Jéssica
Depois que Jason sai, seguimos até a cozinha. Encaro minha mãe com o semblante sério.
— Dona Ester, o que deu na senhora para me fazer sair com ele?
Ela me olha, inabalável, enquanto cruzo os braços para tentar conter minha irritação.
— Eu não te obriguei a nada, Jéssica. Só sugeri. E quer saber? Esse rapaz não é mais o Jason de antes. Ele mudou muito, amadureceu. Tenho certeza de que você percebeu isso. Achei que talvez você pudesse fazer bem a ele. Ele está com uma cor de escritório, pálido, magro... Que m*l há em ser amiga dele?
Minha garganta aperta, e luto contra o nó que ameaça se formar.
— O problema, mamãe, é que ele me lembra muito o Jake.
Ela suspira profundamente, e os olhos dela suavizam.
— Filha, o Jake morreu. Jason lembra, sim, mas e daí?
Desvio o olhar, falando quase num sussurro:
— E daí que isso me confunde. Eu nunca gostei do Jason, a senhora sabe disso. Ele sempre foi um arruaceiro e, agora, aparece com essa pinta de bom moço? Será que alguém muda tanto assim?
Ela se recosta na pia, os braços cruzados, como se escolhesse as palavras com cuidado.
— Não estou dizendo para você namorar com ele, Jéssica. Só acho que poderia ser simpática, talvez até amiga. Sabe que impressão ele me passou? A de alguém que precisa de colo.
Não consigo conter uma risada curta e desacreditada.
— Só a senhora para dizer uma coisa dessas, mamãe.
Ela ri junto, relaxando o rosto.
— Mas é verdade! Ele parece um homem que carrega o mundo nas costas, que a vida judiou. Passa uma sensação de solidão, de vazio... Não sei explicar.
Respiro fundo, hesitante.
— Tá bom, mamãe. A senhora pode estar certa, mas vou devagar. Tenho medo de oferecer minha amizade e sair machucada nessa história.
Ela ergue as mãos, rendida.
— Pensando assim, não vou me meter. Devagar é bom.
Reviro os olhos, um sorriso sarcástico escapando.
— Ah, obrigada por finalmente concordar comigo! Acho que entendeu.
Ela arqueia uma sobrancelha, um sorriso matreiro surgindo.
— Percebeu como o Jason olha para você? Ele olha como o Jake te olhava.
Meu rosto esquenta, e reviro os olhos, um misto de vergonha e irritação tomando conta de mim.
— Mamãe, para! A senhora está querendo me torturar hoje?
Ela volta a atenção para a louça, mas o sorriso permanece.
— Não estou falando nada que você já não tenha notado. Sei que percebeu o jeito que ele te olha. Não se faça de desentendida, Jéssica.
Um arrepio involuntário percorre minha espinha. Com as mãos trêmulas, pego outro prato do escorredor e começo a enxugá-lo.
— A senhora quer me jogar no covil do lobo solitário? — brinco, tentando disfarçar o nervosismo.
— Ele está mais para ovelha perdida — responde com um suspiro, divertida.
Não consigo conter uma gargalhada nervosa, e ela ri junto.
— Verdade! Esse homem carrega uma tristeza enorme dentro dele. Deve ser por causa do acidente.
Desvio o assunto rapidamente, sem dar espaço para ela insistir.
— Mamãe, vamos mudar de assunto?
Ela ainda ri sozinha enquanto lava um copo.
— E o Ricardo? Vem mesmo?
— Falei com ele ontem. Disse que vai passar aqui.
Ricardo é meu colega de trabalho. Dá aulas de matemática, enquanto eu leciono literatura. Ele gosta de mim, e isso nunca foi segredo, mas deixei claro que o vejo só como amigo. Durante as férias, costuma me visitar.
— Certo — Ester sorri de leve. — Reparou como o Jason não gostou de saber que ele viria?
Suspiro alto, evitando olhá-la. Sigo até a pia e lavo um prato sujo, tentando esconder o brilho nos meus olhos. Com raiva de mim mesma por me afetar por Jason, o homem que insistiu para Jake ir àquela festa que o levou para sempre de mim.
Rebato:
— Jason sempre foi assim. Nunca gostou de ser contrariado. Isso ele não mudou.
Jason
Horas depois, fito o relógio por hábito, mesmo sabendo que posso ignorar o passar do tempo.
Pela primeira vez em muito tempo, não estou preso a reuniões intermináveis ou compromissos entediantes. É estranho, quase desconfortável, ter tanto tempo livre.
A imagem de Jéssica surge, viva e nítida, na minha mente. Aquele sorriso sutil, a boca rosada, o nariz arrebitado, as sardas suaves que pintam as maçãs de seu rosto... Desde que coloco os olhos nela, algo dentro de mim muda. Como se a memória dela fosse uma marca que carrego comigo aonde vou.
Odeio o que ela me faz sentir.
Para Jéssica, sou apenas o irmão de Jake — um fantasma de alguém que ela perdeu. Mas, para mim, ela é tudo que não consigo ignorar. Os olhos verdes dela me perseguem, me desarmam. E, por mais que tente evitar, anseio vê-la novamente.
Então, lembro dos últimos acontecimentos, e a raiva cresce. Levanto-me abruptamente, vou até o banheiro, lavo o rosto e faço a barba. Ao me olhar no espelho, noto meu rosto um pouco mais corado.
Quando o sol começa a desaparecer no horizonte, saio para caminhar. A brisa é fresca, e o aroma da terra úmida traz um alívio passageiro. Mas essa calmaria é esmagada no instante em que os vejo.
Jéssica está ali, na grama alta, com um homem.
Ele é alto, loiro, talvez da idade dela, uns vinte e poucos anos. Está descalço, sem camisa, com uma toalha nos ombros. Os cabelos molhados. Ela veste um vestido leve, mas a parte superior está escura de água — tinham estado juntos na água.
Meu sangue ferve.
Ela ri de algo que ele diz, mas, ao olhar por cima do ombro dele e me avistar, sua expressão muda. Sempre muda quando me vê. Seus olhos se tornam cautelosos, quase ariscos, e ela congela.
Eu sei por quê. Para ela, sou um lembrete do passado, uma sombra de Jake.
Penso em virar as costas e ir embora. É melhor assim. Evitar o que sei que pode me ferir. Mas algo dentro de mim recusa. Como um ímã, a presença dela me atrai de uma forma que não consigo controlar.
Respiro fundo e caminho na direção deles.
— Boa tarde — cumprimento, com um sorriso que m*l esconde minha irritação.
Ricardo, o loiro, vira-se ao som do galho seco sob meus pés. Seu rosto fecha ao me ver.
— Boa tarde — responde, seco.
Meus olhos se fixam em Jéssica. Seus cabelos molhados estão presos em um r**o de cavalo, revelando o pescoço delicado. Um pescoço lindo, que me faz perder a linha de pensamento por um momento.
— Boa tarde — diz ela, o sorriso fraco suavizando sua expressão.
— Jason é o novo hóspede do chalé — explica Jéssica, com um tom quase defensivo. Depois, aponta para o rapaz. — Jason, este é Ricardo... um amigo meu.
A palavra "amigo" ecoa na minha mente e melhora meu humor imediatamente.