Ela sorri, aliviada.
— Isso mesmo. Mas seja cuidadoso com ela, Jason. Lembre-se de ter tato… Será um choque para ela também ao te ver. Afinal, você é a cópia de Jake. E… Jéssica e Jake, eles se amavam profundamente.
Fito Eleonora, afastando qualquer pensamento sombrio com uma frieza calculada, algo que aprendi a fazer depois de tanto tempo.
— Vou com calma. Prometo me lembrar disso.
Eleonora se aproxima e me dá um beijo na testa, como fazia antigamente, quando éramos crianças e ela tentava me acalmar. Com um sorriso, ela diz:
— Você amadureceu tanto. Nem parece mais o Jason que conheci.
Eu sorrio de volta, mas, por dentro, sinto uma pontada. Ela sempre diz isso… quase como um lembrete velado de que Jake era o cabeça, e eu, no fim, era apenas um “merd@”, penso, com uma ironia amarga.
Imagino quantas vezes precisei falhar para que ela construísse essa imagem. Fico me perguntando quantas vezes decepcionei antes de qualquer amadurecimento ser sequer possível. Essa comparação entre o "antes" e o "agora" parece perseguir cada pequena conquista, cada esforço para me manter de pé. Talvez eu tenha deixado rastros que Eleonora — e todos ao meu redor — se lembram muito bem. E, mesmo que ela nunca diga com todas as palavras, a sombra do antigo Jason parece pairar sobre qualquer coisa que eu faça hoje.
Meu sorriso permanece no rosto, mas sinto o peso das expectativas e, ao mesmo tempo, daquelas falhas do passado que já nem consigo lembrar. Tento então deixar a sensação passar, focando no presente e no que me trouxe aqui. Afinal, já não sou o mesmo Jason — pelo menos é o que todos insistem em me lembrar.
O silêncio que se instala é desconfortável, confirmando porque preciso me afastar de tudo… e deles. O passado, mesmo fragmentado, é sempre trazido de volta, e cada vez que ouço sobre ele, sinto como se fosse alguém que nunca quis ser. Não gosto do que eles me contam.
— Eu poderia me deitar um pouco até a hora do almoço? — pergunto, sentindo a fraqueza se instalar. A viagem, a tensão, a revelação… e eles, sempre me analisando, cada olhar como se tentassem ler em mim algum vestígio do passado. Tudo isso está me consumindo mais do que eu gostaria de admitir.
Eleonora sorri, gentil.
— Claro, Jason. Você está em casa. Fique à vontade. O almoço será servido em breve, mas, se preferir algo mais rápido, posso pedir para alguém preparar.
— Não se preocupe com isso. Só preciso de um pouco de descanso e algo leve.
Ela assente, com um olhar que mistura preocupação e carinho, enquanto subo para o quarto. Sinto seu olhar nas minhas costas, e por mais que ela não diga nada, percebo que continua analisando cada movimento meu, em busca de vestígios daquele Jason que, pelo visto, só ela lembra.
Fecho os olhos por um momento, tentando afastar o turbilhão de pensamentos, e logo a sensação de calma que tanto procuro começa a se infiltrar. O peso dos últimos anos, da minha vida em Londres, das memórias que ainda me escapam, tudo parece se dissipar na quietude desse lugar.
Eu apenas... deixo tudo para trás.
Mas, como sempre, os pensamentos começam a retornar. A menção de Jéssica, o chalé, e a agitação que sinto quando penso nela — tudo isso se mistura na minha mente, como uma onda que não consegue recuar. Eu a vi no hospital, isso é certo. Ela esteve lá, me visitou, mas o que mais eu sei sobre ela? Nada. O rosto dela, os olhos verdes, e a sensação de uma conexão distante, como se a conhecesse de algum lugar, mas sem conseguir encontrar o ponto exato.
Abro os olhos, procurando algo ao meu redor que me ancore. O quarto que Eleonora preparou para mim é simples, mas acolhedor, com o toque de aconchego que ela sempre proporciona. A luz suave entrando pela janela, a cama grande e confortável, e uma cadeira próxima à lareira. O lugar tem o cheiro familiar de casa, um cheiro que sempre me abraçou quando voltava do meu mundo tumultuado.
Deito-me novamente, tentando afastar os pensamentos, mas a mente continua a vagar. Eu não queria reviver a dor, não queria relembrar o que perdi, mas parecia inevitável. A conexão com Jéssica... será que algum dia encontrarei as respostas para o que aconteceu entre nós?
Jason
Duas horas depois, acordo atordoado, com as lembranças voltando lentamente, como um filme borrado. Meu corpo está moído, como se tivesse travado uma batalha durante o sono. Respiro fundo, fitando o teto branco do quarto, tentando reunir coragem para sair da cama. Deus, como estou exausto!
Arrasto-me até o banheiro e, ao lavar o rosto, encaro meu reflexo no espelho.
— Buuu! — murmuro para mim mesmo, tentando aliviar a tensão. Estou pálido como um fantasma, a pele fria e tensa, como alguém à beira de uma doença terminal.
Preciso descansar de verdade. Preciso me recuperar, me encontrar novamente… sem mais preocupações. O médico foi claro: ou mudo meu ritmo de vida, ou meu coração não vai resistir por muito tempo.
Depois de me recompor, volto para a sala. Eleonora sorri ao me ver.
— Até que enfim você acordou! — Ela ri, mas logo a preocupação transparece em seus olhos, e ela se aproxima, me beijando suavemente no rosto. — Vamos almoçar?
Assinto, embora a fome seja a última coisa que passa pela minha mente. Mas, ao ver a mesa que ela preparou com tanto carinho, sou tomado por uma onda de nostalgia. Ricardo entra com Adam nos braços, sorrindo ao ver minha expressão.
— Eleonora caprichou. Fez tudo o que você gosta — diz ele, e vejo o brilho familiar em seu olhar.
— Minha irmã é um amor — respondo, sorrindo para ela, que retribui com um beijo no ar.
O almoço é uma surpresa: abobrinha recheada, arroz branco e batatas cozidas com azeite. Cada prato exala o sabor de casa, de família. O gosto familiar traz uma paz que há muito não sentia, e antes que eu perceba, estou comendo como não fazia há tempos. A sensação de lar, de pertencimento, devolve meu apetite.