Luno finalmente conseguiu achar uma forma de se comunicar com a garota. E quando ela descobriu que seu nome era Luno, parecia ter visto um fantasma. Será que eles já se conheciam e ele não estava lembrado? Ou se ela já ouvira falar dele?
Tudo o que ele sabia era que ela não parecia ser desconhecida para ele. Quem sabe ela poderia até o ajudá-lo a encontrar a princesa, a não ser que fosse... Ela?
(Trecho do livro Pequeno Guerreiro da Lua, grande valente terrestre, de Antonella Bella Valentini).
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- Onde está indo? - perguntou tentando acompanhar meus passos.
Estava tão irritada comigo mesma que não conseguia nem pensar. Como eu havia deixado chegar àquela situação, mais uma atitude de rebeldia não iria fazer diferença na minha lista de vergonhas que passara na vida. Na realidade isso passaria até despercebido, pois se alguém realmente tomasse por objetivo ler esta lista provavelmente morreria de vergonha antes de chegar à quarta linha.
- Para longe do senhor! - respondi tentando sair dali o mais rápido possível. Não queria arrumar mais confusão. E toda vez que eu ficava perto de Tomás parecia estar propensa a isso. “Mas para onde eu iria naquela tempestade?”
- Vamos Bella! Ouça-me, por favor! - suplicou tentando me cobrir da chuva acompanhando meus passos.
- Não! Não há nada a ser explicado. O senhor não precisa me dar satisfações.
- Pelo menos me deixe levá-la para o local coberto. A senhorita vai pegar um resfriado.
Naquele momento eu queria tanto odiá-lo só para parar de admirá-lo, como era capaz de ser tão educado mesmo depois do que eu falara. Nem Romeu teria sido tão compreensivo, muito menos Luigi. Na realidade o forte do meu irmão nunca foi o cavalheirismo, talvez fosse por isso que Ana não o levava a sério como pretendente.
- Não vou não! - iria sim. A quem eu queria enganar? Era só pegar um ventinho frio que minha garganta já denunciava.
- Tudo bem, então! - disse ele me pegando delicadamente e colocando por sobre seus ombros como se eu fosse um saco de batatas.
- Pare com isso! - exclamei.
- Não. - declarou, satisfeito.
Depois de acrescentar mais uma vergonha a lista, desisti de lutar para sair dos seus ombros e me livrar de seu toque, fiquei ali de cabeça para baixo sobre os ombros do impertinente. Aquela posição era tão desconfortável quanto ficar debaixo da chuva. Mas para minha sorte ele andou rápido e chegamos ao lugar em segundos.
Ele me colocou no chão e ficou em silêncio apenas me fitando, enquanto eu focava em qualquer coisa que não fossem aqueles perigosos olhos negros.
Eu não estava irritada com Tomás, pois se alguém deveria ser culpado ali deveria ser eu, que havia aceitado sair com o chefe à noite e ainda por cima, tinha dançado com ele.
O engraçado era que eu já havia dançado com outro homens antes, mas nunca chegara àquele ponto, até porque se Luigi tivesse presenciado a cena do beijo provavelmente meu noivado já estaria marcado.
Um noivado com o próprio chefe! Nem as mulheres mais manipuladoras conseguiriam sequer imaginar algo mais meticuloso do que aquilo. Eu me sentia a pior espécie de mulher, era como se estivesse o agradando só para ser privilegiada, como se estivesse o fazendo se afeiçoar por mim para sucumbir aos meus desejos.
Depois de um tempo ainda em silêncio me cansei de andar de um lado para o outro e me sentei nos degraus que encaravam o mar, Tomás fez o mesmo sentando ao meu lado.
- Não fique irritada senhorita! Eu prometo que não fiz nada para tentar seduzi-la. - declarou e fez uma pausa. - Não sei o que Carlota te disse, mas não saio com ninguém do escritório. Eu apenas me relacionei com alguém de lá uma vez.
- O senhor não precisa se explicar. - disse o interrompendo.
Qual era o problema?
Ele não percebia que eu estava decepcionada comigo mesma?
E por que ele não deixava de ser gentil para me odiar de uma vez por todas? Seria muito mais fácil de me manter longe, muito mais fácil do que perder o ar toda vez que encarava aqueles… Oras se queria realmente odiá-lo não poderia chamar aquilo de obsidianas, agora seriam olhos de carvão. É, aquilo soava muito melhor e talvez menos atrativo do que diamantes negros, céus estrelados e por ai vai.
- Ela foi minha ex-noiva. - explicou parecendo não ouvir o que eu dissera.
- O QUÊ? - cuspi.
- Eu sei que parece estranho de ouvir, mas eu quase me casei uma vez.
- O que aconteceu? - perguntei afoita pela curiosidade. “Não tinha sido eu que dissera que não queria ouvir nada?”
- Bom… Isso foi a dois anos atrás, eu tinha 27 e ela tinha 23. Ela era muito próxima da minha família, trabalhava no jornal e também era herdeira, uma das coisas que despertaram o interesse dos meus pais. Na realidade, ela só começou a trabalhar para contrariar os seus tios que diziam que ela não conseguiria cuidar de si mesma.
- Espera! - disse juntando os fatos. - Dois anos? Então…
- Sim! Aquela mulher do restaurante foi minha noiva. - sem perceber minhas mãos já estavam cobrindo a boca aberta pelo susto.
- Meus pais tinham um grande apreço por ela e me encorajaram a cortejá-la. No início fui contrário a esta ideia, mas a conheci melhor e acabei gostando dela. Nunca a amei, mas nos dávamos bem.
- E então?
- Então, uma semana antes do casamento ela me disse que tinha se apaixonado por um tal "médico" francês e que não se casaria comigo. - ele deu uma risadinha nervosa e continuou. - No início, eu fiquei com muita raiva, mas o que eu podia fazer? Ela o amava e eu não a faria feliz. - fez uma pausa e fitou o horizonte. - Assim, eu desfiz o noivado e ela se casou um mês depois. No mesmo dia do casamento eu decidi viajar à Europa para não precisar encarar os comentários dos outros.
- Sinto muito! - disse francamente.
- Não sinta! Ela está feliz e eu estou feliz, isso que importa.
- Desculpe-me pelo o que eu disse. – declarei.
- Não precisa se desculpar senhorita! Eu é que devo me desculpar pelos meus modos… - ficamos em silêncio por alguns segundos.
- Mas agora ela é viúva… - comentei tornando o pensamento que retumbava pelas paredes do cérebro em palavras.
- Sim, é o que parece! - e olhou de relance para mim. - A senhorita está insinuando...
- Nada! Não estou insinuando nada. - disse como um tiro.
Ele não quis terminar a frase, mas o divertimento e seu tradicional atrevimento voltou ao seu semblante.
- Então… - começou. - Podemos ser amigos? - perguntou com um sorriso amável.
“Ah por favor!” Como ele ainda queria minha amizade depois de tudo aquilo? ele não parecia se irritar com nada. Duvidara que nunca o veria gritar ou esmurrar algo, ainda que evidentemente tinha força para aquilo.
- Não! - declarei ainda olhando para o mar.
- Por quê?
- Porque já somos!- respondi.
- Vejo que a senhorita está andando tempo demais comigo, está até mais sarcástica do que eu.
- Não, isso seria impossível! - e então eu o encarei, percebendo que havia sido a pior ideia, pois aquelas obsidianas, quero dizer, aqueles olhos de carvão me fizeram engolir em seco várias vezes.
- Acho que já podemos ir… - disse ele confuso e me estendendo as mãos para me ajudar a levantar dos degraus. - O temporal já acabou.
- Sim! Antes de irmos quero lhe agradecer pelo que fez por mim nesta noite. - comentei ainda segurando suas mãos frias.
- Não foi nada! - respondeu olhando para minhas mãos.
- Acho que foi sim! - disse eu rindo. - Se não fosse pelo senhor ainda estaria com a mosca na garganta. - ele riu gentilmente.
- A noite está muito estrelada não é? - comentou ele mudando de assunto.
Depositou minhas mãos em seu braço para acompanhá-lo até o restaurante onde seu veículo estava. E assim fomos rindo e conversando pelo caminho. Aquilo foi estranho, pois a presença dele ainda provocava calafrios em mim. Eu tinha que fazer aquilo parar, pois não podia me apaixonar por ele, não podia confundi-lo mais do que eu já fizera. Tinha que libertá-lo de mim.
…
- Vejam só, a senhorita Ella parece… - disse Manuel ao me encontrar na escada. Ele nem continuou ao ver que meu humor não estava dos melhores. - Uma linda rosa, eu iria dizer! - disse ele rapidamente.
- Sem pétalas. - murmurou Charlotte no ouvido de David.
- Vamos crianças! Deixem a Srta. Ella em paz. - repreendeu Augusta.
- Venha Srta. Ella! Vou preparar o seu banho. - disse Jade acompanhando-me até o quarto e parecendo já familiarizada em me ver com aquela aparência.
- Obrigada Jade! - sem ter coragem de encará-la.
- Eu deveria perguntar o que aconteceu? - questionou ela ainda nas escadas.
- Acho que agora não… - respondi soltando o ar com força. - A noite foi um completo desastre em todos os sentidos.
- Imaginei! – comentou. - Me conte quando quiser e se quiser, pois só quero ajudá-la e odeio vê-la triste. - acrescentou segurando em minhas mãos.
- Obrigada minha amiga! - lancei um sorriso cansado para ela e continuei. - Mas a senhorita poderia me contar sobre o seu dia, seria uma ótima distração por hora.
- Tudo bem. - ela abriu a porta do meu quarto. - Bom… Hoje foi um dia bastante comum, eu cuidei das crianças, da casa, da farmácia. - ela fez uma pausa com um sorriso sobre os lábios. - Acredita que as crianças desenvolveram uma brincadeira sobre o seu livro? - perguntou.
- Como assim? - questionei surpresa.
- Bem… A brincadeira é adivinhar o que o príncipe Luno diz com as mãos. No caso, quem fica no meio da sala é o personagem e quem fica sentado tem que adivinhar os gestos.
- Genial! – exclamei. - Mas parece que eu já vi esta brincadeira em algum lugar.
- Eu também, mas não diga isso perto deles. Charlotte teria uma crise de choro. - acrescentou ela rindo. - Eles não param de falar sobre o livro. Eu nem o li e já sei tudo o que acontece nele, pois é o dia todo conversando sobre o príncipe Luno e a princesa perdida. Quando eles não estão falando, estão desenhando ou criando músicas sobre a história.
- Não acredito! Eles gostaram tanto assim? - perguntei pasma, segurandouma lágrima.
- Sim! Ah… E antes que eu me esqueça, eles estão preparando uma surpresa para a senhorita, faltaram até às aulas só para… Bem, para fazer a surpresa.
- Não me diga! - comentei ainda pasma.
- Sim! Mas eu não posso falar, pois a senhorita saberá em breve. - disse ela rindo e arruinando a surpresa. - Ah… e o Sr. Gatti, quer dizer… Dr. Gatti passou aqui hoje para saber como a senhorita estava. - comentou parecendo nervosa.
- Que horas?
- Antes das quatro. - respondeu ainda nervosa
- Mas neste horário eu geralmente não estou aqui. - dei de ombros.
Ela apenas assentiu fechando a torneira da banheira e despejando a água quente do balde.
- Bom… Eu tenho que ir! Boa noite senhorita! - ela saiu tão rápido que nem pude me despedir. "O que será que ela estava escondendo?"
Quando fiquei sozinha naquele quarto minha mente começou a trabalhar. A vergonha era tanta que eu nem conseguia encarar meu reflexo no espelho. Fui direto para a banheira a fim de tentar esquecer tudo aquilo. Afinal de contas, o que mudaria reviver tudo se eu não poderia consertar nada.
Foi com toda certeza e absolutamente a pior noite da minha vida. Mas também foi uma das melhores. A dança, o beijo. Tudo havia sido perfeito, com exceção da discussão que estava catalogada na mente como: "acontecimentos que devo esquecer o mais rápido possível." E etiquetada como urgente. Quem sabe assim meu cérebro resolvesse me obedecer.
Conforme a água quente fazia seu trabalho espetacular ao me acalmar, me peguei pensando em Tomás. Eu nunca havia sentido nada comparado àquilo. Romeu, um dos poucos homens que eu conhecia era sem dúvida muito admirável. Ele era forte, alto, muito bonito e inteligente, ainda por cima tinha uma ótima família e era médico. Eu sempre o admirei.
Que mulher não se encantaria por aquele ser?
Ele era quase perfeito. Gentil, doce, simpático e ainda era italiano.
O que mais eu poderia querer?
Ele nunca havia me dito nada sobre um possível relacionamento, mas havia momentos que eu achava que ele me diria. Porém, esses momentos sempre eram interrompidos por alguém, literalmente e absolutamente sempre.
Uma vez, estávamos num baile dos Reywoods no centro da cidade. Era um casarão que mais parecia um castelo, com muitas janelas portas, salas e lustres. Ele havia me chamado para dançar cinco vezes seguidas e me fizera certas perguntas que nunca tinha me feito antes, como:
"A senhorita tem muitos pretendentes não é?", "Acha que eu perdi muito tempo estando fora?"
Ana me dissera que provavelmente ele se declararia naquela noite, ela sempre me dizia que ele parecia estar apaixonado por mim, mesmo eu nunca acreditando nisso.
Até que ele me chamou para o jardim do baile e me levou para um lugar mais afastado sem muitas pessoas por perto. Ele estava muito nervoso, mexia no colarinho como se estivesse com uma alergia ou algo do tipo.
E então começou a falar:
- Ella, a senhorita está muito bonita nesta noite. Sei que já lhe disse isso, mas está realmente linda. - disse ele gaguejando em algumas palavras. - Quero dizer, não que a senhorita não seja linda normalmente, mas… A senhorita está muito mais hoje. - explicou rapidamente.
- Obrigada Dr. Gatti! O senhor também está excepcionalmente elegante nesta noite. - respondi amavelmente. Ele assentia agradecendo...
- Bom… Chamei-a aqui, pois acredito que a senhorita já tenha percebido minhas in…
-Ella!- gritou minha mãe estridente se aproximando da onde estávamos e interrompendo Romeu. - Não consigo encontrar Luca. - declarou olhando para os lados procurando algum sinal do meu irmão.
-Onde a senhora o viu da última vez? - perguntei assustada.
- Ele estava no salão brincando com a irmã de Ana. - explicou ela.”
Depois disso procuramos pela infinidade da casa dos Reywoods e também por toda propriedade, até nos aposentos dos funcionários. Não adiantaria chamá-lo, pois Luca não nos ouviria, então gritávamos por Clarisse.
No fim da noite, os encontramos embaixo da mesa na cozinha comendo os biscoitos de chocolate da Sra. Reywood. Saímos de lá o mais rápido possível. Afinal de contas, não adiantaria esperar pelos perdões da mulher, pois era a pessoa mais amargurada que eu já vira.
Logo depois daquela noite nossa família recebeu a notícia do desaparecimento do navio e as coisas desandaram. Nunca mais Romeu tentou conversar comigo a sós, nem chegara a fazer outras perguntas pessoais. Apenas havia sido um bom amigo.
Já com Tomás tudo era mais intenso, algo nele me deixava confortável como se eu o conhecesse a vida toda. Ele era praticamente o contrário de Romeu até na coloração do cabelo, com uma cor n***a tão intensa que sob a luz reluzia tons prateados, enquanto Romeu tinha fios loiros como mel e levemente ondulados.
Além disso, Tomás tinha um estilo desajeitado que de certa forma o deixava extremamente sofisticado, com os cabelos escuros penteados para trás e alguns fios rebeldes caídos sobre sua testa, o que o atribuía um ar de mistério e empoderamento, provavelmente ninguém se atreveria a duelar com aquele homem. Seus traços eram bem delimitados e rígidos, o que era acentuado com sua facilidade incomum de sorrir.
Ele exalava leveza e sempre estava com um semblante divertido e ao mesmo tempo atrevido, como uma daquelas crianças que sempre pareciam estar aprontando algo errado. Este era o problema, aqueles olhos de obsidiana e toda aquela beleza eram simplesmente impossíveis de não notar.
Fiquei pensando a noite inteira sobre as últimas horas e também sobre as palavras de Marco. Se eu fosse demitida antes de publicar o livro, talvez nunca mais tivesse a chance de cumprir o meu objetivo e mesmo que Tomás e Ernesto estivessem me ajudando, caso Tomás realmente um dia resolvesse me odiar, eu não teria mais chance alguma.
Sem contatos e poucos amigos numa cidade que eu m*l sabia o trajeto de volta. Minha única alternativa seria esperar pela resposta de Marco e ter esperanças de que toda aquela mudança não tivesse sido em vão e que Tomás nunca me odiasse por coisa alguma, e de forma alguma me amasse.
Não!
Ele não podia me amar, muito menos se apaixonar, eu mesma me certificaria de que ele não seria mais do que um amigo.
Só teria que convencer meu coração disso.