Luno pensou que tinha tropeçado numa pedra, mas quando abriu os olhos, percebeu que já não estava mais dentro da caverna, mas sim num lugar totalmente desconhecido. (Trecho do livro Pequeno Guerreiro da Lua, grande valente terrestre, de Antonella Bella Valentini).
∞∞∞
Na manhã seguinte, despertei com um barulho vindo da entrada do quarto. Olhei e vi alguém com trajes escuros me encarando pela fresta da porta. Nunca tive medo de fantasmas, mas naquele momento eu estava. Principalmente por saber que alguém havia falecido há pouco tempo naquela casa.
Então, abri os olhos com tanta rapidez que cheguei a ficar tonta com a claridade da janela.
- Senhorita? - dizia a assombração entrando no quarto.
"Quem havia dado permissão para entrar?"
- Quem é você? - Perguntei como um tiro.
Então a visão voltou ao normal.
- Não se lembra de mim? - questionou fingindo estar ofendido.
- Ha… Desculpe senhor, com o susto fiquei tonta. Não percebi que era o senhor - fiz uma pausa. - O homem do trem - completei rapidamente.
- Sim, o homem do trem! Como preferir chamar. - ele estava sendo sarcástico, mas pude notar uma leve pontada de decepção.
- Desculpe senhor! Meu orgulho me impediu de tratá-lo adequadamente. Sinto muito pelos meus modos. - fiz uma pausa. - Como se chama?
- Não se preocupe senhorita! Eu é que peço desculpas pelo meu tratamento indelicado. Meu nome é Tomás Marks. - respondeu colocando o chapéu por baixo dos braços.
- Muito prazer Sr. Marks! O meu nome é Antonella Bella Valentini. - e estiquei minha mão para que ele pudesse aperta-la em cumprimento.
- Encantado! - ele segurou minha palma e ao invés de apertá-la, a virou e depositou um beijo.
Meu coração parecia pular pela minha boca que a propósito estava seca.
- Vim vê-la, pois precisava saber se a senhorita estava bem. Sinto muito por tê-la acordado e invadido seu quarto. - fez uma breve pausa - Sei que não é prudente que um cavalheiro entre nos aposentos de uma dama. Então saiba que eu agi inconscientemente. - declarou.
- Não se preocupe senhor. Só terei que me desculpar com Sra. Augusta, pois é a casa dela. - lançando lhe um sorriso encantado.
- Claro! Sinto muito! - disse ele com o semblante envergonhado - Se a tranquiliza, ela parecia já esperar minha visita. - comentou.
- O senhor a viu? - perguntei, imaginando qual deveria ser a imagem horrível que ela teria de mim naquele momento.
Mal chegara a sua casa e tivera a visita de dois homens. Se ela me expulsasse em algumas horas não a julgaria, pois a impressão que eu deixara não era das bem requisitadas.
- Sim, foi ela quem me recebeu. - disse satisfeito, enquanto eu ainda estava preocupada com o sermão que eu ouviria. - Agora eu preciso ir-disse ele devolvendo seu relógio ao bolso por debaixo do paletó- tenho uma reunião importante agora de manhã, mas se a senhorita quiser podemos conversar outra hora - completou, me fitando com suas obsidianas em expectativa.
- Claro Sr. Marks! Antes de ir quero agradecer-lhe por salvar a minha vida. Se não fosse pelo senhor eu não estaria tão bem agora. - dei de ombros.
- Não se preocupe senhorita! Fiz apenas minha obrigação. - se levantou e prosseguiu. - Tenha um belo dia Srta. Bella.
Ele saiu sem parar de me fitar e pondo um final na nossa conversa com duas covinhas presas pelo seu sorriso atrevido.
Quando ele fechou a porta fiquei alguns minutos encarando a parede sem entender o que ocorrera ali. Mas assim que me recompus da perplexidade, conferi as horas marcadas no meu pequeno relógio sob a mesa lateral e nele marcava oito horas.
"Oh Mio!"- gritei.
Eu estava atrasada justamente no primeiro dia de trabalho. Quando eu havia começado a ser tão irresponsável em tão pouco tempo? Se eu não saísse daquele quarto em menos de vinte minutos já poderia ser considerada desempregada no primeiro dia.
Então, peguei um vestido rosado: muito feminino, não!
Amarelo: muito alegre, não!
Azul: muito tradicional, não!
Por fim, depois de desorganizar toda a minha mala e espalhar os vestidos sob o chão do quarto, escolhi o bege. O nada extravagante e totalmente imperceptível bege, que pelo menos era bem fresco.
Organizei os fios em um coque desalinhado como o de sempre e escovei os dentes com um pouco de água com menta para afastar o mau hálito.
Assim que terminei sai em disparate na direção à porta de entrada. Quando desci as escadas que davam para a saída de casa, Dra. Augusta me fez parar com um semblante nada agradável.
“Enfim chegou a hora do sermão ou de um adeus e talvez até um: Nunca mais ouse pisar aqui!" - pensava.
Talvez estivesse sendo muito dramática, mas de qualquer forma, eu ouviria p************s ali, isso era evidente.
- Senhorita Antonella, Bom dia! - disse ela atormentada. - Um homem agora a pouco quis vê-la dizendo que era um conhecido seu e o Dr. Gatti havia me informado sobre a possível visita dele, então deixei que ele fosse incomodá-la em seus aposentos. - ela torturava os dedos entre as mãos de tanto retorcê-los. - Quero que saiba, de qualquer forma, que eu estava próxima do seu quarto caso a senhorita tivesse "problemas". - e então ela me encarou. - Me perdoe se agi errado, mas...
“esta mulher não deve ser real”
- Não senhora! - interrompi-a ainda abismada. - Ele é um conhecido. Muito obrigada por tê-lo deixado entrar, e quero que me perdoe por em tão pouco tempo já estar abusando de sua hospitalidade. - declarei ainda pasma com a gentileza da mulher.
- Fique tranquila. Eu não me incomodo em receber suas visitas, pois elas são minhas também. - fez uma pausa com um sorriso amável e voltou sua atenção a moça do outro lado da sala. - Senhorita, gostaria que conhecesse a Srta. Jade, sua dama de companhia. - apresentou.
A moça era deslumbrante, mesmo com trajes de trabalho. Ela tinha a pele escura e olhos verdes que se acentuavam com os generosos cachos que emolduravam seu rosto. Achei muito estranho por ela ser tão nova para uma dama de companhia, mas não disse nada. Não cabia a mim julgar ninguém.
- Muitíssimo prazer em conhecê-la Srta. Jade. - cumprimentei.
Ela retribui o gesto com uma breve reverência.
- Agora realmente temos que ir, pois infelizmente estou "muito" atrasada. - disse já com o corpo direcionado à porta.
- Separei um pouco de bolo para você. Pode comer no caminho - disse Augusta.
“Realmente esta mulher não é real, talvez seja fruto da minha imaginação” refleti.
- Oh mio! Não tenho como agradecer, senhora! - disse já pegando o recipiente e puxando Jade para fora. - tenha um belo e estonteante dia, Dra. Augusta!
Nem cheguei a ouvir Augusta me responder. Eu e Srta. Jade saímos correndo, o que foi uma péssima ideia atrelada ao fato de que o calor daquela cidade ser excessivo.
Nem chegamos a trocar duas palavras no caminho, somente a agradeci por sua companhia e solicitei que, se não fosse incomodar, ela entregasse minha carta para Ana e minha família aos correios.
Quando chegamos, ela pôs-se a sair dizendo que voltaria às cinco da tarde. Segundo as correspondências de Ernesto eu deveria comparecer ao trabalho de segunda a sábado das oito e meia da manhã até às cinco da tarde. O que era muito bom, pois a maioria das pessoas m*l saía do serviço, pareciam até que moravam em seus ambientes de trabalho.
Olhei maravilhada para o alto e grande prédio que ficava numa rua consideravelmente movimentada. Era composto por colunas e arcos, muito bem arquitetado. No alto, uma bela placa sob o identificava: Jornal editorial - Notícias e Cia.
Entrei e perguntei à recepcionista onde poderia encontrar o Sr. Ernesto. Ela me acompanhou pelo ambiente barulhento e movimentado até a sala de Ernesto que ficava nos fundos.
O cheiro concentrado de tinta e álcool contaminava os corredores, tinha o típico aroma de jornal recém-feito.
- Senhor Ernesto? Essa é a Srta. Valentini. - dizia a moça, fazendo Ernesto, um senhor de meia idade e cabelos loiros intercalados com fios prateados, se levantar de sua cadeira.
- Oh senhorita! Muito prazer em conhecê-la! - dizia ele enquanto eu continuava petrificada na porta.
- O praz-zer é t-todo meu senhor. - gaguejava.
"Céus! Eu era patética"
- A senhorita chegou no momento certo. Quero que conheça o seu superior, esse é Tomás Marks, jornalista e também meu filho. - e o indivíduo saiu da parede próxima a porta e entrou no meu campo de visão, espantado.
"SEN-HOR!" - clamei.
Eu estava perdida.
Não era possível que em uma cidade gigante, justo aquele homem fosse o escolhido para ser meu chefe.
- Já se conhecem? - perguntou Ernesto ao perceber meu horror.
"Não, por favor! Diga que não me conhece"- pensei.
Sinalizei balançando a cabeça em negação para que Tomás negasse.
- Sim senhor.-respondeu o indivíduo.
“eu estava perdida, literalmente.”
- Tive o privilégio de conhecê-la durante a exaustiva viagem. - dizia ele com um sorriso completo e ousado em seu rosto.
- Ótimo! Então deixarei que fiquem a sós, pois tenho alguns compromissos. - declarou contornando a mesa. - Sinto muito, senhorita! Gostaria de dar-lhe mais atenção, mas infelizmente não poderei. Tenham um bom dia senhores. - terminou saindo da sala abafada.
Tudo que eu consegui fazer foi assentir, não saía uma sílaba sequer da minha boca.
- Acredite senhorita, eu estou tão surpreso quanto você- dizia o homem alto com o cabelo preto perfeitamente escovado para trás e com seus olhos de diamante n***o me encarando com aquelas vírgulas de diversão fincadas à bochecha.
- Eu duvido! - fiz uma pausa me recompondo. – Senhor, peço todos os perdões possíveis! O tratei m*l a viagem toda e fui deselegante…
- Não se incomode senhorita! - disse ele interrompendo minha depravação. - Quando meu pai avisou que havia contratado uma escritora para auxiliar-me não imaginei que estaria vindo de outro Estado. - parou e prosseguiu. - Bem, isso explica o porquê ficou tão curiosa com minhas anotações.
Como ele poderia achar graça daquela situação constrangedora? O pior é que eu nem poderia responder grosseiramente, pois ele era meu chefe. MEU CHEFE! Realmente eu estava perdida.
- Venha, vou mostrar-lhe o escritório.
Ele me levou a todas as salas, de reunião, de documentos e até na cozinha dos funcionários.
Tomás também me apresentou a várias pessoas, inclusive ao sócio de seu pai, Sr. Roberto Alves e a um jornalista que se chamava Nikolai. Era a única parte do nome dele que eu havia gravado, pois este jornalista me lançava olhares pouco educados.
No ambiente havia pouquíssimas mulheres, tão poucas que se podia contar com uma mão. A maioria delas servia café, arrumava as mesas e fazia cópias. Mesmo que não estivessem no mesmo setor que eu, de alguma forma, me fez sentir protegida.
Passei o restante do tempo apenas analisando alguns textos das colunas de música e arte, que seriam publicadas no sábado e Tomás passava algumas vezes na minha mesa para me dar algumas instruções.
Ele estava sendo muito gentil e de alguma forma toda vez que ele me olhava um arrepio contornava minha nuca, de maneira que eu não permanecia o encarando por muito tempo. Era realmente muito desconcertante ficar observando o reluzir daquelas íris negras.
Quando o dia terminou, me deitei sob a cama organizada e pela primeira vez na vida me senti realmente útil e independente.
Por mais que analisar textos fosse uma tarefa muito entediante, o trabalho fez com que eu me sentisse necessária em algo importante. Então, soube que tinha feito a escolha certa.
Fechei os olhos e sonhei com iris negras e sorrisos sarcásticos.