Ela hesita, mas acaba puxando uma das cadeiras. Não se recosta; mantém-se ereta, como se pronta para sair a qualquer momento.
— Não precisa se preocupar em devolver a bandeja hoje — diz ela, depois de um breve silêncio. — Pode deixar na varanda amanhã de manhã. Eu pego.
— Não quero te dar trabalho — comento, embora saiba que é uma desculpa para prolongar a conversa.
Ela levanta os olhos para mim pela primeira vez desde que chegou. Há algo ali, uma mistura de cansaço e resistência.
— Não é trabalho, Jason. É só... parte do acordo.
Parte do acordo. Suas palavras têm um tom definitivo que me deixa desconfortável. Tento ignorar e mudar de assunto.
— Estava no lago hoje à tarde. Achei que te veria por lá.
Ela desvia o olhar, ajeitando uma mecha de cabelo que caiu sobre o rosto.
— Eu precisava de um tempo sozinha — diz, a voz baixa, quase um sussurro. — Tudo é muito... complicado para mim.
Sim, infelizmente sou a cópia do homem que ela amava. O silêncio entre nós é preenchido pelo som distante do vento e pelo leve rangido do chalé. Sinto uma vontade de perguntar mais, mas não quero invadir seu espaço.
— Uma pena, perdeu o pôr do sol. Estava maravilhoso essa tarde — comento, tentando aliviar a tensão no ar.
Ela apenas balança a cabeça como se clamasse por paciência então me encara, como se eu fosse um peso que ela precisa suportar que ainda não estivesse pronta para carregar.
— Eu moro aqui, se esqueceu? Tenho esse espetáculo sempre... Preciso ir. — Sua voz é firme, mas trêmula. Um tom de fuga disfarçada de decisão.
Ela empurra a cadeira para trás, e o som do atrito contra o chão ecoa no chalé vazio. Meu coração aperta.
— Já? — pergunto, a decepção escapando na minha voz, mesmo que eu tente escondê-la.
— Sim, tenho outras coisas para fazer. Boa noite, Jason.
— Não foi isso que combinamos. Você disse que me faria companhia.
Jéssica para. É um momento breve, mas parece uma eternidade. Seus dedos encontram os cabelos, um gesto nervoso que a entrega. Ela volta a se sentar, mas sua postura rígida deixa claro que não está à vontade.
— Certo, mas não prometi ficar a noite toda. — Sua resposta sai um pouco mais suave, mas ainda carregada de distância.
Dou um pequeno sorriso, tentando aliviar o peso entre nós.
— Justo. Mas podemos conversar um pouco, pelo menos? Falar sobre algo leve. Sei lá, sobre esse paraíso, o dia... — sugiro, tentando encontrar um terreno neutro.
Ela reage como se minhas palavras tivessem acionado algo profundo, uma memória dolorosa que ela não queria reviver. Seus olhos brilham por um instante, mas não é suavidade; é dor.
— Oh Deus! Não dá, não desse jeito com você aí... chamando isso de paraíso, usando as falas do Jake. — A voz dela é baixa, mas cada palavra carrega um peso esmagador. — E fora isso, você nunca se importou com o pôr do sol. Por que isso agora?
Sua confissão me atinge como um golpe. Não é apenas o que ela diz, mas o que não diz. A sombra de Jake está entre nós, uma presença que nunca vai embora, que me persegue em cada olhar que ela me dá.
O silêncio que se segue é pesado, sufocante. É como se todas as coisas que deveriam ser ditas ficassem presas entre nós, um abismo que não sei como atravessar.
— Uma boa noite, Jason. — A voz dela volta, agora fria, um corte limpo que encerra qualquer possibilidade de reconciliação naquele momento. Ela se levanta, ajeita o vestido como quem arruma um escudo e caminha até a porta.
— Boa noite, Jéssica — murmuro, sabendo que minha voz não tem força suficiente para alcançá-la.
Ela hesita por um momento. Um instante quase imperceptível, mas que carrega o peso de uma decisão não tomada. Seus dedos tocam a maçaneta, e, por um segundo, penso que ela vai dizer algo mais. Mas não. O som da porta se fechando suavemente ecoa no chalé vazio, e o silêncio retorna, ainda mais opressivo do que antes.
Fico parado por um momento, tentando assimilar o que aconteceu, mas meus pés me guiam até a mesa. Olho para a bandeja que ela trouxe, para a comida cuidadosamente arrumada, tão diferente da confusão que ficou no ar. O aroma delicioso enche o espaço, mas o apetite me abandona completamente.
Cada garfada é um esforço mecânico, uma tentativa de calar o buraco crescente que sinto no peito. Mas não adianta. Não é fome o que me consome; é o vazio de vê-la partir.
Meus pensamentos voltam para ela, para a dor que vi em seus olhos e para a forma como sua presença me afeta. Jéssica é um enigma, uma ferida aberta que reflete a minha própria. Talvez seja isso que me conecta a ela — a sensação de carregar um peso que parece impossível de aliviar.
Eu suspiro e empurro o prato, rendido à batalha contra meu próprio desconforto. Naquele momento, percebo que o chalé não está tão vazio quanto parece. As sombras do passado, as dela e as minhas, enchem cada canto, cada silêncio. E, de alguma forma, sei que elas continuarão a me acompanhar.
Depois de comer, lavo a louça, os sons dos talheres e da água corrente me distraindo momentaneamente. Quando tudo está limpo, me sento perto da janela. A escuridão lá fora reflete o que sinto por dentro. O vento agita as árvores, criando sombras que dançam sob a luz da lua, como se fossem fantasmas de memórias que nunca vivi.
Jéssica. Mesmo sem querer, ela ocupa meus pensamentos. Talvez seja porque ela me lembra de algo que perdi, ou talvez porque me faz sentir que ainda existe algo além do vazio. Não sei. Só sei que, mesmo sem perceber, ela me faz querer entender quem sou.
Respiro fundo e tento afastar esses pensamentos. Amanhã será um novo dia, e com sorte, o lago e o chalé trarão a paz que estou buscando. Mas, por enquanto, só me resta a companhia da noite e das perguntas que ela insiste em trazer.