Eleonora
Enquanto observo Jason, não consigo deixar de pensar no peso que ele carrega. Ele parece mais calmo agora, mas sei que é apenas a superfície. A ansiedade, as memórias fragmentadas… tudo ainda parece muito pesado.
— Você parece mais calmo — comento, tentando sondar o que ele sente sem pressioná-lo.
Jason esboça um pequeno sorriso, mas é claro que a serenidade não reflete o que ele realmente sente.
— Melhor, sim. Mas ainda há muito a processar… — responde, e percebo a fragilidade em sua voz, mesmo que ele tente esconder.
O silêncio se arrasta entre nós, e Jason parece preso em seus pensamentos, perdido em algo que nem ele parece entender completamente. Ele não mencionou mais o chalé, nem falou sobre o que realmente sente, e isso me preocupa.
Espero que, ao reencontrar Jéssica, ele consiga encarar o passado sem se perder ainda mais. Ver alguém que amamos lutando com uma dor invisível é uma das sensações mais impotentes do mundo. Tudo o que posso fazer é estar ao lado dele, torcendo para que ele consiga atravessar essa escuridão.
Jason
Após o almoço, pego Adam no colo, tentando me distrair ao brincar com ele, mas o momento de paz não dura. O pequeno solta um choro alto, um som agudo que reverbera no meu peito, e sinto o coração acelerar, descompassado. Um cansaço inexplicável me domina, e Eleonora percebe minha palidez, pegando Adam de volta nos braços.
Caminho até o carro em busca de um cigarro. Não deveria fumar, mas a necessidade é maior que qualquer recomendação médica. Encostado ao carro, dou uma longa tragada e fecho os olhos, tentando aliviar a tensão. O sol bate no meu rosto, e por um momento, sinto uma calma forçada.
Um toque leve no ombro me traz de volta, e abro os olhos para ver Eleonora ao meu lado.
— Vem, vamos nos sentar à sombra — ela diz, pegando meu braço e me guiando até um banco no jardim.
Sentados, ela me olha, o rosto carregado de preocupação.
— Jason, estou realmente preocupada com você. Está tudo bem mesmo? Você parece doente… Nem aguenta o choro do menino.
Jogo o filtro do cigarro fora e a encaro com seriedade.
— Estou bem, Eleonora. Só muito estressado. Foram anos sem férias, e isso está começando a pesar.
Ela suspira, os olhos fixos no chão.
— Esse ritmo de vida vai acabar te matando, Jason. — Seus olhos encontram os meus, e o medo que vejo neles me desarma.
— Eu sei. Por isso tirei essas férias — murmuro, desviando o olhar.
Ela aperta minhas mãos.
— Você amadureceu tanto. Nem parece mais aquele Jason que conheci.
De novo isso?
Dou um sorriso, um misto de gratidão e melancolia.
— A vida tem suas maneiras de nos fazer crescer, Eleonora. Tive que amadurecer para enfrentar tudo o que passei.
Ela aperta minhas mãos de volta.
— E eu admiro tanto a sua força, Jason. Tudo o que você construiu por conta própria... poucos conseguiriam ser tão bem-sucedidos assim, saindo do zero.
— Não sei o que seria de mim sem você, Ricardo e Adam. Vocês são minha família, e são tudo para mim.
Ela ri, secando os olhos.
— E você sabe o quanto significa para nós, seu bobo. Sempre adoramos ir para Londres, mesmo que eu deixe a casa uma bagunça e Marta quase tenha um ataque cardíaco.
Dou uma gargalhada.
— Te amo, minha irmã.
Eleonora se inclina e me abraça. Por um momento, o peso de tudo parece mais leve, como se naquele abraço houvesse uma p******o contra o mundo.
Ela se afasta e olha para mim com ternura.
— Se precisar de qualquer coisa, sabe que estou aqui, não sabe?
Seguro as mãos dela com firmeza, sentindo o calor de sua preocupação. Ela me olha com olhos suaves, mas insistentes, como se esperasse que eu me abrisse para ela.
— Eu sei — respondo, a voz baixa, mas segura.
— Se abra comigo. Não sou uma estranha. Sou sua irmã, e estou disposta a ouvir. Alguma coisa te aflige, além de trabalhar tanto? — Ela segura minha mão, seus olhos buscando os meus, tentando enxergar além da superfície.
Engulo em seco, tentando controlar a tristeza que ameaça transbordar. A dor se espalha pelo meu peito, e por um momento, me sinto pequeno diante da intensidade dessa conversa. Não quero preocupar Eleonora, mas o peso das palavras que ela fala é insuportável.
— Não. Não se preocupe. Minha vida é essa mesmo que você está vendo. Comecei do zero, com meu passado apagado. Preenchi esse vazio com o trabalho. A verdade é que o trabalho tem sido a única coisa que me ajuda a seguir em frente — digo, com uma tristeza que é impossível esconder.
Ela suspira, e vejo uma lágrima brotar de seus olhos, uma lágrima que parece rasgar meu peito.
— Talvez tenha sido um erro você ter ido embora... O médico disse que, para recuperar a memória, você precisava estar entre as pessoas e lugares que conhecia. Mas você preferiu se afastar de tudo.
As palavras dela atingem um ponto sensível. Sinto o peso daquelas verdades, de tudo o que poderia ter sido diferente. Quando encaro Eleonora, percebo a verdade dolorosa se agarrando a mim, e respiro fundo antes de deixá-la escapar:
— Eleonora, é tarde demais. Eu já desisti de me lembrar de qualquer coisa. Vamos parar de falar sobre isso, por favor.
Ela me observa, a dor visível em seu olhar. Seus ombros tremem e, mesmo que tente esconder o rosto, vejo quando uma lágrima escapa. Ela não consegue mais segurar a tristeza.
— O que foi? — Pergunto, com a voz baixa, tentando entender a aflição dela. — Por que está chorando? Eu te amo, independentemente de me lembrar ou não.
Ela hesita por um instante, seus lábios tremendo levemente antes de responder, e a verdade emerge, quebrando ainda mais o que restava de mim.
— Não quero que você se lembre. Acho que você sabe o porquê. Mas, ao mesmo tempo, vejo uma tristeza tão profunda em você... fico dividida.
— Você tem medo de ter se enganado comigo? Que posso ser Jake? — pergunto, com uma dúvida que tem me consumido, me fazendo questionar a cada dia quem eu sou de fato.
Eleonora assente, a verdade escrita claramente em seus olhos. Não há mais como esconder.
— Sim. Eu tenho medo de ter errado ao te afirmar que você era Jason, sem fazer um exame para ter certeza.
— Não importa mais — digo, tentando suavizar o peso dessas palavras que caem pesadas sobre nós. — Passei seis meses aqui, você me chamando de Jason, e eu me agarrando a isso. Eu nunca quis saber a verdade. E mesmo que seja tarde, não faz diferença para mim agora.
Nesse momento, Eleonora se lança em meus braços, o choro abafado pelo aperto. Sinto a dor dela reverberando, e meu coração falha uma batida. Quando ela se afasta, percebo que está enxugando mais uma lágrima. A dor dela é a minha dor, e a cada gesto, eu me sinto mais perdido.