lll. Mia

2610 Words
Minha cabeça dói e meus olhos pesam quando acordo em um quarto com teto branco e paredes azuis claras. O cheiro forte dos produtos de limpeza me fazem lembrar de onde estou e traz a minha mente as imagens das piores horas da minha vida. O peso das lembranças e o quarto me sufocam. Sem que consiga conter as lágrimas inudam meu rosto e me entrego a elas sem resistir. Me abraço enquanto meu corpo estremece com os soluços. _ Amélia?! - Ergo a cabeça quando ouço uma voz masculina me chamar. Os cabelos castanhos desgrenhados e os olhos azuis a me mirarem com urgência me atingem em cheio. Não preciso de muito para reconhece-lo. Sei que ele é o meu pai. O homem que está sorrindo ao meu lado na foto que sempre carrego comigo na esperança de senti-lo por perto. O cara que foi embora depois de se divorciar da minha mãe e simplesmente esqueceu que eu existo. Não consigo evitar o pensamento de que se ele não tivesse sumido nada disso teria acontecido. Bill nunca teria entrado em nossas vidas, mamãe estarei viva aqui comigo e, com certeza, seríamos felizes agora. Um sentimento de raiva preenche meu peito quando o assisti caminhar lentamente até onde estou e parar ao lado da minha cama. _ Filha, está bem? - Pergunta erguendo a mão para tocar meu rosto, mas a abaixa quando me encolho para me desvencilhar do seu toque. - Calma, filha. - Diz apertando de leve minha mão. - Sou eu. Seu pai. _ Eu sei quem é você. - Digo me afastando do seu toque. - O que está fazendo aqui? _ Um policial conseguiu me contatar e contou o que aconteceu. - Explica um tanto deslocado. - Como se sente? _ Como acha que eu me sinto? - As lágrimas voltam a embaçar minha visão quando o pergunto. - Minha mãe está morta, o homem que a matou está a solta, estou machucada e um estranhou acabou de invadir meu quarto dizendo ser o meu pai quando, na verdade, não o vejo ou tenho notícias a mais de dez anos. - As palavras parecem amargar em minha boca enquanto as cuspo sem me importar se o estou magoando. Ele abre a boca com a intenção de falar algo, mas é interrompido pela chegada do médico e de uma moça que fica ao lado de Logan e que imagino que seja a sua nova esposa. Tem um rápido momento de apresentações entre eles antes que o médico volte sua atenção para mim. Ele me faz perguntas enquanto abre a tala para avaliar melhor minha perna. Respondo a todas suas perguntas ignorando propositalmente a presença de Logan e sua esposa. Eles também perguntam coisas relacionadas ao meu estado ao médico que contesta com simpátia e paciência. _ Já posso ir embora, doutor? - Questiono quando ele volta a prender a tala em minha perna. _ Não vejo porque a manter aqui por mais tempo. - Fala ao enfiar as mãos nos bolsos do jaleco. - Seus sinais estão bons e a recuperação da sua perna depende apenas de repouso e algumas sessões de fisioterapia. Cuidados que podem ser feitos em casa. _ Quanto tempo até ela está completamente recuperada? - Quem pergunta dessa vez é a minha madrasta. _ É um processo de recuperação um tanto lento que leva de 8 à 10 semanas. _ Vou poder voltar a jogar bola depois disso? - Questiono mesmo temendo sua resposta. O futebol foi uma das poucas coisas boas que me aconteceram na vida e não consigo me imaginar vivendo sem ele. _ Claro que vai poder voltar a jogar. - Sorri ao me tranquilizar. - Lógico que vai precisar voltar aos gramados aos poucos. - Pontua e apenas afirmo aliviada por não ter o esporte arrancado da minha vida também. - Bom. Agora vou assinar os papeis para a sua alta e pedir que uma enfermeira venha aqui tirar o seu acesso. O médico deixa o quarto sendo seguido por Logan, que me deixa sozinha com a minha madrasta. Ela me sorri simpática, mas não fala nada ou se aproxima muito. Com certeza deve estar em choque ao descobrir que seu marido perfeito tem uma filha adolescente do primeiro casamento que abandonou sem pensar duas vezes. Uma enfermeira n***a e corpulenta entra no quarto interrompendo meus pensamentos. Ela é animada. Sorri e fala o tempo todo enquanto desliga o soro do meu braço. É impossível não sorrir quando ela comenta sobre a beleza do médico que acabou de me atender e a quedinha que tem por ele desde que entrou para o hospital. _ Precisa de mais alguma coisa, querida? - Pergunta quando termina de juntar o acesso, soro e algodão em uma espécie de vasilha de alumínio. _ Você sabe onde estão as minhas roupas e minha mochila? _ Estão nesse armário. - Aponta o armário marfim de duas portas no canto do quarto. _ Obrigado. - Agradeço a ela que maneia a cabeça em um não foi nada antes de sair e me deixar novamente sozinha com a minha madrasta cujo nome ainda não sei. _ Quer ajuda para se vestir? - Pergunta falando comigo pela primeira vez desde que chegou. _ Eu consigo me virar sozinha. - Respondo esticando o braço para pegar as muletas e assim deixar a cama como fiz ontem a noite, mas acabo as derrubando. - Droga. - Praguejo irritada por não conseguir fazer algo simples. _ Eu pego. - A Mulher toma a frente recolhendo as muletas do chão. - Te ajudo a descer da cama. - Afirma sem me dar margens para negar novamente. - Apoia as mãos nos meus ombros e desce devagar. Faço o que me pede e consigo descer sem grandes problemas. Sem me pedir autorização pega minhas coisas no armário e abre minha mochila revelando as roupas que usava antes do jogo, meu uniforme e equipamentos, que não devem estar com o melhor dos cheiros levando em consideração que estão suados e não os lavei depois do jogo. Com cuidado ela tira a tala da minha perna e me ajuda a colocar a calça jeans velha, que tem um r***o no joelho. Antes de me ajudar a tirar o avental ridículo do hospital e vestir minha camiseta ela recoloca a tala sobre o tecido da peça. _ Podemos ir? - Logan pergunta quando retorna ao quarto depois de uma leve batida na porta. _ Para onde vai me levar? _ Nós vamos nos hospedar em um hotel já que a casa onde você vivia com a sua mãe ainda está internada pela polícia. - Meu peito volta a apertar quando suas palavras lembram o motivo dele estar aqui. Engulo o bolo que se forma em minha garganta enquanto me ponho a caminhar lentamente com a ajuda das muletas ignorando a cadeira de rodas que Logan me oferece quando deixamos o quarto. Mas logo me arrependo quando levo o triplo do tempo para chegarmos ao estacionamento e estou exausta quando finalmente entramos em seu SUV preto de vidros escuros. Por causa da minha perna tenho que me sentar no banco do carona ao lado de Logan, o que para mim foi uma pequena tortura. O clima dentro do carro é um tanto tenso durante todo o caminho até o hotel. Depois que Logan nos registra minha madrasta, que agora sei que se chama Chloe, me ajudo com o banho, o que é meio constrangedor, e arruma algo confortável para que eu use durante o resto do dia. Quando deito na cama macia minha perna incomoda um pouco e aproveito para tomar um dos analgésicos que Logan deixou no móvel ao lado da cama. _ Vou deixar que descanse. - Ela diz depois de ajustar melhor a temperatura do quarto. - Estamos no quarto em frente. Qualquer coisa é só gritar que eu venho te ajudar. - Assinto sem olhar para ela focando em arrumar melhor as cobertas. Apenas quando ouço o som da porta se fechando é que consigo relaxar um pouco. Sozinha me permito sentir novamente a minha dor. E em meio a mais uma crise de choro acabo adormecendo. Acordo com um leve toque em meu ombro, que por um momento me fez pensar ser minha mãe e que tudo não havia passado de um pesadelo, mas esse pensamento morre quando vejo se tratar de Chloe. _ Trouxe algo para comer. - Sua voz é doce e suave. - Precisa colocar alguma coisa no estômago antes de tomar o outro remédio. - Diz apontando para uma bandeja sobre uma espécie de carrinho. - Não sabia o que gostaria de almoçar, então pedi uma massa com frango grelhado. _ Pode ser. - Digo dando de ombros. - Só preciso usar o banheiro antes. - Sem perguntar se quero ou não ela se coloca na minha frente e me ajuda a ficar de pé e me entrega as muletas. - Acho que consigo fazer xixi sozinha. - Falo quando ela faz menção de me seguir. _ Tudo bem. Não vou negar que foi uma pequena luta para fazer minhas necessidades, mas ao final consegui. Quando retorno para o quarto Chloe está próxima a janela falando ao telefone com alguém, mas desliga assim que me nota. _ Era o seu pai querendo saber se está bem. - Conta mesmo que eu não tenha perguntado. - Ele está cuidando das burocracias para o funeral da sua mãe. - Novamente um bolo se forma em minha garganta. Minha resposta é apenas um leve balançar de cabeça e afirmação porque sei que se abrir a boca para falar qualquer coisa vou acabar chorando e não quero que a nova esposa de Logan tenha ainda mais pena de mim. Me concentro em comer enquanto a ouço tagarelar sobre sua vida em Chicago e acabo descobrindo que tenho um meio irmão de nove anos que ficou com um casal de amigos deles para que eles pudessem vir me encontrar. Pensei que ela iria embora quando eu terminasse de comer, mas ela simplesmente sentou em uma poltrona no canto e ficou mexendo no celular enquanto eu assistia a uma reprise do filme De Volta Para O Futuro, mas não consigo terminar porque acabo dormindo no meio. Quando volto a acordar Chloe está conversando com Logan sobre voltar amanhã a tarde para Chicago. _ Vai embora amanhã? - Pergunto ao sentar na cama apoiando o peso nos braços. _ Nós todos vamos embora amanhã a tarde depois do funeral da sua mãe. - Responde deixando o seu lugar ao lado da esposa para sentar na ponta da cama a meu lado. - Se quiser, pode avisar as suas amigas ou as amigas dela pra irem também se despedir. _ Não tem mais ninguém além de mim para se despedir dela. - Falo friamente deixando meu corpo cair novamente na cama já sentindo os braços doerem pelo esforço. - E não preciso que me leve com você por pena. Consigo me virar muito bem sem a sua ajuda. Já faço isso a dez anos. - Despejo sem me importar com o efeito que essas palavras lhe causam. _ A sua ida conosco não está em discussão, Amélia. - Fala em tom duro pela primeira vez desde que chegou. - Sei que fui um pai ausente e que está com raiva de mim e não a julgo. Mas a partir de agora eu estou do seu lado e não vou mais sair. - Diz olhando nos meus olhos. Abro a boca para rebater, mas sou interrompida por uma leve batida na porta acompanhada da voz de um funcionário do hotel avisando que trouxe o nosso jantar e o assunto é encerrado. Cada um come em um canto do quarto que é banhado pelo mais puro silêncio. Quando terminamos o jantar Logan avisa que podem vir recolher a louça e assim que tudo está limpo novamente tomo um outro analgésico para a perna e finjo dormir para que o casal me deixe em paz. Deixo a cama assim que me vejo sozinha e caminho até a janela, me apoiando nos móveis, para observar o mundo lá fora. O céu está nublado e poucos carro circulam na rua a essa hora e não tem ninguém andando pelas calçadas. Não demora para gotas fina começarem a escorrer pelo vidro da janela. Fico ainda um tempo olhando a corrida das gotas no vidro da janela até que o sono volta e preciso deitar. Pela manhã o tempo ainda está chuvoso quando deixamos o hotel rumo ao cemitério da cidade. Uso uma roupa de Chloe emprestada para o velório. Como não avisei a ninguém o que tinha acontecido somos apenas nós três, o reverendo e dois coveiros a velar o corpo da minha mãe. Seguro as lágrimas enquanto o reverendo diz algumas palavras de conforto e despedida, mas não consigo me conter quando finalmente baixam o caixão e começam a jogar terra nele. É como se agora tudo tivesse se tornado real. A minha mãe morreu e não pude fazer nada para impedir. _ Vamos, querida. - Chloe fala acariciando meu braço e apenas os sigo até o carro. _ Já vamos embora? - Pergunto quando Logan nos coloca em movimento. _ Tenho que passar no seu colégio para pegar os documentos necessários para te transferir para uma escola perto de onde moramos e depois podemos ir. - Responde ele e apenas afirmo voltando a minha atenção para a janela. Não desço do carro quando ele para no estacionamento da escola e Chloe fica comigo para me fazer companhia. Alguns alunos olham curiosos o carro estranho no estacionamento, mas logo o sinal toca e a entrada fica vazia. Cerca de duas horas depois Logan volta trazendo um envelope pardo que imagino conter o meu histórico escolar. Ele o guarda no porta luvas e então finalmente pegamos a estrada que leva para fora da cidade. O que vai ser da minha vida agora, penso enquanto vejo a paisagem mudar e Buffalo Grove ficando cada vez mais distante. Levamos uma hora até que chegamos na entrada de Chicago. Não dá para negar que é um lugar bonito. Seguimos para o subúrbio da cidade onde casas que parecem ter saído de comerciais dominam as ruas. Minha perna dói por estar na mesma posição a muito tempo quando paramos na garagem de uma casa bege de dois andares com janelas brancas e a porta da frente vermelha. Logan se apressa em vir me ajudar a sair do carro enquanto Chloe vai destrancar a porta. Ele me carrega no colo quando me ouve gemer de dor e não reclamo. _ Quer tomar o remédio agora? - Ele pergunta quando me coloca com cuida em seu belíssimo sofá. Afirmo lembrando que deveria ter toma a quase uma hora atrás. - Onde estão? _ Na minha mochila. - Ele assente fazendo menção de sair quando um garotinho invade a casa e pula em seus braços. _ Chegou, papai. - Ele o abraça cheio de saudades e então me nota. Quero só vê como o Logan vai explicar a minha existência para a criança. - Oi, Mia. - Diz deixando o pai de lado para me abraçar me deixando surpresa. - Que bom que você tá aqui. _ Pelo visto alguém esqueceu da mamãe. - Chloe fala fingindo aborrecimento e arranca um sorriso do filho que me deixa para abraçar a mãe. Assisto a interação de mãe e filho e a forma como Logan olha para os dois e tenho a certeza de que não faço parte dessa linda família feliz. Sou apenas uma intrusa que está de passagem.
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