Eric IX

2666 Words
Ainda ouço o desabafo raivoso de Mia ressoando em minha cabeça a todo instante. Nem mesmo o meu segundo encontro com Olivia no orfanato me fez desligar as suas p************s da minha mente. Ela não acredita que existem coisas boas, não acredita no amor que tio Logan tem por ela e não posso julgar. Ela passou anos distantes e muitas coisas podem ter acontecido com ela nesse meio tempo que a machucaram dessa maneira. Mia não enxerga cores no mundo e isso me afeta de um modo diferente. Por alguma razão que desconheço quero ajuda-la. Quero mostrar a ela que existem mais cores além do cinza ou rosa. Sei que para isso preciso fazê-la abaixar a guarda e confiar em mim. Só não sei como vou conseguir essa proeza já que ela parece estar sempre preparada para um confronto. Mas estou decidido a não desistir. O resto da semana é marcado pelas tentativas falhas de quebrar a barreira que existe entre nós e me aproximar dela. Também tiveram os encontros com Olivia que foram restringidos pela diretora do orfanato depois de uma pequena confusão interna com as crianças. A partir da próxima semana só podemos vê-la durante uma hora duas vezes por semana. O que achei um absurdo. Ao menos recebemos a notícia do advogado que já fomos aprovados para a segunda fase do programa de adoção e vamos começar com as avaliações e também as visitas. Passamos todo o sábado liberando um dos quartos de hóspedes e no domingo começamos a montagem do futuro quarto de Olivia. Pintamos as paredes com tinta antialérgica azul e os frisos pintamos de branco. Os móveis que mamãe comprou durante a semana também chegaram e deixamos tudo montado. _ Agora só falta a Olivia. – Digo quando paramos para apreciar tudo pronto. – Acham que quando ela vier morar conosco vai voltar a falar? _ Não podemos dizer com precisão porque não sabemos a razão emocional por trás do trauma dela. – Mamãe fala indo arrumar um ursinho de pelúcia torto sobre a cama. – Talvez seja pela morte do pai, a falta de presença da mãe ou mesmo o choque da mudança de realidade. – Lista as razões que podem ter sido responsáveis pela falta de fala da pequena e não consigo deixar de pensar em Mia. _ Mas tenho certeza que com cuidado, carinho e amor ela vai voltar a falar sim. – Papai afirma ainda parado ao meu lado. – E se for como você vai ser uma tagarela. Lembra como o Eric falava pelos cotovelos, amor? _ Como poderia esquecer. – Ela diz com um largo sorriso. – Ele falava com todo mundo em todos os lugares que íamos. – Sorri ainda mais com a lembrança, mas o sorriso some dando lugar a uma expressão séria. – Será que vamos conseguir produzir boas lembranças assim com ela? _ Mas é claro, mãe. – Falo a abraçando de lado. – Agora o que vocês acham de irmos comer alguma coisa. – Sugiro. _ Antes vamos todos tomar um bom banho para limpar toda essa tinta. – Ela diz esfregando meu rosto. – Deve ter mais tinta em vocês do que nas paredes. _ Não é possível mexer com tintas e não se sujar, mãe. – Respondo deixando o quarto da futura nova integrante da família. Realmente estou bastante sujo e tenho algum trabalho em limpar toda a tinta espalhada por meu corpo, mas dá tudo certo no final. Como estamos todos cansados pelo trabalho do final de semana o nosso jantar de hoje é um sanduíche natural com suco de morango. Deixamos para cuidar da louça suja amanhã e vamos direto para a cama. Dormir até que foi fácil já que o dia hoje foi puxado. O complicado foi ter que levantar quando o despertador tocou insistentemente às seis da manhã e tive que sair da cama para me arrumar para ir para a escola. Tomo uma ducha rápida, visto uma calça jeans preta, uma camiseta branca e ponho o meu velho moletom do Star Wars por cima e calço meu tênis branco, que já está ficando meio encardido de tanto que o uso. Passo apenas os dedos nos cabelos os jogando para trás antes de deixar o quarto remexendo a mochila para ter certeza de que está tudo aqui. _ Não vai querer nada mesmo, amiga? – Ouço mamãe perguntando antes de entrar na cozinha e me deparar com minha tia Chloe e Mia plantadas no meio da cozinha enquanto mamãe termina de embalar o meu almoço. _ Bom dia. – Cumprimento a todos de modo geral. – Visita a essa hora, tia? – Pergunto passando pelas duas para pegar o leite do meu cereal no armário. _ Desde quando preciso marcar hora para vir na casa da minha melhor amiga? – Pergunta brincalhona beijando minha bochecha quando paro ao seu lado. – Vim saber sobre as novidades da sua irmãzinha e também avisar que hoje vou levar vocês porque a Mia tem o teste para a equipe e não quero que ela se esforce muito antes. _ Já disse que isso é bobagem, Chloe. – Mia argumenta em seu habitual desejo de não incomodar. – Não quero que se atrase no trabalho para me levar quando posso muito bem ir andando. _ Sei que pode ir andando, mas eu quero fazer isso. _ Já sei. – Digo deixando a tigela vazia sonhe a bancada. – Mamãe me empresta o carro para irmos à escola, vai com a tia para o trabalho e tudo resolvido. – Mamãe abre a boca para se opor, mas não deixo. – Juro que vou dirigir com cuidado e respeitar a lei. _ Sabe que não gosto que dirija sozinho. – Ela diz com o ar preocupado de sempre. _ Mas não vou estar sozinho. A Mia vai estar comigo e ela jura que vai cuidar de mim e me proteger, não é? – Olho para a ruiva em busca de apoio e ela afirma com a cabeça meio confusa. – Viu. Não precisa se preocupar. _ O que acha, Chloe? – Mamãe pergunta parando ao lado da amiga. _ Acho que tudo bem desde que ele não corra acima dos limites de velocidade e respeite as sinalizações. – Minha tia responde dando de ombros. _ Tudo bem. – Ela diz em um suspiro e comemoro dando um soquinho no ar. – Aqui está a chave. Os documentos do carro estão no porta-luvas caso precise. – Afirmo pegando as chaves da sua mão. – Onde está a sua carteira de motorista? _ Está comigo. – Garanto jogando a mochila sobre o ombro. – Vamos logo antes que elas mudem de ideia, Mia. – Falo a puxando pela mão e ela apenas me segue. _ Você sabe mesmo dirigir? – Mia pergunta quando estamos dentro do carro. _ Sim. – Respondo prendendo o meu cinto. – Coloca o cinto. – Peço enquanto ajusto o espelho retrovisor. – Pronta? _ Não sei. _ Ótimo. – Digo dando a partida e arrancando com o carro. No início sinto meus músculos meio tensos, mas vou relaxando à medida que venço cada pequeno quilômetro vencido e acho que o mesmo acontece com Mia. Suas mãos agora pousam em seu colo e não apertam mais o cinto de segurança. Pensei que estacionar seria a parte difícil, mas consigo fazer sem muitos problemas. _ Não acredito! – Dylan grita ao nos ver saltando do carro juntos. – Eu devo estar sonhando. O meu amigo finalmente conseguiu colocar em prática suas artes de motorista. – Fala passando o braço sobre meus ombros. _ Dá para falar baixo. – Peço quando Mia se afasta de nós apressada. _ O que deu na tia Lina para liberar o carro? – Pergunta baixo. – Você não roubou o carro da sua mãe, roubou? – Questiona parando na minha frente barrando minha passagem como um pequeno muro. _ Claro que não roubei. Que ideia. – Falo desviando dele e voltando a andar. – A mamãe me emprestou o carro por causa da Mia. _ Está afim da novata? – Pergunta um pouco mais alto do que deveria e atrai os olhares de alguns colegas que estão por perto. _ Não é isso. – Digo meio irritado. – Hoje é o teste da Mia para tentar entrar para a equipe de futebol e a tia Chloe resolveu que nos traria para a escola para que ela se poupasse para o teste, mas a Mia ficou sem graça por achar que seria um incomodo então dei a ideia da minha mãe ir junto com minha tia para o trabalho e para que eu trouxesse a Mia. Foi só. _ Certo. – Diz com os olhos cerrados. – E como está a sua nova irmãzinha? – Muda de assunto quando chegamos perto dos nossos armários e agradeço. Falar sobre Olivia é o nosso assunto preferido nos últimos dias. Ele está louco para conhece-la, mas não pode ir ao orfanato porque a diretora não costuma liberar a entrada de jovens a menos que estes façam parte de algum programa de voluntários. Os corredores começam a esvaziar quando o sinal para a primeira aula toca. Mia e Jane já estão na sala quando chegamos. Dylan senta na carteira atrás de Jane para implicar com ela como de costume e me sento na carteira atrás de Mia, que tem os olhos fixos no que o professor está escrevendo no quadro. Dylan só deixa Jane em paz quando o professor começa a explicar a matéria. As primeiras aulas passam depressa e percebo que Mia começa a ficar nervosa à medida que a hora do seu teste se aproxima. Noto que torce tanto os dedos que os coitados estão vermelhos. Quando nos sentamos no refeitório na hora do almoço ela remexe na comida, mas não come nada de fato. _ Precisa comer, Mia. – Digo quando ela suspira largando o garfo descartável de lado. _ Eric tem razão. – Jane concorda devolvendo a sua garrafinha de suco a mesa. – Precisa comer ou vai acabar desmaiando no meio do campo. – Só a simples menção dela caída desacordada no gramado me dá um frio na espinha. _ Acontece que a comida não desce. – Diz afastando a salada. _ Pois trate de fazer essa comida descer ou falo com a treinadora e não faz teste coisa nenhuma. – Falo trazendo o pote para perto novamente. _ Acho que ela quer que a gente faça aviãozinho, Eric. – Dylan fala pegando o garfo e pesca um pedaço de alface e de tomate. – Vamos. O Força Aérea Um está pedindo autorização para pulsar no aeroporto Amélia Price. – Diz fingindo a voz de um comandante no rádio. _ Não precisa disso. – Fala tomando o garfo da sua mão. – Vou comer um pouco e tomar um pouco do suco. – Diz irritada. _ Melhor assim. – Respondo em tom brincalhão e recebo uma careta em resposta que me faz rir a irritando ainda mais. Tenho treino na mesma hora do teste, mas digo ao treinador que não estou me sentindo muito bem para treinar e ele me libera sem qualquer oposição. Em outras circunstâncias ficaria assistindo a todo o treino da arquibancada na lateral da piscina, mas quero apoiar Mia em seu teste mesmo que ela não tenha pedido. As meninas estão no aquecimento quando chego. Mia está usando o colete laranja do time reserva enquanto Jane usa o colete azul da equipe principal. Depois dos exercícios de aquecimento é finalmente hora de colocar a bola para rolar. Não entendo muito de futebol, mas não preciso ser um gênio no assunto para saber que Mia é muito boa quando ela rouba a bola no meio do campo, passa pelas meninas que a estão marcando sem perder a bola e consegue fazer um gol no cantinho de cima da barra. _ Isso! – Vibro empolgado e recebo um olhar ameaçador da treinadora e um olhar confuso de Mia. Ao som do apito da treinadora a bola volta para o centro do campo e o jogo recomeça. O time titular empata o jogo com um gol feito com a ajuda de Jane cerca de cinco minutos depois. A treinadora para o jogo por um tempo para as garotas beberem um pouco de água e quando elas voltam a jogar ambos os times estão alterados. Mia e mais duas meninas que estavam com o colete dos reservas agora estão com os titulares. Mia fica em uma posição mais a frente junto com Jane e só um cego não consegue enxergar a sincronia que essas duas tem em campo. Elas simplesmente dão um show com a bola no pé e juntas conseguem marcar dois belos gols. Tem mais alguns minutos de bola rolando antes da treinadora chamar todas para a lateral do gramado. Acredito que seja para dizer qual foi o resultado do teste. _ Sabia que estaria aqui quando passei pelo ginásio e não te encontrei. – Dylan fala surgindo ao meu lado do nada. – Ela entrou no time? _ Não sei. – Digo buscando por Mia e Jane no meio do grupo de garotas amontoadas. – A treinadora acabou de chama-las para uma conversa. _ Acha que ela vai conseguir? _ Sim. – Falo erguendo levemente os ombros. – Ela jogou muito bem. Nem parece que acabou de se recuperar de uma lesão. Sem contar que ela e Jane formaram uma ótima dupla. – O grupo começa a dispersar e vejo as duas paradas ainda na lateral do campo de costas para nós. – Será que foi um não? – Pergunto olhando para o meu amigo que está tão confuso quanto eu. _ Vamos até lá descobrir. – Fala começando a descer da arquibancada e o sigo. Ouço o que parecem ser soluços quando nos aproximamos e troco um olhar preocupado com Dylan. – O que houve, meninas? – Ele pergunta as fazendo notar nossa chegada. _ Por que ela está chorando? – Pergunto diretamente para Jane porque sei que Mia não está em condições de responder e não responderia mesmo que estivesse em condições. _ Não sei. – Jane diz dando de ombros. – A treinadora disse que ela havia conseguido passar no teste e quando pessoal foi embora ela começou a chorar do nada. – Acaricia o braço da amiga que tem o olhar perdido. _ Mia. – Paro na sua frente e toco o seu outro braço para conseguir a sua atenção, mas não tenho muito sucesso. – Está tudo bem. – Vejo como seus olhos parecem brigar com uma espécie de lembrança que a machuca e só quero a trazer de volta. – Você conseguiu. – Minha mão desce até a sua e a aperto. – Conseguiu. – Repito quando ganho finalmente o seu olhar. _ Eu... consegui. – Diz de forma lenta. _ Sim. – Afirmo com um meio sorriso. _ E esse feito merece uma comemoração. – Dylan diz passando o braço por sobre os ombros dela. – Vamos tomar um milkshake no shopping. – Sugere tentando afastar o climão. – E você continua de mãos dadas com o Eric. – Fala e ela logo puxa a sua mão. _ Você estava indo tão bem, Dylan. – Falo dando um leve tapa em seu ombro. – Mas foi uma ótima ideia a de irmos tomar milkshake no shopping. Assim você também conhece um pouco mais da cidade. _ Não sei se é realmente uma boa ideia. – Ela fala receosa e sem graça pelo que acabou de acontecer. _ Claro que é. – Jane diz enlaçando seu braço ao dela. – Garotos, esperem no estacionamento que nós vamos tomar um banho e já encontramos com vocês. – Fala antes de se afastar praticamente arrastando Mia. Enquanto me afasto com Dylan em direção ao estacionamento penso que esse o primeiro passo para mostrar a Mia bons momentos existem. Mesmo para alguém tão ferido quanto ela.
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