Treino desde que tinha nove anos e, é claro, sempre disfarçada. Os únicos que conhecem o meu segredo são meu pai, que, apesar de nunca ter dito nada, sei que sabe, afinal, não tem como esconder nada do rei, e o general Rock, que tentou me fazer desistir, mas só se cansou. Hoje, quando me vê, apenas me olha com um olhar de reprovação e segue o seu caminho.
O general é um grande amigo do meu pai, e sei que ele não me treinaria se o meu pai não permitisse. A minha sorte é que a minha mãe não sabe, ou realmente estaria em maus lençóis. A minha mãe tem a velha crença de que uma princesa não pode lutar. Quando criança, eu sempre insistia, e ela me dizia que treinar não era para uma princesa delicada como eu. Mesmo assim, fui obrigada a fazer aula de dança, música e aprender a bordar. A única coisa que ela não me obrigou a fazer foi aprender a cozinhar, o que insisti em fazer. Adoro cozinhar, e me saio muito bem. Contudo, hoje, a única delicadeza que tenho é ao segurar uma espada.
Ainda bem que mamãe não sabe, senão ela enfartaria. No campo de treinamento também está a minha única e melhor amiga, Sophia. Tínhamos também o Solomon, filho do general Rock, mas quando comecei a treinar, ele se mudou para a casa dos seus avós em outro reino. Ele faz muita falta por aqui, as coisas não são as mesmas sem ele.
Sophia trabalha na cozinha do campo de treinamento. É uma jovem muito bonita, com cabelos loiros, olhos castanhos grandes, um rosto em formato de coração e pele clara. Sophia é linda. Ela trabalha para ajudar os pais, que são camponeses e vivem da terra. O nosso reino tem uma grande área voltada para a agricultura, e os seus produtos vendem muito bem. Dessa forma, os camponeses podem ter uma vida mais digna.
Sophia ama cozinhar, e também acha uma loucura uma princesa treinar anonimamente com os soldados.
Atravesso o campo e vou em direção à cozinha, e, para minha sorte, quando chego, encontro Sophia sozinha.
— Oi, Sophia, que cheiro bom! — Ela se assusta e quase derruba a travessa de bolinhos que retirava do forno.
— Kiara! Vai me matar do coração — diz, colocando a travessa na mesa à minha frente.
— Jamais, você é minha única melhor amiga, quero você bem viva — digo, sentando-me e pegando um bolinho.
— Já se esqueceu do Sol, foi? — diz ela, me encarando com a mão na cintura.
— Nunca! Aquele danado faz falta, mas ele é meu melhor amigo, e você, minha melhor amiga — digo com um sorriso travesso. Ela revira os olhos para mim, vai até o fogão e volta com duas canecas de chá. Me oferece uma e se senta à minha frente.
Dou uma mordida no bolinho, e estava maravilhoso, era de canela, um dos meus favoritos.
— Isso está maravilhoso — digo, e ela sorri.
— É porque a sua amiga é ótima na cozinha — diz, se gabando.
— Disso não posso duvidar, você é demais.
— Me lembro quando comecei a aprender a receita, você e o Sol eram minhas cobaias de teste — ela sorri ao lembrar disso, sempre fomos muito próximos.
— Sim, as primeiras tinham um gosto horrível. O Sol só experimentava porque gostava de você.
— É claro que não! — diz ela, e agora é minha vez de cruzar os braços. O meu olhar de incredulidade já diz tudo.
— Ele sempre gostou de você, mas você não ligava para ele.
— Eu sempre pensei que ele gostava de você — diz ela, me encarando. Coloco a minha caneca na mesa e olho seriamente para ela.
— Não, sempre fomos bons amigos, e ele sempre soube que o meu destino era me ligar a alguém da realeza por causa do reino. Mesmo se tivéssemos sentimentos um pelo outro, não seria possível.
— Mas agora nada disso importa. Ele está muito longe, talvez já tenha até uma família — diz ela, triste, com os ombros caídos.
— Talvez não. Solomon não é tão mais velho que nós, talvez uns cinco anos apenas. Não acredito que ele tenha se casado, senão o general Rock já teria comentado algo.
— É, eu sei. Agora para de me enrolar e me conta tudo sobre o encontro com o príncipe — diz ela, ficando animada. — Como ele é? Ele é bonito? Te trouxe algum presente? Já sabe quando vai ser o casamento?
Termino de tomar o meu chá e olho para Sophia com uma sobrancelha levantada e cara de poucos amigos.
— Nem me olhe assim, Kiara. Aposto que você também deve estar curiosa sobre ele — diz ela.
Solto a respiração, que nem sabia que estava prendendo, passo a mão nos cabelos e olho nos seus olhos. Tudo bem! Eu estava curiosa, porque, diferente de outros príncipes que me olhavam com lascívia, o que me dava nojo, ele apenas me olhou com curiosidade e respeito.
— Você me conhece, eu admito, estou sim curiosa sobre ele — digo por fim.
Sophia se levanta, bate palmas e sorri.
— Eu sabia! Finalmente, alguém para aquecer esse seu coração gelado.
Faço uma careta para ela. Ganhei essa fama após um príncipe inútil tentar me agarrar enquanto o meu pai não estava olhando. O resultado foi que joguei uma jarra de água nele e o chamei de porco nojento. Depois disso, ele foi enxotado do castelo.
— Pode parar, é apenas curiosidade. Afinal, eu não o conheço — digo — Apenas isso.
— Está bem, está bem — diz ela, ignorando as minhas palavras. — Mas como ele é?
— Bem, respondendo às suas perguntas, sim, ele é bonito.
Sophia nem espera eu terminar de falar. Começa a pular na cozinha, sorrindo e dizendo que sabia.
— Sabia, Kiara! Tinha certeza de que ele era bonito. Cá entre nós, os outros foram um completo desastre. Já estava na hora de o rei arrumar alguém que preste.
— Você vai me deixar falar ou vai ficar me interrompendo? E os outros... Acho que papai aceitou que viessem mais por cortesia do que por interesse.
— Tudo bem, mas me conta tudo — diz ela, sentando-se novamente.
— Não há muito para dizer. Ele chegou, nos cumprimentou e agora está descansando no castelo.
Assim que terminei de falar, pude ver a cara de decepção de Sophia. É claro que pulei a parte em que ele tinha os mais lindos olhos castanhos que já vi.
— Nossa! Mas você é chata, nenhum detalhe para me contar? — diz ela, fazendo bico, e eu dou risada.
— É simples, minha amiga. É porque não tem detalhes — digo, terminando de beber o meu chá e me levantando. — Tenho que ir, vou aproveitar para treinar um pouco.
— Aproveita, porque daqui a alguns meses você não vai precisar — diz ela, rindo. Apenas balanço a cabeça e saio da cozinha, indo em direção à área de treinamento.
Isso, com certeza, era algo que me deixava triste: saber que não faria mais algo que tanto gostava e pelo qual passei por cima de tudo para conseguir. Isso me chateava muito, mas sabia que não duraria muito. Só posso aproveitar mais um pouco, até que acabe.
Sempre entendi a importância do meu casamento com alguém da realeza. Quando se cresce acostumada aos outros terem grande expectativa a seu respeito, você acaba se conformando com o seu destino. Apesar de que o príncipe Lien não me parece ser uma má pessoa, também não posso julgá-lo antes de conhecê-lo. Quando estou chegando à área de treinamento, tranco os meus pensamentos conturbados. No momento, a única coisa que preciso é gastar um pouco de energia.