Capítulo 19

2034 Words
Luno conseguia entender o que a menina sob a cadeira falava, mas não conseguia falar nada. Ele tentava, mas não produzia som algum. Entretanto, aquela menina tinha traços muito familiares. Apesar de ser mais velha que ele, e com algum problema quase imperceptível nas pernas, ele parecia que já a conhecia e a forma que ela falava o fazia se lembrar de seu pai. (Trecho do livro Pequeno Guerreiro da Lua, grande valente terrestre, de Antonella Bella Valentini). ~ Dois dias haviam se passado após a visita de Tomás. Durantes esses dias, apesar dele não ter aparecido no escritório, deixara mensagens na minha caderneta com instruções sobre os meus afazeres do dia e pequenas flores sob ela. Eu estava tão feliz em finalmente fazer aquilo pelo qual tinha sido verdadeiramente contratada, que eu nem percebera o movimento a minha volta, eu apenas ficava ali sentada editando os textos que tanto me fizeram falta. Nas duas semanas que Nikolai me supervisionou, fizera questão de mostrar-me que eu não era capaz de escrever nem meu próprio nome. Eu não entendia o porquê de tanta raiva, como se a missão de sua vida fosse me mostrar o quão incapaz eu era. Porém, seu humor parecia piorar a cada dia ao ver que todas as suas tentativas de me humilhar haviam sido em vão, pois eu não desanimei nem por um segundo. Se minha família acreditava em mim, mesmo que a milhas de distância, não seria um homem com o ego alto que me faria desistir. Eu voltava chorando para casa nos primeiros dias, mas depois de um tempo tudo o que ele me dizia não chegava nem a penetrar nos meus tímpanos, era como se entrasse por um ouvido e saísse pelo outro, nem fazia questão de respondê-lo à altura e também já não estava com medo de ser demitida, pois apenas meu verdadeiro chefe poderia fazer isso. Acordei como se aqueles pensamentos tivessem me trazido um renovo inexplicável, uma força internalizada o suficiente para aguentar mais uma quarta-feira. Entretanto, assim que eu abri meus olhos quatro criaturas andavam de fininho pelo meu quarto. - Ará! - gritei fazendo as quatro crianças pularem de susto. - S-Srta. A-Antonella? - gaguejavam como se tivessem perdido a voz. - Peguei vocês! - levantei da cama e fui correndo atrás deles fazendo cócegas em quem eu capturava. - Pare senhorita! - dizia Charlotte entre as gargalhadas. - Nós nos rendemos. - dizia David. - O que vocês faziam escondido no meu quarto a esta hora da manhã? - perguntava enquanto meus reféns se entreolhavam como se pedissem permissão uns aos outros. - Foi culpa da Charlotte. - apontava Elizabeth. - Não foi não! David que deu a ideia. - retrucava Charlotte. - Eu só repassei a ideia do Manuel! - explicava David. - Por que a culpa sempre é minha? - resmungava Manuel. - Alguém poderia explicar que ideia foi essa? - perguntei cansada com a discussão. Talvez esse fosse o plano deles para se livrarem dos sermões da mãe. A venciam pelo cansaço. - Nós invadimos o seu quarto na semana passada. - disse Charlotte olhando para o chão. - E encontramos um livro que nunca tínhamos visto. - acrescentou Elizabeth. - Nós pegamos emprestado e lemos por alguns dias. - comentou David. - E quando terminamos de ler ficamos tão animados que queríamos ver se encontraríamos outros volumes. - concluiu Manuel. Todos pareciam envergonhados, mas eu estava tão surpresa com aquela situação que fiquei sem palavras. Eu havia procurado o meu livro por toda a casa, em um momento até pensei que tinha o esquecido e quase fiz uma carta a minha família para que me enviassem. Entretanto, lá estavam aqueles quatro serezinhos tornando o meu dia que nem começara ainda mais feliz, pois as únicas pessoas que já tinham lido o livro eram ou de alguma editora ou da minha própria família, mas ninguém de fora havia lido até aquele momento. - A senhorita vai nos abandonar depois do nosso mau comportamento Srta. Ella? - perguntava-me Charlotte. Achei muito estranho ela pensar que eu os deixaria por tão pouco. O que será que havia acontecido ali, para que eles pensassem isso? - Não! É claro que não! Por que faria isso? Apesar de terem invadido meu quarto, que não foi certo, fico extremamente feliz que tenham gostado do meu livro. - Foi a senhorita quem escreveu?- perguntava Manuel com os olhos extrapolando a órbita. - Foi! - quando disse isso os quatro ficaram com os queixos caídos em surpresa. - A senhorita teria outros volumes? - perguntava David segurando em minhas mãos como se suplicasse. - Infelizmente não! - declarei. Eles abaixaram a cabeça em sincronia demonstrando uma tristeza profunda. - Mas tenho alguns contos do Pequeno guerreiro da Lua comigo querem ver? Eles assentiram pulando de alegria. Passei a manhã inteira conversando com as quatro crianças que muito me faziam lembrar Luca. Eu estava quase flutuando de felicidade ao ouvir meus primeiros leitores muito satisfeitos com meu trabalho. De alguma forma aquilo me fez tomar coragem para enfrentar Ernesto e esperar que ele analisasse os textos. Então me arrumei o mais rápido possível e fui para o escritório. Quando cheguei ao jornal, todos pareciam estar sem tempo, alguns estavam com pilhas e pilhas de folhas e as seguravam como se a própria vida dependesse disso. Os últimos dois dias haviam sido inexplicavelmente muito mais agitados. Aquilo me desanimou de certa forma, pois eu pensei que talvez não fosse um bom momento para falar com Ernesto, mas quando iria ser um momento bom? Já tinham se passado semanas e ele nem voltara a falar comigo depois do primeiro dia. Tomei toda força que tinha peguei meu livro e fui em direção à sala dele. - Sr. Ernesto? - chamei enquanto batia na porta. Para minha sorte, ele ainda não tinha saído. - Srta. Valentini! - exclamou ele levantando do assento. - como é bom vê-la nesta manhã! - É muito bom ver o senhor também. - disse - O que a trás aqui senhorita? - perguntou ele indicando que me sentasse. - Eu sei que ainda é cedo para falar sobre isso, mas não vi outro momento melhor para isso. - ele assentiu pedindo que eu prosseguisse. Ao invés de falar apenas entreguei o livro a ele. - Ah sim senhorita! Sinto muito por não ter dito nada a respeito da publicação do seu livro. Como lhe informei na carta, infelizmente não depende de mim, pois sou sócio do Sr. Roberto neste jornal. Ele administra a parte da publicação de livros e revistas, já eu cuido das colunas do jornal. Portanto terá que falar com ele. –concluiu. - Se quiser, talvez seja melhor conversar com o próprio responsável. - acrescentou. - E quem seria? - perguntei em disparate. - Nikolai Alves, o filho dele. - quando ouvi tal nome senti algo nada agradável se formar no meu estômago, como se a sorte resolvesse desaparecer de repente. - Não teria outra pessoa senhor? - perguntei desesperada. - Acredito que não! Mas se a senhorita quiser eu mesmo posso conversar com ele, talvez isso a ajude! - disse ele na tentativa de retirar o pavor do meu semblante. - Eu acredito que sim… - disse desanimada. - Obrigada por ter me dado um pouco de seu tempo, Sr. Ernesto! - Eu é que agradeço pelo excelente trabalho que tem feito neste jornal. Tomás sempre me agradece por eu tê-la contratado. - declarou gentilmente me acompanhando até a porta - Como disse? - perguntei parecendo não ter ouvido aquelas palavras. - Sim, ele sempre me mostra suas observações sob as colunas, que são muito bem feitas, devo admitir! Algumas coisas nem eu mesmo pensaria. - disse ele colocando a mão sobre o quadril e me devolvendo um sorriso muito acolhedor. - Nossa! Agora eu fiquei sem palavras... - Pois não fique! Eu apenas disse a verdade. - fez uma pausa. - Srta. Antonella, antes de ir, quero que saiba que seu pai ficaria muito orgulhoso da senhorita e da mulher corajosa que mostrou ser. Temos muita sorte em tê-la aqui! - terminou com um abraço de pai que me fez sentir as lágrimas escapar dos olhos. Depois disso eu não conseguia dizer mais nada, mesmo assim ele pareceu compreender meus agradecimentos apenas pelo olhar. Sai da sala com tantos pensamentos rodeando a minha mente que o escritório parecera estar sem oxigênio. Precisava sair daquele ambiente sufocante o mais rápido possível. Então, saí do jornal e me sentei no banco do consolo, como eu havia o nomeado, pois ele ficava embaixo de uma árvore de Ipê com flores brancas que faziam me sentir em casa e eu sempre me sentava ali quando precisava espairecer a mente. Peguei meu relógio do bolso e fiquei segurando como se meu pai estivesse ali. "O que eu devo fazer agora, papai?” Nikolai nunca aceitaria publicar um livro meu, nem mesmo se estivesse com outro nome na capa. Ele me odiava em todos os sentidos, como eu faria para publicar o meu livro agora? Meus pensamentos pareceram escapar da minha cabeça quando vi a figura de Nikolai num beco de frente para o prédio. Ele conversava com um homem desconhecido, pois eu não conseguia ver o seu rosto, apenas vi um anel reluzindo em sua mão quando ele retirou um envelope de seu casaco e entregou a Nikolai. Eu fiquei tão chocada com o que tinha visto que nem pensei se ele poderia me ver dali e pelo que se podia ver não era algo que eu deveria ter flagrado, pois ele olhava rapidamente em todas as direções procurando alguém que poderia tê-lo visto. Até que suas órbitas chegaram a mim. “SOCORRO!” Eu congelei quando ele me fitou com um olhar assustador, como eu nunca vira antes e comecei a andar quase correndo apavorada para dentro do jornal. Quando estava próximo de chegar a minha mesa Carlota me parou. - Está tudo bem senhorita? Parece que viu um fantasma. - disse ela com um olhar de curiosidade. - Não… Acho que foi impressão sua! - respondi tentando me desvencilhar dela. - Está procurando o seu chefe? - perguntou com um olhar intrigante. - Não! Por quê? Ele está me procurando? - perguntei olhando ao redor para ver se o encontrava, mas ele não estava ali. - Acredito que não. - fez uma pausa. - Mas se me permite comentar, ele tem apreciado muito a sua companhia ultimamente, não? - Não sei te dizer, ele me procura apenas quando precisa que eu faça algo. - Entendo… Ele é muito gentil não é senhorita? E ah... A propósito, posso te chamar de Srta. Ella? Vi ele a chamando assim outro dia. - disse com um sorriso forçado. - Sim ele é muito gentil! E caso se sinta confortável, pode me chamar de Ella. - declarei. - Srta. Ella devo informa-la que Sr. Marks geralmente trata muito bem as mulheres do escritório, algumas até bem de mais, se é que me entende. - disse ela com uma piscadela. - Sinto muito! Mas não entendo Srta. Carlota a que está se referindo, pois Sr. Marks tem me tratado da mesma maneira desde que cheguei. - "Exceto na viagem" pensei. - Compreendo… Bem, sabe que somos amigas não é? - eu assenti. - Então se quiser conversar ou fofocar, - disse ela com uma risadinha - pode me chamar! - Claro Srta. Carlota! Agora preciso ir, nos vemos outra hora. - disse saindo antes que ela respondesse. Quando cheguei a minha mesa encontrei um bilhete de Tomás instruindo-me com os afazeres do dia. Ao que parecia ele iria ficar mais um dia fora. Pelo menos não me deixara ser supervisionada pelo e******o que agora estava com a raiva duplicada sobre mim. Eu passei o dia inteiro sentada com medo de Nikolai me encontrar e querer tirar satisfações, não levantei nem para ir ao toalhete. Apenas sai de lá quando a Srta. Jade chegou para me acompanhar e durante o caminho fui segurando o canivete de Luigi dentro do bolso do vestido. Quem poderia dizer o que Nikolai era ou não capaz de fazer? Então precisei me precaver.
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