Segunda Chance

Mia XIV

_ Alguma coisa errada? – Pergunto um tanto sem graça quando Eric simplesmente fica parado no meio do hall me olhando mesmo depois do seu pai já ter ido em busca da minha madrasta.

_ Não. – Ele diz piscando e desviando o olhar. – Foi correr?

_ Sim. – Respondo secando o suor que escorre da minha testa com as costas da mão. – Gosto de correr todas as manhãs, mas acho que perdi a noção do tempo hoje. Se puder me esperar juro que não demoro no banho.

_ Relaxa, Mia. – Pede com um meio sorriso. – Vim mais cedo porque minha mãe pediu que o meu pai levasse uma muda de roupa para a minha irmã no hospital e como não sabemos nada dessas coisas viemos pedir ajuda a tia Chloe. – Comenta e só então lembro que Chloe contou que a garotinha que os Fisher queriam adotar estava no hospital.

_ Ela está bem? – Questiono porque sei que é o correto e o educado a se fazer mesmo querendo encerrar essa conversa e correr para o meu quarto.

_ Sim. E não só está bem como vem morar finalmente conosco. – Diz com os olhos radiantes.

_ Que bom. – Digo com um meio sorriso. É o máximo de empolgação que consigo demonstrar. Sei que é, realmente, algo muito bom. Mas não consigo ir além. – Melhor ir tomar meu banho antes que a gente fique atrasado de verdade.

Subo para o meu quarto. Preciso esperar que Andy deixe o banheiro para só então conseguir tomar o meu sonhado banho. Quando desço já pronta para mais um dia de aula Kevin já foi embora e todos estão tomando o café da manhã em torno da linda mesa posta por Chloe.

Se tem uma coisa que acho que nunca vou me acostumar é com toda essa fartura na mesa pela manhã. Quando vivia com mamãe e Bill geralmente comíamos o que sobrava do jantar da noite anterior para economizar o que tínhamos na dispensa já que grande parte do dinheiro que Bill conseguia em seus trabalhos era para sustentar seus vícios.

Afasto esses pensamentos e me concentro em comer em silêncio enquanto Andy e Eric falam sem parar sobre Olivia. E quando finalmente saímos para a escola eles já armaram uma pequena festinha de boas-vindas para a garota com a ajuda de Chloe que se comprometeu a cuidar da parte prática.

_ Vai acabar com cãibra nas bochechas se continuar sorrindo desse jeito. – Digo quando caminhamos alguns minutos e percebo que ele não para de sorrir.

_ É que estou tão feliz que não consigo parar. – Fala ando de ombros. – Você deve saber como é.

_ Não sei. – Falo deixando os olhos caírem para os meus pés. – Nunca estive tão feliz assim.

_ Nem quando você faz um gol e alguém na torcida grita em comemoração?

_ É diferente. – Digo dando de ombros fitando o prédio da escola que surge imponente no horizonte. – Quando faço um gol sinto uma euforia que logo passa. E nunca tive ninguém na torcida comemorando meus gols. A não ser no dia do teste.

Meus olhos recaem sobre os dele enquanto falo. Ele faz menção de dizer alguma coisa, mas é interrompido por Dylan que o agarra pelo pescoço em um abraço forte ao mesmo tempo que briga com ele pela sua imprudência que ocasionou o incidente de dois dias atrás.

Só a menção do ocorrido me faz arrepiar a espinha. O ver caído no corredor daquela maneira foi horrível. Passei aquela noite em claro com a imagem dele lutando para respirar sem consegui se repetindo na minha cabeça.

_ Jura que não vai mais dar um susto desses na gente. – Dylan pede com o semblante sério segurando em seus ombros.

_ Juro.

_ Ótimo. – Diz voltando a ser o Dylan de sempre.

Os dois seguem na frente enquanto Dylan atualiza aos amigos do que aconteceu na escola em sua ausência. O encontro com Jane foi menos agitado que o de Dylan, mas ela também lhe deu uma bronca pela falta de cuidado. Depois dele também jurar para ela que vai se cuidar melhor para aquela crise não voltar a acontecer nós seguimos direto para a sala.

A aula de história até que é legal e a de literatura nem se fala. O que não contávamos era que o professor de física iria passar um exame surpresa depois do primeiro intervalo. Por sorte reconheço algumas fórmulas e consigo responder boa parte do exame e com mais sorte ainda consigo tirar pelo menos um C e ficar na média. Mas pela reação dos meninos quando deixamos a sala depois que o sinal tocou arrisco dizer que não terão a mesma sorte.

Os garotos ainda debatem sobre o exame quando sentamos em nossa mesa de sempre na hora do almoço. Mas o assunto é logo esquecido quando Izzy, capitã da equipe de futebol, nos entregou os convites para a sua festa de aniversário em sua casa no sábado. Encaro o pequeno pedaço de papel enquanto os outros comemoram e fazem planos para o evento.

_ Essa festa vai ser um máximo. – Jane comenta animada. – Já tem ideia do que vai vestir, Mia?

_ Não. Na verdade, acho que não vou a essa festa. – Digo deixando o convite de lado.

_ Mas porque não? – Questiona com o cenho franzido.

_ É. As festas da Izzy são as melhores da escola. – Dylan comenta se debruçando sobre a mesa.

_ É que não sei se vão me deixar ir. – Falo desviando os olhos para a comida.

_ Se o problema for esse pode deixar que eu falo com tio Logan e tudo certo. – Eric diz dando de ombros enquanto rouba uma mini-cenoura do meu prato e enfia na boca.

_ Mesmo que ele deixe, não sei o que usar. – Torno a argumentar.

_ Nisso eu posso te ajudar. – Jane se prontifica. – Posso me arrumar na sua casa e te ajudo com tudo.

_ E fazem uma noite de garotas. Ótima ideia, Jane. – Eric se apressa em responder quando faço menção de recusar.

_ Sim. Vai ser ótimo. – Ela diz animada. – Assim passamos a noite toda falando m*l dos garotos.

_ Nós também vamos fazer uma noite de garotos para falar m*l de vocês. – Dylan comunica fingindo ressentimento do comentário de Jane e Eric concorda com um movimento de cabeça.

Sem escolha apenas aceito o que decidiram para mim como estou acostumada a fazer. Fico quieta durante o resto do almoço enquanto eles seguem animados. Na volta para casa percebo que Eric está ansioso para encontrar com sua irmã. Eu ainda não conheço Eric muito bem, mas não tenho dúvidas do quanto ele ama essa pequena que nem mesmo carrega o seu sangue. Ele praticamente corre para sua casa quando chegamos e acho graça em sua agitação.

Quando entro em casa encontro com Logan e Andy jogando videogame na sala. Falo com eles rapidamente antes de correr para o refúgio do meu quarto em busca de um pouco de silêncio.

Aproveito a solidão e o silêncio para fazer a lição de casa. Termino a tempo de me aprontar para a festinha de boas vidas da nova filha dos Fisher. Andy está animado para conhecer a nova amiga e já sinto um pouco de pena dos ouvidos da pequena porquê do jeito que ele está vai falar pelos cotovelos até a hora de voltar para casa.

Todos percebemos que a reunião de boas-vindas é uma péssima ideia quando a pequena Olivia se esconde atrás do novo pai assustada com a invasão de quatro desconhecidos justo em sua primeira noite na casa nova. No fundo me identifico com ela. Senti a mesma coisa quando Chloe e Logan me apresentaram os Fisher.

Leva um bom tempo até que a garotinha saia do colo do pai para brincar com Andy enquanto os mais velhos cuidam da comida e deixaram Eric e eu responsáveis pelas crianças.

_ Que bom que eles se deram bem. – Eric comenta se acomodando ao meu lado no sofá. – Estava com receio do Andy ficar com ciúmes.

_ O Andy é ótimo. – Digo observando o meu irmão estender um giz de cera rosa para a nova amiguinha. – Ele consegue fazer amizade com todo mundo.

_ Sempre foi assim. – Fala com um sorriso de lado. – Sempre foi falante e expansivo. Ao contrário de você que está sempre quieta e calada.

_ Aprendi que o silêncio muitas vezes te salva. – Falo olhando em seus olhos.

_ Ou te machuca. – Ele rebate sustentando o olhar.

_ Por que a Olivia não fala, Eric? – Andy pergunta nos fazendo quebrar o contato visual. – Ela não sabe falar?

_ Claro que ela sabe falar. – Ele diz quando a pequena se aproxima dele. – Ela só não fala porque ainda não está preparada. – Justifica acolhendo Olivia em seu colo.

Agora mais de perto consigo ver o pequeno curativo em sua mão. Também percebo um leve tom de tristeza em seus olhos. Uma tristeza que de alguma maneira me identifico e que uma criança como ela não deveria sentir.

_ O jantar está na mesa pessoal. – Kevin anuncia e passamos todos para a sala de jantar.

Por mais que a mesa de jantar dos Fisher seja grande não tem lugar para todos e os pequenos acabam ficando no colo. O clima é leve e cheio de riso. A comida está simplesmente deliciosa, mas a melhor parte foi a sobremesa. Não sabia que gostava tanto de doce até provar a torta de maçã com sorvete de creme de Lina. Saboreio cada colherada alheia a qualquer conversa a minha volta.

Chega a dar uma pena quando levo o último pedaço de torta com sorvete a boca. De forma inconsciente meus olhos recaem na travessa sobre a mesa na esperança de conseguir mais um pouco, mas a mesma está vazia.

_ Queria um pouco mais de torta? – Eric pergunta baixo ao meu lado e assinto meio envergonhada por alguém ter percebido o meu olhar triste ao descobrir que a torta havia acabado. – Peguei o último pedaço. Se quiser podemos dividir.

_ Não precisa. – Digo apressada. – Eu nem posso comer tanto doce assim. Tenho que manter uma dieta balanceada se quiser continuar jogando.

_ Também tenho que manter uma boa alimentação, mas um pouco mais de torta não vai fazer m*l a ninguém. – Fala empurrando o seu prato em minha direção. – Podemos dividir e assim nenhum sai muito da dieta.

_ É melhor aceitar. Meu filho dividindo doce não é algo que acontece com muita frequência. – Kevin fala em tom brincalhão.

_ Isso é uma verdade. – Logan diz sorrindo para o sobrinho postiço. – Acho que nunca o vi repartindo um doce antes.

_ Parem de implicar com as crianças, rapazes. – Chloe diz nos salvando. – O que acham de irem comer essa torta na sala para que os pais de vocês tirarem a mesa. – Sugere com um largo sorriso ao ouvir a reclamação dos dois.

_ Vamos. – Eric me chama indicando a sala com um aceno de cabeça enquanto Logan e Kevin protestam, mas não ouço gritos irritados ou discussões. Muito pelo contrário. Ouço riso e brincadeira em suas provocações.

As crianças também aproveitam para nos seguir. Elas sentam no chão e se distraem desenhando sobre a mesinha de centro. Eric e eu nos sentamos lado a lado no sofá de dois lugares e depois de um pouco mais de insistência de sua parte como o último pedaço de torta com ele. Quando terminamos ele deixa o prato sobre o móvel ao lado do sofá e então se junta aos pequenos para desenhas.

Pensei que ele iria apenas rabiscar no papel para distrair as crianças, mas me surpreendo quando vejo o desenho de um super-herói que ele estende a Andy. Depois se empenha em desenhar algo para Olivia. É um pouco mais complicado saber o que a vai agradar porque ela responde as perguntas feitas por Eric através de gestos. Mas no final ela ganha um lindo desenho de princesa que a faz sorrir e abraçar o irmão. Fico impressionada com o seu jeito com crianças.

_ Chega de desenho. – Andy fala deixando o lápis e papel de lado. – Podemos jogar um pouco de videogame, Eric.

_ Tudo bem para você, Ollie? – Questiona a garotinha com medo de ferir seus sentimentos. A resposta da menina é um balançar de cabeça em um sim antes de deixar o seu lugar no chão para sentar ao meu lado no sofá.

Os dois demoram um tempo discutindo o que vão jogar e acabam por escolher um jogo de corrida. Fico apenas assistindo aos dois implicando um com o outro e as vezes trapaceando para conseguir uma vantagem sobre o outro. Estava distraída quando senti alguém encostar em mim e só então me dou conta de que Olivia adormecei. Tento arrumá-la, mas não tenho nenhum jeito com crianças e acabo com ela deitada toda torta no meu colo.

_ Ela apagou. – Eric observa me fazendo erguer os olhos.

_ Mas vai acabar toda dolorida se continuar deitada desse jeito. – Observo mantendo as mãos sobre seus ombros com medo de que ela acabe caindo.

_ Tem razão. – Diz deixando o controle do videogame de lado. – Melhor a levar para a cama. – Fala vindo em meu socorro e assinto agradecida pela ajuda. – Já volto para acabarmos com a partida, amigão. – Diz a Andy antes de subir carregando a irmã no colo.

_ Joga comigo no lugar do Eric enquanto ele não vem. – Pede me estendendo o controle que a pouco Eric usava.

_ Não acho boa ideia. – Digo empurrando levemente o objeto para longe. – Eu sou péssima jogando.

_ Não tem problema. Assim é bom que eu consigo bater o recorde dele e ganhar. – Diz com um sorriso travesso animado com a ideia.

_ E isso não seria correto.

_ O quem não seria correto? – Logan pergunta ao entrar na sala junto com Chloe e os pais Fisher.

_ Nada. – Respondo rápido.

_ Onde estão os meus filhos? – Kevin pergunta olhando em torno buscando algum sinal de Eric ou Olivia.

_ Olivia dormiu e o Eric à levou para a cama, tia. – Andy conta se jogando ao meu lado no sofá.

_ A coitadinha devia estar cansada. Ela está acostumada a dormir cedo por causa do toque de recolher do orfanato. – Lina observa se recostando no marido.

_ Bem. Essa é a nossa deixa para irmos, família. – Logan diz passando o braço sobre os ombros da esposa. – Vocês precisam acordar cedo amanhã. – Se apressa em dizer quando Andy começa a protestar. – O jantar estava uma delicia como sempre, Lina. E mais uma vez, parabéns pela filha de vocês.

Eles se abraçam em despedida e no meio dessa pequena bagunça também acabo recebendo abraços apertados de Lina e Kevin. Eric retorna quando já estamos no hall de entrada.

_ Já estão indo embora? – Pergunta parando ao lado dos pais.

_ Sim. Já está tarde e esse pequeno super-herói precisa ir para cama ou teremos problemas amanhã pela manhã. – Chloe responde beijando o seu rosto.

_ Entendo. – Diz trocando um aperto de mão com Logan. – Antes de irem será que posso fazer um pedido ao senhor, tio? – Pergunta e sinto o meu sangue gelar. Já havia esquecido que ele estava decidido a pedir permissão a Logan para que eu vá para a festa de Izzy e esperava que ele também tivesse se esquecido.

_ Algum problema? – Logan questiona com um semblante sério.

_ Não é nada sério, tio. – Eric diz enfiando as mãos nos bolsos ignorando por completo o meu olhar implorando que fique calado. – É que uma amiga do colégio vai dar uma festa nesse final de semana e gostaria de saber se a Mia pode ir comigo. – Pede por fim fazendo os olhares de todos cariem sobre mim me deixando completamente envergonhada. Definitivamente detesto ser o centro das atenções.