Mia XXI

2793 Words
Ainda não acredito que aceitei passar toda a tarde com Eric e muito menos que tive coragem de pedir permissão a Logan para fazer isso. Pensei em desistir uma quinze vezes desde a hora que acordei até o momento de me vestir, mas a curiosidade de saber quais são seus planos e a vontade de ficar perto dele são maiores. Quando o vi se aproximando da varanda usando jeans, camiseta e com os cabelos escuros balançando junto com o vento enquanto caminhava senti aquele friozinho no estômago que vem acontecendo com frequência quando nos encontramos e o coração também dispara como se estivesse em um treino intenso. _ Tudo bem? – Pergunta quando estamos de frente um para o outro. Assinto enfiando as mãos nos bolsos da calça para esconder o nervosismo. – Preparada para a melhor tarde da sua vida? _ Acho que sim. – Digo erguendo um pouco os ombros. – Para onde a gente vai? _ Para muitos lugares. – Responde de modo enigmático enquanto faz um sinal para que o siga. – Vou te apresentar o melhor de Chicago. – Diz abrindo a porta do carona do carro de Lina. – Por aqui, senhorita. – Fala brincalhão. Reviro os olhos antes de entrar. Prendo o cinto enquanto o assisto correr para dar a volta no veículo. Ele senta atrás do volante com um largo sorriso prende seu cinto e dá a partida nos colocando em movimento. Conforme vamos ganhando distância vou ficando mais ansiosa pensando no que será que ele planejou para a nossa tarde. Se tem algo haver com aquela lista da felicidade da Mia. Começo a torcer os dedos sobre o colo enquanto observo a paisagem que já conheço se transformar em algo distinto. Uma música suave toca ao fundo apenas para preencher o silêncio. Levamos cerca de 10min estamos parando próximo a uma área arborizada e com bastante movimento de pessoas de estilos variados. Alguns estão em família com crianças apontando para vários lugares ao mesmo tempo. Já outros são casais passeando de mãos dadas com sorrisos bobos estampados nos lábios. E tem também os grupos de amigos que brincam e são bastante barulhentos. _ Onde estamos? – Pergunto quando ele desliga o carro fazendo cessar a música. _ Estamos no Millennium Park. – Conta apontando a linda vista do lado de fora. – É bastante famoso aqui em Chicago e a rota para bastantes turistas em qualquer época do ano. _ E o que viemos fazer aqui? _ Surpresa. – Diz com um sorriso de lado que faz aparecer uma pequena covinha do lado esquerdo, que nunca havia reparado antes. _ Não gosto muito de surpresas. Elas nunca representam uma coisa boa. Ao menos para mim. – Digo fugindo do seu olhar. Não quero que ele tenha acesso a mais das minhas piores lembranças. _ Então já está mais que na hora de te provar que existem boas surpresas. – Afirma usando o indicador e polegar para me fazer voltar a encará-lo. – Não precisa ter medo. Garanto que essa surpresa te fazer feliz. – Diz colocando uma mecha do meu cabelo atrás da orelha. – Mas se não estiver confortável podemos, sei lá, voltar para casa e fazer qualquer outra coisa. _ Quero saber o que planejou para esse domingo. – Falo com firmeza. Não quero que ele me ache uma medrosa e covarde. _ Tem certeza? – Busca confirmação e gosto disso. Gosto da certeza de que se disse que não ele aceitaria e voltaríamos para casa. _ Sim. – Digo com um meio sorriso, que o faz sorrir também. Saltamos do carro e a primeira coisa que me atinge é o cheiro da grama, que tanto gosto. Enquanto espero que Eric pegue o que precisa no porta-malas observo a paisagem a minha volta. O lugar tem bastante árvores, mas grande parte delas já estão sem folhas por causa do outono, mas ainda assim o lugar não perde a sua beleza e me deixa curiosa para saber como é o parque na primavera. _ Apreciando a vista? – Ele pergunta ao se aproximar de onde estou com uma mochila nas costas e segurando duas bicicletas. _ Por que pegou isso? – Pergunto um tanto confusa. _ Porque vamos usá-las para conhecer melhor o parque. _ Mas eu não sei andar de bicicleta. – Falo mais baixo sentindo o rosto queimar de vergonha. _ Não sabe ainda. – Pontua. – Essa é a bicicleta da minha mãe. É mais leve e achei que seria melhor para você. – Diz me emburrando a bicicleta branca com um cestinho na frente e não tenho outra alternativa senão segurá-la. – Vamos. Temos eu aproveitar o bom tempo. Vi que depois de hoje o frio vai chegar com tudo. O sigo ainda um tanto perdida. Vamos empurrando as bicicletas até encontrarmos um lugar com pouco movimento de visitantes para evitar qualquer possível acidente que pode eventualmente acontecer. Então ele deixa a sua mochila e bicicleta em um lugar onde podemos ver e então começa a me explicar como funciona toda a mecânica da bicicleta. _ Entendeu tudo? – Questiona e afirmo. – Então é a hora de subir e começar a tentar. – Meu olhar alterna dele para a bicicleta um tanto receosa. – Não precisa ter medo. Vou estar ao seu lado o tempo todo. – Garante e acredito no que diz. Subo a bicicleta com ele me apoiando e me ajudando a me manter longe do chão. Começo a pedalar de forma lenta enquanto tento encontrar meu ponto de equilíbrio. Ele vai dizendo palavras de incentivo à medida que vou melhorando em minha performance e vai me deixando mais confiante. Mas chega um momento que não o ouço mais tão perto. Pelo canto do olho o busco e percebo que ele não está mais ao meu lado e que estou andando de bicicleta por conta própria. De início sinto a euforia de estar conseguindo, mas logo me apavoro quando uma garotinha vem em minha direção com a sua bicicleta cor de rosa e na tentativa de desviar dela perco o equilíbrio e caio de encontro com o chão. _ Mia! – Ouço Eric gritar antes de se materializar ao meu lado. – Você está bem? – Pergunta tirando a bicicleta de cima de mim para que eu consiga sentar melhor. _ Estou bem. _ Seu cotovelo está sangrando. – Aponta e só então noto o pequeno fio de sangue que escorre por meu braço. _ Tudo bem, moça? – Um homem pergunta em um sotaque carregado ao se aproximar de nós dois e junto com ele vem a garotinha, em quem quase bati, e uma linda mulher n***a com cabelos volumosos e cacheados. Apenas assinto em resposta com vergonha no papelão que acabei de pagar. _ Você fez dodói no braço. – A garotinha aponta para o meu braço fazendo uma cara de horror que mais parece que tive uma fratura exposta e não um simples corte. _ Está tudo bem. – Garanto com um meio sorriso. – Nem está doendo. _ Ainda assim precisa cuidar disso. – A mulher diz remexendo em sua enorme bolsa. – Acho que isso vai servir. – Fala pegando uma bolsinha ainda menor que imagino ser seu kit de primeiros socorros. – Vamos limpar e fazer um curativo. – Ela se agacha ao meu lado e começa a limpar meu machucado sem nem mesmo pedir licença e apenas observo enquanto sopra após colocar remédio e então coloca um band-aid de Hello Kitty. – Prontinho. – Sorri satisfeita com o resultado. _ Obrigada. – Agradeço ainda meio sem graça. _ Não foi nada. Vi que se machucou porque desviou da nossa filha e prestar os primeiros socorros era o mínimo que poderia fazer. – Diz voltando para o lado do marido. _ Vocês também são turistas? – O homem pergunta quando me ergo com a ajuda de Eric, que prontamente recolhe a bicicleta. _ Não. – Ele responde simpático. – Moramos aqui. Estamos apenas passeando e aproveitando o final de semana. E vocês são de qual parte do mundo? _ Somos de Fortaleza, Brasil. – A esposa responde. – Estamos aproveitando as férias escolares dessa pequena para curtir um tempinho em família. _ Então não vamos mais atrapalhar o passeio de vocês. – Eric diz passando a mão pela minha cintura fazendo aquelas borboletas em meu estômago acordarem e meu coração bater fora do ritmo. – Espero que aproveitem a cidade. _ E nós que aproveitem o passeio. – O marido diz antes de seguirem seu caminho com a garotinha me acenando antes de voltar a pedalar a sua bicicleta. _ Eles parecem legais. – Eric comenta e concordo com um movimento de cabeça. – Ainda quer andar de bicicleta ou prefere apenas uma caminhada? _ Agora que finalmente aprendi acha mesmo que prefiro caminhar. – Digo em tom brincalhão o fazendo sorrir. _ Então já podemos pedalar juntos? – Questiona risonho e assinto confiante. _ Mas não vamos muito rápidos. – Pontuo pegando a bicicleta com ele e só então noto que a sua está caída um pouco mais atrás. _ Não se preocupe. Digamos e que eu e o excesso de esforço físico não somos muito amigos. – Brinca lembrando da asma e acabo ficando preocupada. Não quero que ele tenha um m*l-estar só por querer me agradar. – Relaxa, Mia. Estou preparado. – Diz balançando o inalador. – E não vamos muito longe. Assim não corremos o risco de perder o nosso carro. – Assinto ainda preocupada. – Quer ajuda para começar ou já consegue sozinha? _ Já consigo sozinha. Com coragem e deixando o incidente, que aconteceu a pouco, de lado torno a subir na bicicleta e como uma criança dou as primeiras pedaladas um tanto desengonçadas antes de encontrar o ponto de equilíbrio ideal. Eric vem ao meu lado com um largo sorriso que não deixa seus lábios. Aos poucos vou ganhando confiança para desviar um pouco meus olhos para ele em alguns momentos em que comenta qualquer curiosidade sobre o parque. Fazemos uma pequena pausa para descansar antes de voltarmos para o ponto de onde viemos. E quando pensei que voltaríamos para casa Eric tira da sua mochila uma toalha, que forra na grama, e depois tira duas vasilhas e duas garrafas de suco de morango. Sorrio ao perceber que ele lembrou que gosto. Sento ao seu lado e dividimos o lanche enquanto falamos sobre o jogo de ontem. É engraçado ver a sua empolgação ao comentar dos momentos que vivi em campo. Quando o assunto jogo termina nós engatamos uma conversa sobre nossos irmãos e depois passamos para a sua atuação na equipe de natação. Não consigo deixar de notar a tristeza em seus olhos ao falar que nunca competiu de fato e que acha ser por causa da asma. _ É muito r**m? – Pergunto cruzando as pernas em posição de meditação enquanto ele deita de lado apoiando o peso do corpo no cotovelo. _ Já foi muito r**m. Quando eu era criança era desatento. Saia e não levava o inalador e precisava ser levado as pressas para o hospital porque exagerava na brincadeira. Ou quando não me agasalhava direito em um dia frio. Ou brincava com o gato de algum colega. _ Nossa! Que barra. _ Tudo bem. Hoje é até mais leve. São raras as vezes que preciso ser medicado no hospital. Geralmente usar o inalador resolve tudo. _ Mas porque ficou mais leve? _ Os médicos dizem que é porque estou mais crescido e que os exercícios que prático ajudam muito. – Responde dando de ombros. – Já meus pais acham que é porque agora sou mais cuidadoso. Sempre tenho um inalador reserva na mochila para o caso de emergências e sei que até mesmo Dylan carrega um com ele. Assim como o resto da minha família. _ Você pode morrer se não usar esse negócio? – Pergunto lembrando do estado que ele estava quando o encontrei passando m*l no meio do corredor da escola enquanto esperava por mim. _ Não vamos pensar nisso. – Pede sentando de frente para mim. – O que acha de juntarmos tudo isso e voltarmos para casa? – Sugere olhando as horas no celular. – Logo vai anoitecer e prometi a minha mãe que estaria de volta para o jantar. – Diz e só então me dou conta de que o céu começa a escurecer e nem mesmo percebi que o tempo havia passado. Assinto me apressando em o ajudar a recolher as vasilhas e garrafas para guardar na mochila. Ele se encarrega de dobrar a toalha onde estávamos sentados e a guarda com cuidado antes de jogar a mochila sobre os ombros. Empurramos as bicicletas de volta para o carro enquanto observamos as luzes de diferentes cores acenderem dando uma nova atmosfera ao parque. Comento que o movimento parece estar mais intenso agora do que quando chegamos e ele explica de devem está exibindo algum filme no pavilhão. Pegamos a estrada de volta para casa depois que ele guarda a mochila na mala e prende bem as bicicletas. Durante todo o caminho de volta vamos pontuando os melhores momentos da tarde que passamos juntos. Pela primeira me sinto leve e não tenho medo de chegar um pouco atrasada quando pegamos um pequeno engarrafamento e o que deveriam ser 10 minutos se tornam quase 40 minutos. _ Está entregue. – Brinca quando para o carro na frente da minha casa. _ Obrigada pela tarde. – Digo soltando meu cinto. – Você tinha razão. Foi muito melhor que ficar em casa estudando álgebra. _ Já que gostou podemos repetir. – Fala animado. – Quem sabe visitamos um novo lugar no próximo domingo. _ Pode ser. – Falo colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha. – Boa noite, Eric. _ Boa noite. – Ele diz antes de beijar meu rosto em um lugar bem perto dos meus lábios fazendo meu coração dar uma pequena cambalhota. – Até amanhã, pimentinha. – Fala com um sorriso de lado. _ Até amanhã. – Digo tão atordoada com a mistura de coisas que acontecem ao mesmo tempo em meu corpo que nem ligo para o apelido. Salto do carro ainda um tanto atrapalhada. Enquanto caminho até a varanda ouço o carro seguir até a casa ao lado. Quando o motor silencia novamente não resisto em olhar de relance para o lado no exato momento que ele sai do veículo. Ele me pega o olhando e me acena com um largo sorriso antes de entrar e sua casa e faço o mesmo. Me sinto flutuar enquanto caminho e a sensação me faz sorrir. Mas o sorriso morre quase que de forma imediata quando chego a sala e me deparo com o policial que esteve comigo no dia em que toda a minha vida mudou sentado no sofá ao lado de Logan. _ O que ele faz aqui? – Pergunto sentindo a alegria dar lugar a angustia. _ Calma, filha. – Logan diz vindo para junto de mim. – Imagino que deva se lembrar do detetive Cooper. – Comenta e assinto olhando o homem de relance antes de voltar minha atenção para Logan. – Ele veio até aqui conversar com você. _ Por que? _ Porque existem muitas lacunas no caso que envolve a morte da sua mãe que precisam ser preenchidas. – Diz também deixando o seu lugar no sofá para ficar ao lado de Logan. – E acredito que você é a única que pode nos ajudar. – Fala pegando um bloquinho e uma caneta do bolso interno do paletó. – Pode me falar o que sabe? E o que acha ter acontecido naquele dia? – Assinto ainda receosa. – Pode nos deixar sozinhos, senhor Price? _ Ele não pode ficar? – Pergunto com medo de ter que enfrentar o dia mais terrível da minha vida sozinha. _ Prometo não interferir. – Ele garante e o detetive concorda com um maneio de cabeça. – Vamos nos sentar e pode começar a falar quando estiver preparada. – Diz acariciando meu braço e queria tanto que me abraçasse ao invés disso, mas não digo nada. Sento em um dos sofás com ele ao meu lado enquanto o detetive senta na poltrona próxima de onde estamos de modo a ficar de frente para mim. Depois de um longo suspiro começo meu relato sobre o último dia em que minha mãe esteve comigo e respondo todas as suas perguntas sobre Bill e a sua relação com coisas erradas. Quando termino meu relato estou tremendo e chorando. Porque um dia tão lindo como o que tive hoje tinha que acabar dessa maneira? Me pergunto enquanto abraço a mim mesma em busca de algum conforto.

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