Ela parece relaxar um pouco, mas ainda há uma distância em sua postura, como uma barreira invisível que ela não está pronta para derrubar. Seu olhar escapa para um canto da cozinha, como se buscar foco em algo concreto pudesse ajudar a manter a compostura.
— Então é isso. Vou levar sua refeição hoje à noite. — diz, pegando uma faca que estava na bancada e começando a cortar algo com movimentos precisos, quase mecânicos, como se precisasse ocupar as mãos para afastar o desconforto. — Mas não espere grandes conversas, Jason. Eu sou péssima nisso.
Dou um pequeno sorriso, tentando aliviar o clima pesado que paira entre nós, como uma nuvem carregada prestes a desabar.
— Já é mais do que o suficiente. — respondo, antes de me virar para sair da cozinha, meus passos ecoando suavemente no silêncio.
Enquanto volto para a sala, sinto um estranho alívio por ela ter aceitado. Mas, ao mesmo tempo, há algo mais profundo roendo em meu interior, uma tensão latente que não consigo ignorar. Cada passo que dou nesse lugar parece me aproximar de algo desconhecido, algo que eu não estou pronto para enfrentar. E, de alguma forma, sei que Jéssica está no centro disso, como o epicentro de uma tempestade que ainda não se revelou por completo.
Jason
A tarde está ensolarada, e o calor é amenizado por uma brisa constante que vem do lago. Decido sair do chalé. Preciso de um tempo ao ar livre, longe dos pensamentos que insistem em me perseguir dentro das quatro paredes de madeira. Coloco um tênis confortável e sigo em direção ao deque que se projeta sobre o lago.
Caminho devagar, sentindo o cheiro das árvores e ouvindo o som tranquilo da natureza ao meu redor. O deque está vazio, e a água reflete o céu azul quase como um espelho perfeito. Perto da margem, vejo pequenas ondas, como se algo tivesse acabado de se mover ali. Me aproximo mais, deixando meus pensamentos se perderem na tranquilidade do cenário.
Jéssica estava aqui há pouco. Ainda posso ver as marcas de seus passos na areia úmeda que ladeia o deque. Algo nela me intriga, uma mistura de familiaridade e mistério que me deixa inquieto. Tento não pensar demais, mas é impossível. O jeito como ela evita olhar diretamente para mim, como se lutasse contra algo interno, mexe comigo mais do que eu gostaria de admitir.
Me sento no deque, deixando os pés balançarem sobre a água. Fico um bom tempo, observando o movimento das folhas ao vento, até que noto o silêncio. Antes, podia jurar que ouvia passos à distância, mas agora não há mais nada. Olho ao redor, esperando vê-la surgir entre as árvores ou perto do chalé, mas não há sinal dela.
Meu peito aperta com uma ansiedade inesperada. Me levanto, procurando com os olhos, mas o lugar parece ainda mais vazio agora. Jéssica sempre surge e desaparece como uma sombra, quase como se fosse parte da paisagem. Tento me convencer de que não importa, de que talvez seja melhor assim, mas a sensação de decepção é difícil de ignorar.
Caminho até a beira do lago e olho a trilha que leva até a praia. Ela deve ter seguido por ali, mas eu não sei se quero ir atrás. Há um peso em mim, como se temesse o que poderia encontrar. Respiro fundo, tentando me acalmar, e volto a olhar para a água. A tarde avança, e o reflexo do sol nas ondas cria um espetáculo dourado. É bonito, mas não consigo relaxar. O desconforto permanece.
Fico um instante ali, sozinho, tentando absorver a paz do lugar antes de voltar para o chalé. Talvez eu precise aceitar que, por enquanto, o silêncio é minha única companhia.
Quando volto para o chalé, o sol já começa a descer no horizonte, tingindo o céu de tons alaranjados e o silêncio lá de fora parece me seguir para dentro, preenchendo cada canto do chalé com uma solidão quase palpável.
Olho para o relógio na parede. Já passa das sete horas. A Sara havia comentado que Jéssica traria o jantar para mim neste horário, como combinamos, mas começo a duvidar. Talvez ela tenha mudado de ideia. Não seria surpresa, considerando o modo como me evita.
Decido acender o abajur da sala, criando uma luz suave que corta a escuridão crescente. O aroma de madeira velha e o leve rangido do piso ao caminhar me trazem uma sensação de refúgio, embora incompleta. Tento me distrair arrumando a pequena mesa no canto, colocando um copo e talheres, como se isso fosse facilitar a espera.
Quando o som de passos se aproxima do chalé, meu corpo reage antes de minha mente. Me viro para a porta, atento, como se estivesse esperando por isso o dia todo. Ela bate duas vezes, firme, antes de abrir a porta sem esperar resposta.
— Trouxe o jantar — diz Jéssica, com a voz neutra, carregando uma bandeja cuidadosamente equilibrada. Ela não me olha diretamente, mas há algo em sua postura que me diz que está tentando parecer mais indiferente do que realmente está.
— Obrigado — respondo, dando um passo para o lado para que ela entre.
Ela coloca a bandeja sobre a mesa com movimentos precisos, sem dizer nada. Há um prato coberto por uma cúpula de vidro, uma tigela de salada e uma pequena jarra de suco. Tudo arrumado de forma simples, mas cuidadosa.
— Como combinamos, você fará suas refeições aqui...
Eu assinto, observando-a por alguns segundos. Ela usa um vestido claro e o cabelo preso em um coque frouxo, com alguns fios soltos que emolduram seu rosto. Parece cansada, mas sua presença traz uma energia que preenche o espaço vazio.
— Sente-se um pouco — digo, me lembrando que combinamos que ela me faria companhia.