Qual é o seu nome rapazinho? - perguntou Lissa para o menino perdido.
Como não conseguia falar, ele começou a usar suas mãos, enquanto ela tentava adivinhar o que ele estava tentando soletrar.
L? - ele assentiu - V?... Não?...U? lu…- ele indicou os seus dois primeiros dedos para o chão- A?.. M?...N?- ele assentiu e juntou os dedos, como um círculo - O?...Luno?
(Trecho do livro Pequeno Guerreiro da Lua, grande valente terrestre, de Antonella Bella Valentini).
~
- Já chega meninas! Eu e Manuel estamos esperando pelo nosso número a mais de uma hora. - disse David.
- Não nos atrapalhe David! Não está vendo que estamos nos apresentando? - reclamou Charlotte enquanto dava um rodopio.
- Mas já são seis e meia! E logo nossa plateia se cansará de nos ver! - disse Manuel irritado.
- Senhoras e senhores! Nós pedimos desculpas pelo inconveniente, mas daremos uma pausa nas apresentações devido a problemas “técnicos”. - disse Charlotte olhando irritada para David.
As crianças foram para a outra sala, enquanto eu, Augusta e Jade conversávamos no sofá. Fazia pouco tempo que eu havia chego do trabalho e as recordações do dia pareciam ter dado lugar ao bom humor devido às divertidas apresentações dos filhos de Augusta. Até que a campainha tocou.
- Eu vou atender. - disse Jade.
- Não! –gritei. - Eu vou! - disse já procurando o canivete no bolso. Ainda estava preocupada com a possibilidade de Nikolai ir tirar satisfações.
- Tudo bem… - respondeu Jade, preocupada.
Fui atender respirando fundo e já com o canivete aberto nas mãos. Na minha mente ainda ecoavam as palavras de Luigi “Nunca se sabe quando irá precisar usar!” O agradeci internamente e abri a porta com as mãos trêmulas.
Boa noite!- dizia um homem de preto com a cabeça baixa e com um chapéu estranho.
- Quem é você? - gritei apontando a lâmina para ele.
- Ei!... - exclamou Tomás assustado retirando o chapéu. - Não me reconheceu? Meu chapéu é tão ridículo assim?
- Eu pensei que fosse um homem.
- Nossa! Agora a senhorita me ofendeu! - disse ele colocando as mãos sobre o peito como se tivesse sido atingido. - Eu não pareço com um homem? - perguntou com um sorriso atrevido.
- Não estou falando do senhor!
- E de quem está falando? - perguntou cruzando os braços.
- Não importa… O que o senhor está fazendo aqui?
- Poderia primeiro abaixar esta arma? - “Eu ainda estava segurando o canivete? A que ponto eu chegara…”
- Hã? Desculpe-me Tomás… Quero dizer, Sr. Marks! - respondi guardando o canivete rapidamente no bolso.
- Está tudo bem! E me chame apenas de Tomás. - disse ele com um sorriso realçando suas covinhas.
- Acho melhor te chamar de Sr. Marks, pois o senhor é meu chefe e não é…
- Por isso mesmo, eu “ordeno” que me chame de Tomás. - disse ele me interrompendo.
- Mas…
- A senhorita ouviu que isso é uma “ordem”? - disse sarcástico.
- Ouvi! Nesse caso pode me chamar como quiser também. - comentei.
- De como eu quiser? - perguntou com o sorriso totalmente aberto.
-Sim! Desde que seja algum dos meus nomes, é claro! -acrescentei.
- Bom… Então te chamarei de Bella. - disse satisfeito.
- Tudo bem. - e abri a passagem para ele. - Pode entrar Sr. Marks... Tomás. - revirei os olhos.
- E por que a senhorita gostaria que eu entrasse? - cruzando os braços.
- Porque aqui fora está frio, o que é quase um evento, vindo de uma cidade que não conhece nada diferente do calor. - constatei.
- Bom, se foi por isso, então eu entrarei. - disse ele passando por mim na porta.
- E por qual outro motivo achou que seria? - curiosa.
- Eu não sei… Depois de dois dias sem aparecer no escritório e a senhorita me receber com um canivete apontado para minha garganta logo na entrada, o que eu deveria esperar que fosse?
- Primeiro que não foram dois dias, foram três! - corrigi.
- Minha nossa! Eu fiz tanta falta assim a ponto da senhorita contar as horas?
- Ah, por favor! E segundo que não estamos no escritório, então por que veio me visitar? Ainda mais neste horário?
- Bem… Eu pensei em chamá-la para jantar. -declarou.
- O quê? - exclamei. “Lembre-se do plano de ficar longe dele, Ella!” internalizei.
- A senhorita não sabe o que é uma janta? Depois daquele sério diálogo sobre suas únicas memórias serem relacionadas à gastronomia até pensei que a senhorita fizesse cinco refeições por dia, mas agora que disse que não sabe o que é uma janta… - disse ele ironicamente.
- É óbvio que eu sei o que é uma janta! Só estou questionando o porquê desta janta. - retruquei.
- Bem… Acho que para jantarmos no sentido literal, comer e beber.
- Vamos Tomás! Entendeu o que eu quis dizer.
- Vejo que obedeceu minha ordem! - percebeu minha impaciência e continuou. - Está bem... Eu queria mostrar-lhe um novo restaurante na cidade que é italiano!
- O senhor falta no trabalho por três dias sem dar satisfação alguma e depois aparece do nada a noite na minha porta me chamando para jantar? Desculpe, mas o senhor enlouqueceu? Ou está caminhando para isso?
- Provavelmente a segunda opção! Na verdade eu queria lhe apresentar a um amigo meu que é editor e talvez possa ajudá-la com o livro. - meus olhos faltaram saltar das órbitas após ouvir aquilo.
- Como assim? - “Isto só pode ser fruto da minha imaginação!” pensei.
- Bem… Ele é um antigo amigo meu e combinou de jantar conosco nesta noite, se a senhorita não se importar, é claro!
- Mas serão só... Nós três? À noite?
- Sim! Qual é o problema?
- Olhe bem... Eu sei que não tenho agido como uma dama ultimamente, na verdade não poderia nem pronunciar estas palavras, mas continuo sendo uma e não cai bem à minha reputação sair com homens à noite.
-Eu entendo! E realmente devo concordar, pois uma “dama” não usa a casinha dos rapa... Ai! - exclamou quando o cutuquei. - Está vendo? Que dama agride o próprio chefe?
- Está bem! Já entendi que não sou uma verdadeira dama, mas…
- Eu não disse que não era uma dama, só disse que não… Esqueça! Só estou brincando.
- Eu sei… É até estranho quando não está.
- Nossa! A senhorita está ácida hoje não? Está naqueles dias infelizes para as mulheres?
- Como disse? - perguntei corando até os fios do cabelo.
- Bom… E se eu a devolver antes das dez? - disse ele rindo, tentando mudar de assunto ao ver meu total constrangimento. “Por que meu rosto precisava demonstrar minha vergonha toda vez que ela aparecia?”
- Eu não sei... Tenho que falar com Augusta primeiro. Vamos! - disse o conduzindo como se pudesse me livrar do constrangimento, saindo rapidamente do ambiente.
Quando entramos na sala das apresentações Augusta e Jade estavam fingindo que não tinham ouvido nossa conversa, pois fingiam estar entretidas com coisas muito anormais e falhavam na tentativa de segurar as risadinhas.
- Sra. Augusta poderia falar com a senhora em particular? -perguntei.
- Claro. - disse ela fechando o livro que estava virado ao contrário. Ela o segurava como se estivesse lendo, o que evidentemente não era verdade.
Eu a levei para um canto mais silencioso da sala e expliquei o que Tomás havia me pedido.
- E então? – perguntei.
- E então o quê? Está me pedindo permissão para ir?
- Sim! É claro!
- Mas é claro que pode ir Ella! Você tem um livro para publicar, portanto deve agarrar qualquer oportunidade que surgir.
- A senhora não acha r**m da minha pessoa por sair agora, neste horário? - perguntei indignada.
- Não, pois não são nem sete horas, não tem o porquê se preocupar!
- A senhora…
- Ande logo Ella! Se demorar muito é capaz de perder a companhia do jantar! - disse ela apontando para o sofá onde Tomás se divertia com as crianças.
- Muito obrigada pela compreensão senhora! Eu não consigo descrever a sorte que eu tive em tê-la me hospedando. - disse abraçando-a com força.
- Muito bem então! Agora vá! - disse ela me dando um beijo na testa como uma mãe.
Fui para o quarto, lavei o rosto, organizei os fios bagunçados, coloquei o colar de pérolas e o mesmo vestido que usara na festa de despedida. Afinal, eu não era rica para deixar de usar algo que já foi visto e nem se fosse deixaria de usar. Passei um pouco de colônia nos extremos do maxilar e peguei meu livro antes de descer as escadas, onde Tomás estava me esperando enquanto conversava com Manuel e David.
- Vamos! - disse chamando sua atenção.
- É clar… - e parou de falar ao se virar para mim.
- O que foi? É muito não é? E se eu tirar o colar… Talvez eu possa ver outro vestido e…
- Não! - exclamou me interrompendo com duas covinhas nascendo nas bochechas, realçando seu sorriso malévolo sob os lábios - Não precisa! A senhorita está…
- O que? - perguntei procurando por algum r***o ou mancha. “Oh mio! Será que eu estava com o rosto sujo?”
- Ah, por favor! - disse David batendo as mãos na coxa da perna em indignação. - O que ele está tentando dizer é que a senhorita está muito bonita. - disse satisfeito. Depois dos elogios de David ao me comparar com um monstro do mar, o comentário quase me fizera chorar.
- Não! Na verdade a senhorita está perfeita!- acrescentou Manuel, o mesmo que dissera “só faltam as barbatanas” no dia da praia. - Ou um docinho de coco, como dizia nosso pai. - comentou parecendo sofrer com aquelas memórias.
- Bom… Eu tentei formular algo, mas até as palavras me fugiram. Graças a estes cavalheiros, eu não passei vergonha diante de uma bela moça. - disse Tomás dando um toque nas pequenas palmas deles.
- Obrigada senhores! Agora temos que ir, e não sei que horário o senhor marcou, mas já são quase oito horas.
- Tem razão! - respondeu ele segurando a minha mão. Depositou um beijo sobre ela e me acompanhou até ao automóvel sem tirar os olhos de mim. “Oh mio! Lembre-se do plano Ella! Do plano!” Repetia internamente.
...
Conforme o automóvel andava, pude observar a beleza da cidade noturna. Os postes seguravam uma luz amarela que iluminava as belas casas da rua. O restaurante não ficava muito longe dali e tinha a vista da praia de Copacabana o favorecendo.
Entramos e o garçom nos acompanhou para uma das melhores mesas, próximo a uma janela. O vento gélido da praia fazia a vela sobre a mesa falhar.
Era um restaurante italiano, tinha o aroma de casa e as músicas que eram tocadas pareciam até terem sido escolhidas por Luigi. Aquilo trouxe uma sensação tão maravilhosa que se eu fechasse os olhos conseguiria me ver em casa.
- Bella? - chamava-me Tomás ao me ver com os olhos fechados.
- Hã… Ah me desculpe eu só estava… - nem eu mesma sabia o que eu estava fazendo ali.
- Tudo bem eu é que peço desculpas por tê-la interrompido. - disse com um sorriso divertido.
- E então… Onde está o seu amigo? - perguntei tentando me livrar daquelas obsidianas tão perigosas quanto veneno.
- Ah... Sim! Vou ver se ele está nos esperando ou deixou algum recado com um dos garçons. - disse ele já se levantando. - Com licença senhorita!
Enquanto isso o grupo de músicos começou a tocar a canção que meu pai cantava para eu dormir quando criança. Como tudo em casa, a música era muito agitada e de alguma forma o jeito que meu pai cantava me fazia adormecer em pouco tempo. Ao ouvir a melodia, uma brisa fria com o aroma do mar capturou minha atenção.
Virei a cabeça em direção a janela e vi as ondas ansiosas chegando a areia como se estivessem voltando para casa, o que de certa forma me fez pensar no meu pai. O que ele diria se estivesse ali? Talvez um: “Oh Mio! Que lugar meraviglioso! (Maravilhoso!)” ou “Quei musicisti pensano di essere bravi? (Aqueles músicos acham que são bons?)”.
- Pelo visto está se divertindo, não é Bella? - perguntou Tomás me vendo rir sozinha, junto com um homem ao seu lado.
- Minha nossa! Não me disse que esta escritora era tão bonita. - comentou o amigo de Tomás que era alguns centímetros mais alto que ele, conversando como se eu não estivesse ali.
- Bom… É porque não começou a conversar com ela para admirá-la de fato! - respondeu Tomás se sentando, sem tirar aquelas obsidianas de mim. - Antes de qualquer coisa, deixe-me apresentá-los. Srta. Valentini este é Marco Joel, ele é um jornalista editor e trabalha numa revista muito famosa aqui no Rio.
- Muito prazer em conhecê-lo senhor! - disse quase engasgando de nervosismo.
- O prazer é todo meu Srta. Valentini! - disse ele depositando um beijo sob minhas mãos cobertas pelas luvas e sentando no outro canto da mesa.
- Então o que vamos pedir? - perguntou Tomás em expectativa.
- O senhor já veio aqui Sr. Marks? - perguntou Marco.
- Não, mas estamos com a presença de uma italiana. - e direcionou o olhar para mim. - Por favor, nos ajude a escolher, senhorita. - solicitou Tomás com um sorriso travesso.
- Bem… - disse pegando o cardápio. - Eu estou com muita vontade de comer lasagna. Desculpem o egoísmo, mas recomendo este prato.
- Excelente escolha! - disse ele e passou as instruções ao garçom.
- Então… - começou Marco depois que o garçom depositou vinho sobre as taças. - Senhorita, este é o seu livro? - apontou para o bloco de páginas encadernado sobre meu colo.
- Sim senhor. - respondi já lhe entregando.
- Obrigada. Peço um momento de silêncio para que eu possa analisar as primeiras páginas tudo bem, senhores? - perguntou ele.
- Claro. - respondi, enquanto Tomás apenas deu um aceno com a cabeça.
Ele estava totalmente despreocupado, como se tivesse a certeza que Marco gostaria do que visse. Eu estava tão nervosa que já havia descosturado uma parte da borda da toalha de mesa sobre o colo de tanto que eu a apertava entre as mãos.
Minhas pernas executavam movimentos espasmódicos e não se passara nem cinco minutos que Marco começara a ler. Eu já deveria estar acostumada a ver editores analisando o livro, pois meu pai me apresentava com demasiada frequência, mas naquela vez Tomás estava junto e de certa forma a opinião dele parecia valer mais do que de Marco.
Entretanto se Marco não aprovasse a leitura provavelmente Tomás desacreditaria no meu trabalho e ele era o único que estava tentando me ajudar de fato ali.
Apesar de Ernesto ter sido muito bondoso em me oferecer um cargo importante no jornal, o que era extremamente incomum para mulheres, ainda mais mulheres jovens como eu, ele não havia feito nada para de fato publicar meu livro.
Ele não havia garantido isso na carta, mas dissera que me guiaria pelo menos ou apoiaria, tanto faz a palavra. De qualquer forma ele não havia feito nada, nem mesmo aparecera ao escritório durante todos aqueles dias.
Com poucas opções eu teria que procurar sozinha, o problema era que Luigi me proibira de andar pela cidade sozinha e as gráficas e editoras ficavam longe da casa de Augusta, mesmo que fosse com Jade o único horário que eu poderia era após o expediente e era inseguro para uma mulher andar a noite pelas ruas do Rio de Janeiro.
- Srta. Bella? - chamou Tomás me observando aflito. - Está tudo bem?
- Sim! Por quê? - perguntei tentando me recompor. Ele indicou discretamente com a cabeça que Marco estava esperando por alguma resposta a pergunta que eu não ouvira.
- Desculpe-me Sr. Joel! Estava distraída, sinto muito. - disse rapidamente no intuito de fazê-lo esquecer do episódio de desatenção.
- Sem problemas senhorita. - ele fez uma pausa e encarou o livro com uma expressão de desgosto. - É um livro infantil? - perguntou.
- Sim! - respondi, percebendo que não era uma boa noticia.
-Entendo. - declarou sem mais palavras, apenas fitando Tomás como se fosse um médico noticiando a família de um adoentado, sobre uma piora.
- Qual é o problema senhor? - perguntei irritada com aquela censura.
- Não há problema algum senhorita é só que… - e olhou de novo para Tomás como se pedisse sua permissão.
Quando vi aquilo não aguentei.
- Pode falar senhor! Não sou frágil a ponto de me quebrar apenas por não ter apreciado minha obra. Se esse for o caso respeitarei sua opinião, mas, por favor, diga-me sua posição. - disse tentando manter o volume da voz e a posição ereta com o máximo de educação que pude.
- Desculpe senhorita, mas não é fácil de publicar obras como a sua. - respondeu sem expressão.
- E por que não? - perguntei irritada. - O fato de ser uma literatura infantil não diminui sua importância.
- Eu entendo Srta. Valentini, mas não é só por isso. - eu não precisei perguntar o motivo, pois ele prosseguiu. - Os temas que a Srta. aborda não são muito “comentados”.
- Como assim? - questionei sem entender onde ele queria chegar
- O personagem principal, o príncipe Luno, - e deu uma risada disfarçada de deboche - tem deficiência auditiva e a “Princesa” Lissa usa uma cadeira de rodas. Creio que o seu intuito foi introduzir estes temas na sociedade literária?
- Não acha isso fascinante? - perguntou Tomás parecendo não perceber a ironia do amigo. - A forma como ela trata destes temas é audacioso e muito diferente de tudo o que eu já ouvi.
Tomás nem lera o livro e já achara fascinante. Ouvir aquilo de sua boca quase me fizera chorar.
- É… - murmurou Marco sem expressão. - Até pode ser, o problema é que não é fácil de vender livros como este... Infantis, quero dizer. – acrescentou - Muito menos consegui-los publicar.
- E por que não? Uma história sempre carrega muito mais do que pretende. - declarei seca.
- Eu entendo Srta. Valentini e tenho que concordar com a senhorita. Eu só estou dizendo que é mais difícil de ser publicado e muito mais de ganhar notoriedade. - disse ele tentando ser educado.
A comida chegou e um longuíssimo período de silêncio capturou a cena. Depois do que Marco falou, meu estômago parecia ter perdido a vontade de digerir o alimento. “Como eu faria agora?
Pelo que se podia ver, nem Marco e muito menos Nikolai publicariam o livro.
E se tivesse sido em vão ter ido ao Rio de Janeiro?
E se eu saísse dali sem o principal objetivo?
Ou pior, nunca conseguisse publicá-lo?”
- Eu sinto muito por tê-la desapontado! - começou Marco - É meu dever ser realista com os meus clientes. Mas de qualquer forma, eu apresentarei sua obra ao meu superior, pois não depende apenas de mim. - disse Marco se levantando da mesa após terminar de comer.
Pelo que se podia ver, não dependia de ninguém ali, já estava cansada de ouvir aquela frase.
- Eu entendo! - respondi com um sorriso forçado.
- Vejo que o senhor já está indo. - disse Tomás.
- Minha mulher não ficará muito feliz ao me ver chegando esta hora em casa. - respondeu Marco. - Bom, foi um prazer vê-los e mais ainda conhecê-la Srta. Valentini!- terminou recostando a cadeira na mesa.
- O prazer foi todo meu, senhor. - tentei soar o mais compreensiva possível.
- Ah… senhorita? - chamou, se lembrando de algo. - Posso ficar com sua obra por alguns dias? - questionou.
- Claro! - disse lhe entregando o livro.
- Obrigada por nos acompanhar Marco! - disse Tomás se despedindo de seu amigo.
- Eu é que agradeço! Tenham uma boa noite senhores! - fez uma breve reverência e colocou seu chapéu. O típico chapéu misterioso que todo jornalista parecia usar.
Assim que Marco se afastou, Tomás começou a me encarar como se quisesse saber o que eu estava pensando.
- O que foi? - perguntei.
- Não é nada, é só que a senhorita não parece muito contente.
- Na verdade eu não estou mesmo! - declarei soltando o ar com força.
- Desculpe se me precipitei, eu só...
- A culpa não é sua, Sr. Marks. Na verdade o senhor me surpreendeu ao tentar me ajudar. - disse lançando o melhor sorriso que pude naquele momento, tentando não deixar o desânimo transparecer.
- Não estou a ajudando, apenas servindo como ponte. Sua obra é boa demais para nunca ser publicada.
- Mas o senhor nem leu
- Não, mas é só olhar para os seus olhos quando fala deste livro. A senhorita não o fez para ser vendido, fez simplesmente porque precisava fazer. Portanto, não precisa da opinião dos outros, pois não foi para eles que escreveu.
- Tomás? - chamou uma mulher com o chapéu três vezes maior que sua cabeça.
- Bárbara Elliot? - Tomás parecia aflito.
- Ainda se lembra de mim pelo visto? - disse ela com um sorriso se desfazendo ao olhar para mim.
Ela tinha os cabelos e olhos tão claros que podiam cegar qualquer pessoa irradiando tanta luz, o que contrastava com seu vestido preto. Ela era elegante e muito rica, isso era evidente.
- Como me esqueceria? - perguntou Tomás com um sorriso gentil. Ele parecia meio confuso, mas quem poderia julgá-lo com tanta claridade em uma só pessoa?
- Estou atrapalhando algo? - e olhou para mim estreitando os olhos.
- Ah… Perdoe-me senhora, deixe-me apresentá-las. - e olhou para mim com alguma expectativa que eu não soube compreender. - Sra. Elliot esta é Antonella Bella Valentini! - declarou se levantando e me estendendo a mão para copiar o gesto.
- Muito prazer Srta. Elliot! - cumprimentei com uma breve reverência.
- O prazer é meu. - disse falsa. Ela me analisou dos pés a cabeça, como se procurasse por algo, talvez um defeito? “Ah, não se preocupe, disso eu tenho muito!” Pensei. - E pode me chamar de senhora, pois uma mulher viúva não tem mais tanto vigor quanto uma senhorita, não acha Sr. Marks? - e olhou com uma leve curva sob os lábios para Tomás, seja lá o que aquilo significasse com certeza foi bem insinuador.
- Não acho Sra. Elliot! Aos vinte e cinco anos não deveria nem ser considerada uma senhora, muito menos viúva. - e a lançou um sorriso cordial.
- Oh! Que gentileza sua Sr. Marks, devo dizer que depois de dois anos o senhor me parece até mais... - e olhou para os braços de Tomás - “elegante”. - havia me equivocado, pois talvez não fossem bem os braços que ela estava analisando.
- Obrigada Sra. Elliot! - disse Tomás com a postura mais ereta que eu já o vira. Ele tentava demonstrar algo que eu ainda não sabia o que era e continuava com seu sorriso divertido e atrevido, mas não era tão verdadeiro, na verdade era até um pouco forçado.
- Bom, não vou mais incomodá-los! - e me lançou um olhar enjoativo. - Tenham uma boa noite senhores. - fez uma mesura e saiu.
Pelo semblante de Tomás eu não deveria perguntar quem era ela. Na realidade, apesar da curiosidade estivesse me corroendo, já podia se supor que pelos olhares e sorrisos Tomás e ela foram mais que conhecidos.
- Então, Srta. Bella. - disse ele. - Continuando o que estávamos conversando… - ele tentava me fazer esquecer aquela cena, talvez até pudesse ver um pingo de constrangimento, mas não me esqueceria daquilo nem se quisesse. - Quero que saiba que meu pai tem buscado reforços para ajudá-la com o livro, talvez a senhorita os conheça no casamento de minha irmã. - comentou.
- Como disse? - duvidei.
- Eu sei que é precipitado da nossa parte e gostaria que nosso jornal tivesse a honra de publicar algo seu. - e me lançou um sorriso gentil. - Mas quem cuida disso é…
- Nikolai, eu sei. - completei.
- Ele é mais difícil de convencer, mas não significa que não possamos buscar em outros lugares. Além disso, eu nem posso imaginar o quão difícil para a senhorita seria de tentar ir por conta própria, então nossa interferência é para assegurar sua segurança. - Terminou satisfeito e esperando por uma resposta.
- Não podem imaginar o quão agradecida eu estou. - e devolvi um sorriso sincero.
Naquele momento eu estava irritada comigo mesma. Afinal, como eu fui tão superficial e preconceituosa ao ponto de julgar o pai de Tomás por não ter feito nada? No entanto, ele havia feito e não só ele como seu filho também. Eu não era ninguém para exigir que os outros me ajudassem. “Ótimo!” Se aquela mulher estivesse mesmo buscando um defeito em mim, em pouco tempo eu já podia listar milhares.
- Fico muito feliz. - e me fitou com aquelas estrelinhas negras brilhando.
Será que não podiam ser de uma cor menos intensa? Talvez um verde ou um marrom, mas eu desconfiara que qualquer cor que colocassem sob aquelas órbitas se tornariam tão quanto penetrantes.
- Você vai conseguir Bella! - e segurou em minhas mãos deixando um formigamento na pele. - Não se preocupe! Pois a senhorita ainda há de segurar a primeira edição do livro em suas mãos. - declarou me fitando com aquelas perigosíssimas obsidianas que refletiam as luzes da vela sob a mesa. “Oh céus!”
- O senhor acha mesmo? - perguntei como se ele pudesse prever o futuro.
- Está de brincadeira? A senhorita é a pessoa mais destemida e corajosa que eu já conheci. Então, como pode me fazer esta pergunta? - fez uma pausa ainda me fitando e prosseguiu. - Eu não acho. Eu tenho certeza disso!
Quando Tomás terminou de dizer aquilo, o ar de repente ficou pesado e meu estômago se agitava como se eu tivesse engolido um enxame de borboletas. Suas íris pareciam estar em chamas, ardendo como uma fornalha.
Quando ele entrelaçou seus dedos entre os meus, meu coração se agitou tanto que eu só conseguia ouvir um zumbido atravessando meus tímpanos. “O que eu estava fazendo?”
- Ah... - comecei a falar. - Acho melhor…
- Bella eu preciso te dizer algo. - disse ele ainda segurando minhas mãos. “Oh mio!” Aquilo não estava cheirando bem.
- Acho melhor deixar para amanhã, não é? Olhe só já está tarde e… - tentei desvincular as mãos das dele, mas ele segurou ainda mais firme.
- Acho que devo dizer agora! - declarou. E meu coração já batendo ainda mais rápido. Aquilo realmente não estava cheirando bem.
- Não, é melhor deixar para amanh… - não consegui terminar a frase, pois um mosquito invadiu minha garganta.
- Bella? - exclamou Tomás desesperado, tentando me fazer parar de tossir.
Aquilo era tão agoniante que eu sentia os olhos pinicarem em total repulsão.
- Levante Bella! - disse ele batendo gentilmente nas minhas costas, me levantando e praticamente carregando até a janela.
As crises de tosses ficavam piores e uma ânsia me consumiu. O mosquito, seja lá o que aquilo fosse, parecia ainda estar se mexendo na minha garganta. “Oh céus!”
- Isso vai doer um pouco, mas confie em mim! - ele começou a apertar freneticamente a boca do meu estômago e colocou meu rosto para fora da janela. De repente toda a lasanha serviu de adubo para o gramado de baixo. “A quem eu queria enganar? Eu já havia perdido meu posto de dama há muito tempo.” - Beba isso! - disse ele ainda me segurando e me oferecendo uma taça de vinho que magicamente surgiu em suas mãos.
Eu bebi aquilo como se minha vida dependesse daquilo. Minha garganta queimava em contato com o álcool, mas de alguma forma aquilo ajudou. Assim que terminei me virei para me recompor.
- Oh miiiio! - engoli em seco ao ver a multidão de pessoas horrorizadas que tinham presenciado minha cena. “Eu realmente estava perdida!”
- Está tudo bem! Vamos! - disse Tomás me conduzindo rapidamente até a saída.
Se eu achava que a noite não poderia ficar pior, é porque estava a subestimando. Assim que eu pisei para fora da saída do restaurante a chuva começou. Não era qualquer chuva, era “A” chuva.
Eu estava completamente encharcada e nem chegara a dar dez passos para fora da porta, não podíamos sair dali, pois o automóvel de Tomás era praticamente aberto e, portanto não adiantaria nada, pois nos molharíamos da mesma forma. Mas também não podíamos voltar para o restaurante.
Bem… Eu preferiria ficar debaixo daquela chuva do que pisar novamente naquele lugar.
- Vem Bella! - chamou Tomás colocando seu paletó sob meus ombros e me levando a algum lugar.
- Para onde estamos indo? - perguntei.
- Eu também não sei! - declarou ele correndo e me puxando