- Não deveriam as cores remeter à felicidade? - perguntou Lissa ao seu pai. (Trecho do livro Pequeno Guerreiro da Lua, grande valente terrestre, de Antonella Bella Valentini).
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São Paulo, 1904
"Ver o nascer do sol era o que eu mais fazia nos últimos seis meses. Observei da minha janela as cores diluídas sobre a tela azul, aos poucos mais vívidas tornando-se um majestoso sorriso dourado.
Os raios de sol eram atraídos ao solo como em um movimento instintivo, enquanto cada faixa de terra parecia se extinguir das sombras noturnas. A brisa fria que entrava pela fresta do vidro, dissolvia o tecido fino das cortinas creme, era típica do clima de São Paulo, carregando o aroma de café recém passado..." - Humpf - exclamei ao amassar o papel com as poucas linhas que eu demorara horas para compor.
Como era possível que em meses eu tivesse desaprendido a escrever?
Oras! Aquilo nem era uma história. Eu simplesmente estava escrevendo literalmente o que eu via ou fazia. Então, onde eu pensava que aquela descrição terminaria?
Em uma bela cena romântica com um casal apaixonado jurando o amor ao luar?
Ah, por favor!
Eu já deixara de ser uma escritora há muito tempo atrás. Me sentia a mais fracassada de todas as pessoas e meu pai provavelmente se decepcionaria com a mulher que eu havia me tornado: Fraca, sem paixão e totalmente perdida.
Todos aqueles investimentos financeiros e aquelas altas conversas motivacionais que ele incansavelmente fizera não valeram de nada. Era como tentar convencer a todos de que as ervas daninhas eram a espécie mais rara que já houvera na terra.
E isso era torturador.
Pensar que eu não era boa, nem mesmo poderia cogitar a ideia de ser considerada uma escritora. Afinal, quais dos meus dois livros e esboços empoeirados na estante haviam sido de fato publicados?
Aquilo tinha o mesmo reconhecimento que rascunhos, ou seja, nenhum. Eram apenas vestígios de um sonho que nunca seria realizado.
"Tudo bem, Antonella! Está tudo bem!”- pensava.
Já era hora de parar de choramingar no travesseiro com a raiva que sentia de mim mesma.
Respirei fundo e contei até cem em italiano na tentativa de entorpecer meu cérebro agitado e fazê-lo seguir com o restante do dia. Fui até o armário procurar algo que pudesse melhorar minha aparência e dar uma impressão de que eu estava bem, mesmo não estando.
Olhando para todos aqueles tecidos empilhados, dava para notar que não era a única a parecer sem ânimo ali. No geral, minha paleta de cores não ia muito além de um creme, lilás, xadrez e no muito, um rosa cromado, mas quem ligaria para um guarda roupa quando tudo parecia estar desmoronando?
Ninguém.
Então, acabei escolhendo o vestido amarelo que minha mãe detestava, o qual tinha mangas cumpridas e rendas nos extremos do pulso e do corpete. Ele parecia ser alegre e, de certa forma, era o que eu queria demonstrar.
Terminei de abotoar o vestido e vislumbrei meu reflexo no espelho. Ao constatar que ainda estava pálida e com o semblante pesado, tentei esconder as imperfeições com um pouco de pó de arroz.
Por fim, e não menos importante, organizei os cachos dourados em um coque bagunçado da mesma forma que minha vida se encontrava.
“Ótimo!”- pensei.
Aqueles pensamentos comparativos e de auto piedade estavam mais parecidos com o de uma idosa amargurada pela vida.
Ao perceber isso, desci ainda mais rápido os degraus na tentativa de distribuir meu aborrecimento para os demais ouvintes da casa e assim me livrar da minha própria companhia.
Quando cheguei à sala de jantar para tomar café da manhã, minha mãe já estava me esperando com meu irmão Luca em seus braços, enquanto ele se lambuzava comendo mingau.
-Buongiorno Ella! - disse minha mãe ao me ver aproximando-se da mesa.
Minha família era italiana.
Segundo o que meus pais me disseram éramos de Trento e chegamos ao Brasil quando eu tinha treze anos. Aos vinte e três, só o que me restara foram resquícios de lembranças da infância italiana.
Na verdade, eu só me lembrava de que não havia nascido em terras brasileiras quando os desconhecidos perguntavam pela minha fala peculiar, a qual, Filomena compreendia que era por atribuirmos mais intensidade as sílabas e geralmente terminar as frases movimentando as mãos em gestos praticamente auto enunciativos.
O que de fato era verdade, pois era inevitável conversar apenas gesticulando os lábios, visto que isso não agregava a mesma conotação às palavras.
-Buongiorno mama! - respondi ao mesmo tempo na língua dos sinais a Luca, enquanto ele devolvia o cumprimento.
-Você parece não ter dormido muito bem, minha querida-disse ela.
Minha mãe parecia um pouco cansada também, mas eu nunca iria dizer isso, pois ela já tinha passado por muito nos últimos meses.
-Sim... A noite não foi muito favorável para mim - tentando mudar de assunto, perguntei: -E onde está Luigi?
-Ele saiu a poucos minutos dizendo que chegaria antes do almoço - fez uma pausa e prosseguiu -Disse que se encontraria com um amigo antigo de seu pai.
Então uma nuvem escura começou a tomar conta do seu olhar.
- Entendi... Luca! – exclamei, segurando a taça antes que chegasse ao chão.
Meu irmão Luca tinha seis anos e era deficiente auditivo, mas isso nunca o restringia de ser muito travesso.
Ele não se dava conta disso, mas estava sendo a fonte de alegria e energia que ainda sustentavam nossa família.
-Ella - chamou minha mãe, libertando-me desses pensamentos -Chegou uma carta para você do Rio de Janeiro.
Nesse momento Filomena chegou com uma cartinha tamborilando em suas mãos e em seguida me entregou. Ela trabalhava há dez anos conosco, já era parte da família e não nos abandonou mesmo quando as economias se reduziram.
-Obrigada Mena!
Ela assentiu me dando um breve beijinho na testa e saiu da sala.
Abri a correspondência misteriosa.
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Setembro de 1904, Rio de Janeiro.
Cara Senhorita Antonella Bella Valentini,
Primeiramente peço que me perdoe-me pela demora em contatá-la, visto que seu pai entrou em contato com este que lhe dirige a carta há alguns meses atrás.
Eu me chamo Ernesto Silva, sou Jornalista e sócio do Jornal Notícias e Cia. Conheci seu pai durante uma entrevista sobre suas descobertas científicas e por fim acabamos nos tornando amigos.
Ele me dissera que a senhorita escreve muitíssimo bem e me apresentou alguns de seus contos, dos quais gostaria de vê-los pessoalmente. Não posso garantir que serão publicados, pois não depende apenas deste jornalista, mas posso analisá-los a fim de poder ajudá-la de alguma forma.
Além disso, soube da perda recente de sua família e gostaria de honrar o apreço que tinha pela amizade de seu pai. Ele me dissera que sentia um forte desejo empregá-la em um Jornal editorial.
Então, tomo a liberdade em lhe oferecer, além do meu total apoio, um cargo neste Jornal como assistente de edição.
Posso lhe assegurar que seu salário será muito acolhedor, visto que terá todas as despesas de uma mudança para o Rio.
Não quero que pense m*l de mim, mas realmente tenho e tinha um apreço inestimável pelo seu pai. Enfim, espero não estar sendo inconveniente ao aguardar pelo seu retorno.
Aos seus serviços, Ernesto Silva.
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Fiquei paralisada.