa conversa e me servir chá: - Estava olhando os ambulantes? – perguntou Cecília, não tão surpresa. - Sim, são estranhos, mas me pergunto como morreram, quais suas histórias... – rebati enquanto depositava chá na minha xícara. - Acho que não gostaria de saber, e você deve saber o porquê. - Sim..., sou um invasor que tem o que eles não têm. Cecília notou um pesar e arrependimento em minha voz, reconhecendo minha angústia de estar escondido e parecermos mais distante de toda aquela problemática. Inacreditavelmente, parece que a cada um passo, dois voltam ou até três. Ela não continuou, não comentou sobre o que viu e nem o que sentiu quando retruquei: - Bom, talvez o que eu fale agora não o agrade tanto, mas..., acho que podemos demorar um pouco para concluirmos nossos planos. Esse acontecimento nos atrasará pra valer, graças ao seu amigo. - É..., ficaremos aqui por mais um bom tempo, estou quase me acostumando. – Retruquei sarcasticamente, mas Cecília notou com sua perspicácia. - Quero sair daqui tanto quanto você, acredite. Enfim; teremos que realizar essa investida não somente pra fins exploratórios, teremos que dar um jeito de obter de volta aquele bloco de notas. - Caraca, isso parece... – antes que eu terminasse, Cecília completou meu raciocínio. - Complicado? É sim, porque devemos encontrar onde ele está, ou a casa dele. - Nossa! Atacar a toca do lobo? E roubá-lo? Nossa..., nossa! - Não temos outra ideia, infelizmente não, o que tem lá, custa nossa saída. É uma rota para onde devemos ir, e por isso a incursão de reconhecimento. Sem ele, sem incursão. - Mas achei que o acesso fosse pelo ônibus... Cecília ficou calada, enquanto fitava meus olhos um pouco perdida, mas logo retrucou: - É..., esse é o acesso para os outros mundos, mas você acha que é simplesmente entrar e dizer seu destino? Entrando lá, você cairá automaticamente em um filtro, baseado na sua essência. Podemos cair no melhor ou pior lugar, sem que tenhamos a oportunidade de escolher. O que eu tenho lá, vai garantir que fiquemos juntos. - Então é tipo um passe? Nossa..., eu não sabia, desculpa – contrapus um pouco ressentido por achar que dessa vez eu não devia desculpa. Aquilo era necessário para sabermos. - Tudo bem, devia ter contado antes, mas realmente não imaginei que isso fosse acontecer. Seu amigo era de se desconfiar, não imaginei até esse ponto. - Acredite..., nem eu sabia. Acho que isso tudo o mudou. - Ou isso sempre foi dele, aqui nada está além de você mesmo, ainda continua sendo você. - Então é ele. Queria não acreditar nisso, sabe? Mas não pareço importar-me o suficiente com isso. - Acho que sua vontade de sair daqui é maior que a decepção – redarguiu Cecília enquanto sorria e degustava do seu chá, depois prosseguiu: - Não podemos esperar muito, queremos nos libertar logo disso tudo, não é? - m*l posso esperar. - Vamos terminar o chá e logo discutiremos nosso plano, que é..., praticamente invadir a casa dele. - Ainda fico espantada que existe algo que ele chame de casa. - É mais complicado do que parece. Temos que ficar com nosso amuleto para voltar, porque isso envolve duas viagens. Você terá que entreter ele até eu voltar, e quando digo isso..., quero dizer sobreviver. - Espera..., o que exatamente fará? - Irei arrumar minhas coisas e iremos ainda hoje, no caminho falo melhor. Tente sobreviver até eu voltar. Cecília foi até seu quarto, enquanto isso, tomei o que restava do meu chá e voltei apreciar a vistas dos mortos na janela. A rua estava mais calma, agora nem os mortos passavam por lá e a lua não aparecia mais, sobrou as estrelas e a ansiedade por querer saber o que faremos de tão perigoso que exigiria a palavra “sobreviva”. O medo de morrer como inútil era como um açoite que marcou até meus melhores pensamentos, mas sabe o que mais crescia dentro de mim, muito mais que a própria esperança e a força de vontade de lidar com tudo isso, e as dúvidas e a vontade mais intensa de viver tudo que não pude até agora..., minha vontade que não parava de crescer, era de ceifar meu destino de uma vez! Me entregar para Victor e acabar com isso. Não entendia o porquê, mas só..., sei lá, parecia melhor. Soa repetitivo, eu sei! Reclamei sobre isso antes, mas isso tá vindo com mais frequência, e acho que conforme eu acorde, isso crescerá. Perdi a noção dos dias que se passaram aqui, acho que foram 3 dias só ou 4, mas parece uma eternidade e isso intensifica minha angústia e minha vontade de pôr um fim nisso. Talvez lutar não seja o meu forte. Rodeados de pensamentos pessimista, escutei alguns barulhos e passos impacientes vindo até mim, era Cecília com sua bolsa e pronta para batalha. Ela não fez muita cerimônia: apenas abriu a porta e saiu, e fez o sinal para segui-la: - Não parece estar conversadora, hein. Qual será o plano para recuperar seu livreto? - Entrar nele. – Cecília disse isso como se fosse a coisa mais simples, com um sorriso cínico e e a feição determinada. Era possível até desfazer-se da ideia que aquilo era suicídio, mas por mais confiante que fosse, ainda questionei: - Como é?! Você disse entrar nele, no Victor? É isso mesmo? Como faremos um absurdo desses?! – perguntei ainda perplexo, exigindo a resposta de como entraria nele como se fosse uma casa, e dando ênfase que ele tem vários lacaios pronto para atacar. Estava seguindo-a, indicando que íamos ao bar de seu Fabrício e esperaríamos Os Olhos Mortos aparecerem. - Isso mesmo que você escutou, e acho que não é tão necessário saber – disse enquanto colocava sua mão na boca e aproximara seu rosto de mim. - Ah..., Que? Espera, então como saberei quando devo voltar, como lutar com aquilo ou..., aquelas coisas? - Darei materiais suficiente para resistir, o importante é impedir que eles cheguem perto de Victor enquanto eu estiver trabalhando, então quero que faça um círculo ao redor dele, sem brecha ou coisa do tipo. Não importa se ficou torto, só deve estar fechado, sem falhas! - Ah..., isso parece difícil, mas dou um jeito. - Claro que sim. Enquanto ele não der o ar da graça, podemos desfrutar dessa noite lá, ou prefere ficar em casa contando às horas para podermos agir? Cecília toda faceira, fez o rosto mais falso de tristeza, descendo os lábios e a sobrancelha, como se estivesse implorando. Devolvi com um sorriso, sendo contagiado com seu jeito alegre e me envolvendo com sua euforia. Assim que chegamos ao bar, completamente lotado e Fabrício andando pra lá e pra cá feito louco, brandando “Peraí”, Cecília colocou sua bolsa em uma cadeira de fora e foi para o meio do bar todo seduzente com seu olhar destemido e preparando sua voz. Alguns homens no fundo com alguns instrumentos notaram sua ilustre presença quase instantaneamente, seus rostos se preencheram de alegria, como se ela fosse a vida de tudo aquilo. Os músicos dali fizeram alguns barulhos com seus instrumentos com intuito de parar a conversação e entregar os holofotes para ela. Todos que estavam conversando, bebendo e rindo alto, fitaram os músicos e depois olharam para o centro e fitaram Cecília tão apaixonadamente que imaginei as inúmeras declarações que discorreriam nobremente sua beleza imensurável, que nem palavras a exaltaria o suficiente. Cecília desfilava lentamente olhando todos, bem nos olhos! Penetrando suas almas com toda sua beldade e seu olhar transbordando mistério.    
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