Capítulo 17

2110 Words
- Hei! Garoto! - chamou Lissa o menino que corria apavorado. - Onde você está indo? Ele tentava responder, mas nada saia de suas cordas vocais, era como um instrumento sem som, um arco sem breu. Porém, ela soube que ele havia vindo do mesmo lugar que ela. Soube desde o princípio que ele era uma criança da lua, assim como ela um dia foi. (Trecho do livro Pequeno Guerreiro da Lua, grande valente terrestre, de Antonella Bella Valentini). ~ Mais tarde a campainha tocou, todos pareciam estar ocupados enquanto eu estava na sala de leitura que ficava próxima a entrada. Então fui atendê-la. - Boa tard… - Tomás ficou assustado por um momento e não conseguiu balbuciar nada, e de repente caiu na gargalhada. -O que foi senhor? - perguntei constrangida. Ele apontou para o meu rosto e riu mais ainda, agora apoiado sobre a porta para mantê-lo firme. Foi então que eu me lembrei, meu rosto estava imerso em cremes e pomadas. “Oh Mio!” No início não sabia como reagir, a única coisa que queria fazer era cavar um buraco bem ali e enterrar minha cabeça, mas as cenas foram voltando com força a minha mente e eu cedi à perversão. Eu ria tanto que não conseguia respirar. Cocei os olhos para limpar as lágrimas e isso acabou piorando tudo, agora minhas mãos estavam lambuzadas e meus olhos ardiam em contato com as soluções. Eu era incapaz de me controlar, podia sentir o abdômen se contrair em resposta. Enquanto Tomás precisou se sentar nos degraus da escada, pois não conseguia manter-se de pé entre as crises, o que só fazia meu estado piorar. De repente quatro crianças seguidas de Augusta entraram no ambiente e ao compreender a situação começaram o coro de risadas. E logo estávamos todos rindo sem parar, com as etiquetas e classes jogadas ao lixo. “Por que isso só acontecia comigo?”- pensava. As verdadeiras damas tinham o senso de não estarem inapropriadas em hipótese alguma, já eu parecia estar desajustada em todas as situações, era na verdade difícil de me ver fora disso. Se existisse um limite para se passar vergonha na vida, eu tinha o extrapolado e nem chegara à meia idade. Não havia mais nada que eu pudesse fazer para salvar minha reputação, principalmente em relação ao meu chefe que já tinha me visto em todas as situações mais constrangedoras possíveis. Jade me lançou um olhar reprovador ao me ver limpando a face na manga do vestido, o que me fez diminuir a diversão. Naquele momento, mesmo eu sendo mais velha que ela, me sentia como uma criança sendo pega no flagra pela mãe. Se ela resolvesse me castigar, não a culparia. Talvez assim a dignidade resolvesse encontrar minha reputação. - Perdoe-me senhorita! - disse Tomás tossindo na tentativa de domar suas crises. -Não se desculpe, eu é que não deveria aparecer assim. - disse lamentando por mim mesma -Sr. Marks não é? - perguntava Augusta por trás. Tomás assentiu. - Gostaria de entrar para um chá ou um café? - dizia ela ainda tentando recuperar sua compostura, enquanto acalmava as crianças que estavam agitadas. -Claro Dra. Augusta! Se não for do seu incômodo eu adoraria. - respondeu ele. Tomás tinha uma memória fora do comum, havia visto Augusta apenas uma vez e já gravara seu nome. Eu sempre me referia aos outros como senhor, senhora ou senhorita, pois tinha medo de trocar os nomes e na maioria das vezes eu nem me lembrava deles. Ele entrou na sala acompanhando Dra. Augusta que segurava os quatro filhos com duas mãos e os acomodava em um sofá. “Acalmem-se crianças”, balbuciava ela, tentando esconder o riso, o que enfraqueceu sua autoridade. Enquanto isso, Jade trouxera um pano úmido para que eu pudesse me limpar adequadamente. A agradeci me sentando ao lado de Augusta e de frente ao meu chefe. -Vejo que nosso passeio trouxera algumas consequências dolorosas a senhorita. - disse Tomás enquanto eu assentia. - Devo dizer que tais infortúnios elevaram seus belos traços a ponto de delirar quem a vê. -Devo dizer Sr. Marks, que o senhor não é o primeiro a perceber. - disse Augusta parecendo se divertir com meu estado. Foi servido chá e bolachas. De forma alguma poderia pensar que tal graça passasse despercebida. - ficou pensativo com a curiosidade o dominando. -E quem foi o homem de sorte? -Dr. Romeu Gatti que nos alegrou com sua visita nesta manhã. - declarou ela. Agora os dois me encaravam como se esperassem uma resposta. O estranho é que até aquele momento eu não havia sido incluída na conversa, mesmo estando presente no ambiente. -Então senhor, - disse eu tentando mudar de assunto - o que o trouxe aqui em um domingo? - direta. -Haa sim, quase me esqueci. - ele pegou algo de dentro do paletó e nos entregou. - Vim aqui para convidá-las ao casamento de minha irmã. -Na próxima semana? - perguntei observando o convite com a data -Sim! Eu alertei a ela que deveria adiantar o casamento, pois acredito que em poucas semanas ou dias, esta cidade estará quase inabitável. - disse ele parecendo satisfeito - Poderia confirmar a presença de vocês? -Claro! - respondeu Augusta olhando para seus filhos e provavelmente pensando como faria com aqueles monstrinhos. -A Srta. Jade poderia nos acompanhar senhor? - perguntei. -Sim! Por favor, sintam-se livres em convidar quem desejarem. - disse ele rapidamente. - Se não se importarem, gostaria de me oferecer para levá-las. A igreja fica em uma região mais afastada, próximo da casa de campo do noivo, onde será a festa. -Claro Senhor. Nós ficaríamos agradecidas. - disse Augusta. Um longo silêncio se alojou no ambiente até Dra. Augusta se pronunciar. -Gostaria de conhecer o jardim Sr. Tomás? Minha casa não é muito espaçosa, mas dispõe de muitos atributos. -Eu ficaria honrado. - disse ele. -Por favor, Srta. Ella acompanhe nosso convidado. Infelizmente não poderei me juntar a vocês, pois meus filhos necessitam de mim no momento. - disse ela parecendo mentir quanto à causa. Antes de irmos Augusta me alertou em usar um chapéu para não agravar minhas queimaduras, e assim fiz. Eu e Tomás atravessamos a casa, passando pela infinidade de salas entre os corredores até chegarmos ao limitado espaço verde. Mesmo que as casas do centro da cidade não dispusessem de jardins, Dra. Augusta conseguira fazer seu pequeno gramado ser decorado com as mais diversas espécies de plantas e flores, com assentos delicados que romantizavam o espaço -Nossa! - gracejou ele. -Parece até uma pintura não é? - disse eu enquanto observava as flores que se contorciam sobre as frias paredes do muro. -Uma vez vi uma pintura que retratava algo muito parecido com este jardim. - disse ele. -E onde foi? - perguntei. -Na Itália. - declarou. - Era muito comum ver campos floridos e verdejantes. - fez uma pausa. - A senhorita se lembra de quando morava lá?- perguntou ele. -Não muito. - disse indicando para que se sentasse. - Mas algumas vezes me lembro de quando passeava pelo centro da cidade e sentia o cheiro de pães recém assados, ou quando chegava em casa depois de passar a manhã brincando com meus primos, e vovó nos receber com uma deliciosa torta di mele - ao ver sua incompreensão, eu prossegui. - Um bolo italiano com fatias de maçã caramelizada por cima. - conclui enquanto fechava os olhos e salivava me lembrando do sabor invadindo meu paladar. -Então, basicamente a senhorita só se lembra da gastronomia? - disse ele rindo com os braços cruzados sobre seu peito, interrompendo meus pensamentos. -Infelizmente sim! - disse rindo. - Eu realmente não lembro de muitas coisas diferentes disso, mas tinham as festas em família que eram muito animadas e o cheiro das margaridas quando eu passeava pelos campos com meu pai, colhendo algumas flores para dar a minha mãe. - aquelas lembranças trouxeram uma harmonia acolhedora sobre o coração, o deixando quentinho como pães recém assados. -É realmente um lugar romântico e a gastronomia é espetacular, devo concordar. - declarou ele. -Por que esteve lá? - perguntei curiosa. -Bem… Eu tinha trabalhado muito ao longo dos anos e estava começando a ter minhas próprias conquistas. -Que conquistas? Se me permite perguntar, é claro. - mais curiosa ainda -Bem... Como eu sempre estava em São Paulo, minha primeira conquista foi uma propriedade por lá, já que aqui tinha a residência dos meus pais. Depois de alguns anos, comprei uma casa aqui no Rio de Janeiro, pois passava mais tempo por aqui e não queria depender dos meus pais por tanto tempo. Enfim, depois de trabalhar muito para conseguir realizar estes desejos, tirei alguns meses para explorar a Europa. - disse ele parecendo reviver as memórias. -E qual foi o lugar que mais gostou? - perguntei. -Acredito que seja Paris, pois além de ser um lugar com muitas particularidades de tirar o fôlego e a língua francesa ter uma sonoridade melodiosa fantástica... - fez uma pausa e me fitou - Existiam damas com a beleza muito destacada, devo admitir! -Tomás tinha um grande problema em destruir a seriedade de nossas conversas. Fazia isso frequentemente. Eu sei que não estava agindo como uma senhorita ultimamente, mas ele não precisava me tratar como um amigo do gênero masculino ou semelhante, pois eu continuava sendo uma mulher. -Então gostou só por que se apaixonou pelas mulheres esbeltas? “ele estava rindo mesmo?” -Está com ciúmes senhorita? “Ah, pelo amor! Aquele impertinente do meu chefe não se cansava de me constranger ou abusar de sua autoridade?” -Não senhor! Por que deveria sentir ciúmes do meu superior? -Se quiser saber, nenhuma mulher de lá me deixou deslumbrado. - comentou cruzando os braços e ainda me fitando. -Eu sei que esses assuntos não são da minha responsabilidade, mas acho que não deveria ser tão facilmente persuadido pela aparência de certas mulheres. -Eu não disse isso. - declarou ele rindo. - Só para a senhorita saber, existem certos tipos de beleza que não se restringem apenas à aparência física, são os mais raros de se encontrar.- ele intercalava os olhos sobre os meus e sua voz foi se tornando quase um susurro – O único problema é que estes também são os mais perigosos, pois a possibilidade de se afeiçoar demasiadamente à pessoa é inevitável e... irreversível. -Acha mesmo?- perguntei sem querer. -Com toda certeza, em todos esses anos só uma mulher me fez constatar isso. -O s-senhor - e engoli em seco - é realmente muito observador para conseguir distinguir tipos de belezas.- disse sem saber o que mais poderia dizer, afinal, Tomás estava me confundindo com aqueles comentários e com sua sutil inclinação em minha direção. -Acho que para certas coisas não precisa ser um bom observador para se notar- sussurrou a um palmo do meu rosto. Eu estava tão desnorteada com a proximidade que não percebi quando ele tocou meu rosto e com o dorso dos dedos massageou as maçãs do meu rosto. -Eu gostaria que a Senhorita pudesse enxergar através dos meus olhos. -A-Acho que não estou t-te compreendendo muito bem Sr. Marks – gaguejei, sem conseguir me mover. -Nesse momento acho que nem eu. Tomás me trouxe para mais perto ainda de si, com a mão sob meu pescoço massageando justamente o ponto em que o meu coração pulsava. Olhou bem dentro dos meus olhos e depois escorregou seu olhar para os meus lábios. Minha garganta se fechou no momento em que ele se direcionou a eles, mas ao invés de toma-los para si, delicadamente beijou centímetros ao lado da minha boca, demoradamente e… Céus! Ele era meu chefe. Levantei abruptamente do banco. -Acho que tenho que ir, pois minha pele voltou a arder e acho que não deve fazer muito bem me expor mais ao sol e… -Srta. Antonella – interrompeu ele, tossindo para encobrir o riso. - Espere um pouco. Fique apenas alguns minutos a mais comigo. - falou ele se colocando a minha frente. De repente algo iluminou a sua mente como se tivesse acabado de ter uma ideia. - Fique aqui, não se mova! Eu quero te mostrar algo e acho que vai gostar. - ele saiu andando rapidamente pela porta do jardim. Eu apenas assenti, já que havia desistido de me recolher, pois a curiosidade falava mais alto, voltei a me sentar no banco do jardim e passei a observar ao meu redor, tentando não pensar em nada só até a consciência e a normalidade voltar ao meu cérebro. Isso se elas não tivessem ido junto com Tomás. Ultimamente eu não era mais a mesma.
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