O tempo muda tudo. Às vezes, de formas que nem entendemos.

1279 Words
Parecia loucura, mas Jéssica me atraía como nenhuma outra conseguiu. Gostaria muito de conhecer melhor essa linda mulher a minha frente. Mas o medo de ela não me enxergar como o homem que eu era e ver apenas a sombra de meu irmão, me desanima. Eu estou pensando sobre isso quando a senhora Williams fala alguma coisa. — Desculpe. A senhora falou comigo? — Eu disse que suas palavras me surpreendem, e muito. — Ester comenta, sua voz carregada de uma mistura de nostalgia e leve provocação. — Antes de Sara, você foi muito namorador. Sinto o peso do nome dela pairando no ar por um instante, mas consigo disfarçar. — A rotina em Londres é bem intensa. — Respondo, tomando um gole de suco para ganhar tempo. — Não me faltaram oportunidades de conhecer garotas, mas como eu disse, nenhuma provocou o meu interesse. E agora estou aqui, não em busca de aventuras, mas de paz. Quero respirar esse ar puro, apreciar a vida de um jeito diferente. Ester sorri, aparentemente satisfeita, mas Jéssica parece tensa, pois se agita ao meu lado na cadeira. — Bem, espero que esse mês aqui te ajude. — Ester diz, recostando-se na cadeira. — Não há lugar melhor para recarregar as energias do que esse cantinho. — Isso é verdade. — Jéssica comenta de repente, mas seu tom contém uma leve ironia que apenas eu pareço perceber. Ester continua, como se não notasse a tensão que paira. — Jake gostava muito daqui. Já você... — Ester diz, fixando em mim aquele olhar afiado, acompanhado de um sorriso que insinua mais do que revela. — Você sempre foi mais da cidade, de sair, beber com os amigos... E olha só para você agora! Um homem bem-sucedido, responsável, que procura algo sério, que não quer brincar com o coração de uma mulher. Puxa, como o tempo molda as pessoas! Sorrio, ou pelo menos tento. — O tempo muda tudo. Às vezes, de formas que nem entendemos. Ester assente, satisfeita com minha resposta, mas Jéssica continua inquieta. Quando nossos olhos se encontram por um breve instante, há algo lá: um misto de dor, dúvida e algo que eu não consigo nomear. Algo que, estranhamente, sinto que me pertence. Jéssica desvia o olhar rapidamente, mas o momento já se foi, levando consigo qualquer possibilidade de leitura clara sobre o que ela sentia. Termino a sobremesa em silêncio, sentindo o peso da presença dela ao meu lado. O silêncio entre nós é carregado, mas Ester continua falando, preenchendo o espaço com histórias sobre a casa, o chalé e as temporadas passadas. — Eu vou começar a levar as coisas para a cozinha. O som dos pratos sendo empilhados ecoa no espaço e, por um momento, sinto um desejo inexplicável de ajudá-la, de tentar quebrar a barreira invisível que parece se erguer cada vez mais entre nós. Mas Ester me mantém no lugar com seu olhar atento. — Ela ainda sente muito a falta dele, sabe? — Ester comenta em um tom quase confidencial, enquanto pega sua própria taça de sobremesa. — Acho que nunca superou de verdade. Jake era único para ela. Engulo em seco, lutando contra a culpa e a confusão. Não sei o que responder, então apenas assinto, tentando não parecer tão fora do lugar quanto me sinto. Ester sorri levemente, como se não esperasse mais do que isso. — Você tem um pouco dele, sabia? — Ela continua estudando meu rosto com cuidado. — No jeito como olha para as coisas... É estranho, mas é reconfortante ao mesmo tempo. Quero dizer que não sou ele, que sou um completo estranho tentando se encaixar em um mundo que não reconheço. Mas me contenho. Essas palavras não trariam conforto, apenas mais confusão. — Jason? — A voz de Jéssica interrompe meus pensamentos. Ela está parada na entrada da cozinha, os braços cruzados, os olhos fixos em mim. Há algo de firme, quase desafiador, no tom dela. — Você pode me ajudar com uma coisa? Levanto-me automaticamente, aliviado por ter uma desculpa para escapar da conversa com Ester, mesmo que apenas por um momento. — Claro. O que você precisa? — Respondo, tentando soar casual. Ela não diz nada, apenas faz um gesto com a cabeça para que a siga. Quando entramos na cozinha, ela se vira para mim, encostando-se na pia com um olhar que mistura curiosidade e ceticismo. — Acho melhor eu levar sua comida até o chalé. Assim você se poupa de tudo isso. O comentário dela me pega desprevenido. Fico parado por um instante, encarando-a, tentando decifrar o que realmente quer dizer com isso. O tom de Jéssica é casual, mas o olhar... o olhar é outra história. Ele carrega um peso que me desafia a reagir. — Não precisa. — Respondo, mantendo a voz firme, embora me sinta inquieto. — Não é um problema para mim estar aqui. E é natural que sua mãe queira relembrar o passado no meu primeiro dia...acho que depois isso muda. Ela solta um riso curto, sem humor, e cruza os braços. — Mudança não é exatamente o forte da minha mãe, Jason. — Ela responde, o riso seco dando lugar a um tom de cansaço. — Ela vive no passado porque é o único lugar onde as coisas ainda fazem sentido para ela. Seus olhos encontram os meus, desafiadores, mas há algo mais ali. Uma tristeza que ela tenta esconder com palavras afiadas e postura defensiva. — Talvez ela só precise de tempo. — Digo, mesmo sem saber se acredito nisso. — Ou de... algo novo para focar. — Algo novo? — Jéssica arqueia a sobrancelha, quase rindo de novo, mas dessa vez com uma ponta de amargura. — Você acha que é tão fácil assim? Substituir o que se perdeu? O impacto das palavras dela me faz vacilar por um momento. Sei que há camadas de dor por trás delas, camadas que não posso alcançar, porque são dela... e, de alguma forma, de Jake. Respiro fundo, tentando encontrar uma resposta que não soe vazia. — Não acho que seja fácil. — Admito, a voz mais baixa agora. — Mas às vezes, o presente precisa de espaço para existir. Mesmo que doa. Ela me encara por um momento longo, como se tentasse decidir se minhas palavras têm algum peso ou se são apenas mais uma tentativa educada de preencher o silêncio. Finalmente, ela balança a cabeça. — Você fala como alguém que entende isso. — Ela diz, suavemente, mas há um tom de dúvida em sua voz. — Mas não parece. Antes que eu possa responder, ela desvia o olhar, pegando uma toalha para secar as mãos. — Bom, se quiser mesmo ficar, é melhor se preparar. Porque a última coisa que minha mãe vai fazer é deixar o passado em paz. — Ela acrescenta, sem olhar para mim. — Então faremos o seguinte. — Digo, com um tom que mistura determinação e leveza. — Você leva minhas refeições e faz companhia para mim. Não gosto de comer sozinho. Ela me observa em silêncio por alguns segundos, os braços ainda cruzados. Posso ver a hesitação nos olhos dela, misturada a algo mais—curiosidade, talvez. Finalmente, ela solta um suspiro e balança a cabeça. — Tá bom, Jason. — Diz, com um tom que parece meio divertido, meio resignado. — Mas, se vamos fazer isso, tem uma condição. Levanto uma sobrancelha, intrigado. — E qual seria? — Sem falar de Jake. — Ela responde, a voz firme, mas o olhar carregado de algo que não consigo decifrar. — Se quiser companhia, tudo bem. Mas nada de... reviver coisas que já passaram. — Combinado. — digo aliviado.
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