Comecei do zero, com meu passado apagado.

1189 Words
Eleonora Enquanto observo Jason, não consigo deixar de pensar no peso que ele carrega. Ele parece mais calmo agora, mas sei que é apenas a superfície. A ansiedade, as memórias fragmentadas… tudo ainda parece muito pesado. — Você parece mais calmo — comento, tentando sondar o que ele sente sem pressioná-lo. Jason esboça um pequeno sorriso, mas é claro que a serenidade não reflete o que ele realmente sente. — Melhor, sim. Mas ainda há muito a processar… — responde, e percebo a fragilidade em sua voz, mesmo que ele tente esconder. O silêncio se arrasta entre nós, e Jason parece preso em seus pensamentos, perdido em algo que nem ele parece entender completamente. Ele não mencionou mais o chalé, nem falou sobre o que realmente sente, e isso me preocupa. Espero que, ao reencontrar Jéssica, ele consiga encarar o passado sem se perder ainda mais. Ver alguém que amamos lutando com uma dor invisível é uma das sensações mais impotentes do mundo. Tudo o que posso fazer é estar ao lado dele, torcendo para que ele consiga atravessar essa escuridão. Jason Após o almoço, pego Adam no colo, tentando me distrair ao brincar com ele, mas o momento de paz não dura. O pequeno solta um choro alto, um som agudo que reverbera no meu peito, e sinto o coração acelerar, descompassado. Um cansaço inexplicável me domina, e Eleonora percebe minha palidez, pegando Adam de volta nos braços. Caminho até o carro em busca de um cigarro. Não deveria fumar, mas a necessidade é maior que qualquer recomendação médica. Encostado ao carro, dou uma longa tragada e fecho os olhos, tentando aliviar a tensão. O sol bate no meu rosto, e por um momento, sinto uma calma forçada. Um toque leve no ombro me traz de volta, e abro os olhos para ver Eleonora ao meu lado. — Vem, vamos nos sentar à sombra — ela diz, pegando meu braço e me guiando até um banco no jardim. Sentados, ela me olha, o rosto carregado de preocupação. — Jason, estou realmente preocupada com você. Está tudo bem mesmo? Você parece doente… Nem aguenta o choro do menino. Jogo o filtro do cigarro fora e a encaro com seriedade. — Estou bem, Eleonora. Só muito estressado. Foram anos sem férias, e isso está começando a pesar. Ela suspira, os olhos fixos no chão. — Esse ritmo de vida vai acabar te matando, Jason. — Seus olhos encontram os meus, e o medo que vejo neles me desarma. — Eu sei. Por isso tirei essas férias — murmuro, desviando o olhar. Ela aperta minhas mãos. — Você amadureceu tanto. Nem parece mais aquele Jason que conheci. De novo isso? Dou um sorriso, um misto de gratidão e melancolia. — A vida tem suas maneiras de nos fazer crescer, Eleonora. Tive que amadurecer para enfrentar tudo o que passei. Ela aperta minhas mãos de volta. — E eu admiro tanto a sua força, Jason. Tudo o que você construiu por conta própria... poucos conseguiriam ser tão bem-sucedidos assim, saindo do zero. — Não sei o que seria de mim sem você, Ricardo e Adam. Vocês são minha família, e são tudo para mim. Ela ri, secando os olhos. — E você sabe o quanto significa para nós, seu bobo. Sempre adoramos ir para Londres, mesmo que eu deixe a casa uma bagunça e Marta quase tenha um ataque cardíaco. Dou uma gargalhada. — Te amo, minha irmã. Eleonora se inclina e me abraça. Por um momento, o peso de tudo parece mais leve, como se naquele abraço houvesse uma p******o contra o mundo. Ela se afasta e olha para mim com ternura. — Se precisar de qualquer coisa, sabe que estou aqui, não sabe? Seguro as mãos dela com firmeza, sentindo o calor de sua preocupação. Ela me olha com olhos suaves, mas insistentes, como se esperasse que eu me abrisse para ela. — Eu sei — respondo, a voz baixa, mas segura. — Se abra comigo. Não sou uma estranha. Sou sua irmã, e estou disposta a ouvir. Alguma coisa te aflige, além de trabalhar tanto? — Ela segura minha mão, seus olhos buscando os meus, tentando enxergar além da superfície. Engulo em seco, tentando controlar a tristeza que ameaça transbordar. A dor se espalha pelo meu peito, e por um momento, me sinto pequeno diante da intensidade dessa conversa. Não quero preocupar Eleonora, mas o peso das palavras que ela fala é insuportável. — Não. Não se preocupe. Minha vida é essa mesmo que você está vendo. Comecei do zero, com meu passado apagado. Preenchi esse vazio com o trabalho. A verdade é que o trabalho tem sido a única coisa que me ajuda a seguir em frente — digo, com uma tristeza que é impossível esconder. Ela suspira, e vejo uma lágrima brotar de seus olhos, uma lágrima que parece rasgar meu peito. — Talvez tenha sido um erro você ter ido embora... O médico disse que, para recuperar a memória, você precisava estar entre as pessoas e lugares que conhecia. Mas você preferiu se afastar de tudo. As palavras dela atingem um ponto sensível. Sinto o peso daquelas verdades, de tudo o que poderia ter sido diferente. Quando encaro Eleonora, percebo a verdade dolorosa se agarrando a mim, e respiro fundo antes de deixá-la escapar: — Eleonora, é tarde demais. Eu já desisti de me lembrar de qualquer coisa. Vamos parar de falar sobre isso, por favor. Ela me observa, a dor visível em seu olhar. Seus ombros tremem e, mesmo que tente esconder o rosto, vejo quando uma lágrima escapa. Ela não consegue mais segurar a tristeza. — O que foi? — Pergunto, com a voz baixa, tentando entender a aflição dela. — Por que está chorando? Eu te amo, independentemente de me lembrar ou não. Ela hesita por um instante, seus lábios tremendo levemente antes de responder, e a verdade emerge, quebrando ainda mais o que restava de mim. — Não quero que você se lembre. Acho que você sabe o porquê. Mas, ao mesmo tempo, vejo uma tristeza tão profunda em você... fico dividida. — Você tem medo de ter se enganado comigo? Que posso ser Jake? — pergunto, com uma dúvida que tem me consumido, me fazendo questionar a cada dia quem eu sou de fato. Eleonora assente, a verdade escrita claramente em seus olhos. Não há mais como esconder. — Sim. Eu tenho medo de ter errado ao te afirmar que você era Jason, sem fazer um exame para ter certeza. — Não importa mais — digo, tentando suavizar o peso dessas palavras que caem pesadas sobre nós. — Passei seis meses aqui, você me chamando de Jason, e eu me agarrando a isso. Eu nunca quis saber a verdade. E mesmo que seja tarde, não faz diferença para mim agora. Nesse momento, Eleonora se lança em meus braços, o choro abafado pelo aperto. Sinto a dor dela reverberando, e meu coração falha uma batida. Quando ela se afasta, percebo que está enxugando mais uma lágrima. A dor dela é a minha dor, e a cada gesto, eu me sinto mais perdido.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD