Capítulo 14

2609 Words
A cidade vizinha não tinha muitos prédios. Não era uma cidade grande como Londres, mas dava para o gasto. Para chegar nela seria necessário passar por uma estrada de terra até cair na rodovia, somente depois de meia hora se aproximavam do portal de entrada. Assim que tinham chegado ao centro, procuraram pelo endereço do médico. Os três filhos foram acompanhar o pai na consulta. Estavam ansiosos para saber se a queda do outro dia acarretara em algum dano maior. Entretanto Lucius tinha planos ainda maiores do que apenas um raio-x. Precisava atualizar os dois irmãos do atual estado que o Senhor Bailey se encontrava. O idoso em questão ficava olhando a janela do carro lembrando de uma ou outra casa. Entretanto, não fazia tanta questão de dar importância à sua memória quanto a cidade, só estava entediado dentro do carro. Não demorando para chegarem na clínica, Héctor fora o primeiro a sair do carro para pegar a cadeira de rodas e ajudar o pai a se sentar nela. Benjamin segurava a cadeira para que a mesma não saísse rua á baixo, enquanto Lucius entrava primeiro na clínica avisando a chegada do pai. Assim que os três estivessem na recepção não demorou para o médico atendesse. Estava com o cabelo arrumado do mesmo jeito, não parecia ter mudado absolutamente nada desde a última vez que o viram. ― A sala de raio-x já está pronta, podem ir se quiser. Mas será necessário que ele fique em pé. Héctor e Benjamin foram escolhidos para ajudar o pai a caminhar até a sala, seguravam com firmeza o braço de senhor Bailey dando passos pequenos e sem pressa. A sala de raio-x era levemente escura, tendo uma máquina grande posicionada ao seu centro. Os dois filhos ajeitavam o pai em frente à maquina, seguindo as instruções do médico. Em alguns minutos, senhor Bailey afirmava que conseguiria manter-se em pé sozinho, e então o exame se iniciou. Ninguém falava nada, o médico tinha o olhar fixo sobre o monitor enquanto a máquina fazia seu trabalho. A imagem preta e branca surgia aos poucos, o médico analisava e girava a imagem de tudo quanto era jeito. Precisava ver cada ângulo necessário. ― Ah como suspeitei ― Dizia por fim, após a máquina terminar o exame. Héctor e Benjamin faziam o pai voltar a se sentar na cadeira de rodas, logo se aproximando do médico que já apontava para o monitor ― Aqui parece um pouco lesionado, mas não quebrado. Por isso ele deve sentir desconforto em ficar sentado por muito tempo. ― Então não precisa mais usar a cadeira de rodas? O médico voltava a examinar o raio-x, dessa vez a tampa da caneta deslizava por toda a coluna vertebral. ― Eu já tinha avisado ao seu pai que logo as dores iriam aumentar. Ele viveu grande parte da vida sentado, e ainda de forma errada. Isso compromete a anatomia da coluna, sendo assim as dores continuarão. E até arrisco dizer que aumentará. ― O que devemos fazer então? ― É necessário o uso da cadeira ― O médico ampliava a imagem ― Acho necessário fazer mais um exame. Quero ver como estão os nervos, já que a qualquer momento ele poderá deixar de andar. Antes que entrassem em detalhes sobre a suposição do médico, o mesmo fazia uma ligação para algum colega pedindo que organizasse a sala de exames. Os três irmãos não demoraram em levar o pai pelos corredores daquela clínica, indo para os fundos onde encontraram um extenso espaço dividido em salas de exames. O teste a ser realizado era ergométrico, onde senhor Bailey subiria na esteira e andaria numa determinada velocidade. O médico verificava os batimentos cardíacos para averiguar se o mesmo está sobrecarregado. Enquanto aqueles exames estavam feitos com certa urgência, o médico responsável juntava os demais exames antigamente feitos e realizava uma comparação. Demorou-se cerca de duas horas para que todos os exames que senhor Bailey fora submetido tivessem se encerrado. Tão breve os três filhos, mais o pai, se aglomeravam ao redor da mesa do médico. ― Ele ainda conseguirá andar por um tempo ― Dizia o médico olhando os filhos sobre os óculos ― Mas devo alertar que nenhum esforço físico deve ser exacerbado. Quero ele ora sentado repousando e ora caminhando. Além disso existe algo que ele tenha se esquecido recentemente? ― Não que a gente saiba ― Lucius afirmava ― mas acho que ele já não consiga tomar banho sozinho. O corpo dele está ficando duro. ― Com fisioterapia isso pode ajudar um pouco, vou agendar uma consulta ― O médico assentia ― Aos poucos o pai de vocês não conseguirá mais realizar as tarefas, recomendo que desde já conversem entre si o que irão fazer. Surpreso, Héctor se ajeitava na cadeira fitando o médico. ― Como assim? Por que ele não conseguiria? O olhar do médico sobre os outros irmãos deixara-os nervosos. Logo de cara percebia que nada havia sido dito para aquele filho, que julgaria ser o do meio. Soltando um suspiro e olhando para o senhor Bailey, que parecia mais interessado em ler a cartilha sobre a saúde bucal, o médico voltara a falar. ― O senhor Bailey foi diagnosticado com Alzheimer, faz uns quatro anos. O olhar surpreso de Héctor não pairou somente sobre o médico, mas também sobre os irmãos. O que mais lhe chocava era não encontrar a mesma surpresa no rosto deles. ― Vocês sabiam disso? ― Fui eu quem o trouxe para cá ― Dizia Lucius ― Suspeitei quando começou a esquecer os números de telefone e então o nome das pessoas que conhecia. ― E não disse nada por quê? ― Conversamos isso depois, quero saber qual o estado do pai agora. Benjamin se sobrepunha os dois irmãos, que se calaram naquele instante. Com um movimento de cabeça, o filho mais velho permitia o médico a falar. ― Bom, acredito que o pai de vocês tenha começado a desenvolver a doença por volta dos quarenta anos, leva tempo até que os sintomas apareçam. E foi como o senhor Lucius dissera, esquecer telefones, nomes de pessoas que acabou de conhecer, onde guarda determinado objeto. ― E agora? ― Héctor se inclinava para o médico ― Agora ele se encontra em um estágio mais avançando do que antes. Porém vendo a doença como um todo, ainda não está com os sintomas severos. ― O médico mostrava a lista de medicamentos ― Esses foram dados para que os sintomas fossem retardados, e de fato foram. Mas agora não tem mais como controlar, ele vai ficar cada dia mais adoecido. Benjamin reconhecia o nome dos remédios. Estava certo em suspeitar dos remédios que o pai tomava, pois era sinal de algo não ia bem. Olhando para o senhor Bailey que ouvia tudo, porém calado, sentia o seu coração apertar. ― No estágio atual ele poderá demonstrar sintomas como dificuldade em lembrar das pessoas que conheceu recentemente, leituras feitas recentemente, repetição de perguntas ou de alguma história, perder objetos de valor por não se lembrar onde os colocou ou que era tais objetos, e assim segue. ― E o que nos recomenda? ― Como eu disse, precisam conversar entre vocês. A partir de hoje, seu pai não pode ficar sozinho. ― O que acontece? ― Héctor perguntara ― Além de acontecer quedas, como dessa vez. ― Na medida que a doença avança, o senhor Bailey vai desconhecendo a vida em sua volta. Não irá conseguir tomar banho sozinho, e como podem ver agora, ele ficará cada vez mais silencioso quando era para ser mais ativo. ― Todos os olhares foram para o Senhor Bailey, que apenas sorria brincalhão mesmo sem estar acompanhando a conversa. ― Chegará o momento em que ele vai esquecer o próprio endereço, e poderá se perder com facilidade. ― E essa doença pode afetar o corpo dele? O médico remexera nos resultados em sua mesa. ― Considerando o estado atual de seu corpo, acredito que aproximando dos estados severos da doença ele poderá ficar acamado por conta dos membros rígidos demais. Um arrepio se passava entre os três filhos. No final das contas estavam vivenciando algo pior do que imaginaram. Em breve momento os quatro estariam dentro do carro voltando para casa de madeira, quietos depois de ouvir as palavras do médico. Para quebrar de tal silencio, Benjamin deixara o rádio ligado tocando alguma música antiga. Senhor Bailey sorria nostálgico cantarolando animadamente no banco de trás. ― Ah papai, por que não continua contando a história? Depois que você beijou o Henry pela primeira vez... O idoso olhou para o filho caçula soltando uma risada baixa. Estava envergonhado por ter que contar aquilo aos filhos, principalmente por ser algo tão íntimo. Mas já teria sentido isso e até superado, entretanto ele retornava. ― Aquela noite foi a única vez que nos beijamos, depois disso investi na amizade. O resto ficava tudo para o jardim secreto. ●●● INTERIOR DO INGLATERRA, 12 DE MAIO DE 1965 O período de aulas se seguia normalmente, Franchesco mantinha suas notas na média e Henry demonstrava seus dotes acadêmicos. Em meio aos demais alunos os dois rapazes não demonstravam sinais de afeto, porém Franchesco sempre escolhia o mais baixo para ser o seu parceiro nas atividades. Isso seria parte de sua vingança por Adrian ter matado aula sem o amigo. Entretanto eles trocavam olhares cheios de significados, além dos sorrisos demonstrando a cumplicidade que crescia. Não importava o que acontecia ali, ambos eram culpados e aproveitavam bem daquilo. Camille, a garota popular do terceiro ano, estava ficando cada vez mais próxima de Franchesco também. Não enrolava quanto aos seus objetivos, queria namorar o garoto Bailey. Percebendo que sua aproximação na sala de aula não surtia efeito, passou a almoçar com os três rapazes. Rindo de qualquer piada m*l contada, mexendo no cabelo enquanto olhava para Franchesco, tentava ganhar atenção. Assim que percebeu o jogo de cintura da garota, Franchesco escapava no almoço, passando no jardim. Mesmo que ficasse sozinho sob um galho de árvore escondido entre as folhagens, já que Henry sempre almoçava no refeitório. Mesmo assim Camille não desistia, cercava o garoto de cabelos brancos na saída o acompanhando até o dormitório. De vez em quando o maior respondia-lhe com grosserias, mas nada que a afastasse. Estava se sentindo sufocado, e parte de sua irritação eram os rumores de que ambos estavam namorando. Não demorou para que tais rumores chegassem aos ouvidos do diretor, que os convocou em sua sala para tirar satisfação e acentuar sobre as regras que não permitiam relacionamentos. Franchesco ficara extremamente satisfeito em desmentir o rumor, que fora iniciado pela garota que o seguia, sendo que uma ordem lhe fora dada. Camille não poderia ser vista ao lado do senhor Bailey. Enquanto ansiava pelos ponteiros do relógio, que iriam marcar as três da tarde, Franchesco batia a ponta dos dedos sobre a mesa de madeira. Mordendo o lábio inferior, compreendia que o motivo de sua ansiedade se encontrava algumas carteiras a frente copiando matéria com total calma. Seria o único a estar nervoso? O sinal soara repentinamente, os alunos suspiravam aliviados guardando o material com certa pressa em saírem das salas de aula. Franchesco não fora diferente, apenas socara seu caderno enquanto via Henry já saindo da sala. ― Que rápido. Rindo baixo apenas se despedira de Adrian, havia dito que iria pular o muro e sair para a cidade. Em disparada conseguia se esquivar dos alunos, evitando de ser pego. Como criara o hábito, se escondia atrás do carro esperando o intenso movimento de alunos se dissipar. Demorara alguns minutos, e assim que estava convicto saíra correndo até a porta de madeira. Antes que entrasse, tentou acalmar sua respiração fazendo uma contagem. Assim que fechou a porta atrás de si já conseguia ouvir a voz de Henry, cantarolando próximo ao banco branco. Jogara sua bolsa no gramado seguindo na ponta do p,é ia se aproximando do garoto mais baixo sem que fosse pego. O encontrando de costas para si, abraçou-lhe a cintura depositando um selar delicado em sua bochecha, fazendo Henry sobressaltar-se arrepiado. ― Que susto Franchesco! ― O garoto ria logo voltando a atenção para as plantas ― Pensei que iria sair com sua namorada. Franchesco permanecia com as mãos sobre a cintura do garoto, enquanto apoiava a cabeça sobre a semelhante. ― Não tenho namorada, estou interessado em outra pessoa. ― Quero ver falar isso para ela. ― Se você deixasse, eu diria. Henry olhava para Franchesco, mostrou a língua e soltou um riso baixo. Estando sozinhos em um jardim secreto, poderiam ser eles mesmos sem ter que dar satisfação a ninguém. Por isso Franchesco sentia-se livre em segurar o queixo de Henry e depositar um demorado selar em seus lábios. Tal selar que fora bem retribuído pelo menor. A troca da caricias sempre era feita ali. Poderiam conversar sobre tudo o que quisessem sem terem vergonha ou medo de segurar a mão do outro. Não se preocupavam com que título iriam ganhar, ou se precisavam de algum. Apenas queriam aproveitar a presença um do outro. Com os lábios ainda encostados, Henry soltava o regador deixando que caísse no grama espalhando toda a água, para virar e abraçar a cintura do rapaz mais alto. Como se sentisse falta de um beijo, Franchesco novamente passava a ponta da língua entre os lábios do menor o persuadindo a aprofundar o toque. Quando o fez as mãos do maior deslizaram por seu rosto, descendo em seu pescoço e braço até chegar na cintura fina, onde repousou e o apertou. Os dígitos de Henry faziam o movimento contrário, subiam pelos bíceps do maior apertando com certa força. Quando menos se esperava ambos os corpos estavam encostados, em uma certa urgência de sentirem o contato do outro. Com o final do beijo, Franchesco apreciava os lábios inchados e úmidos de Henry, controlando seu impulso de tomá-los outra vez seguida. ― Pretende ficar roubando meus beijos? ― A voz do menor soava como sussurros, arrepiando a face do maior. Com os rostos ainda próximos, estava sorrindo diante do olhar petrificado de Franchesco. ― Sou tão irresistível assim? ― Você é, eu sou ― O sorriso brincalhão despontou dos lábios de Franchesco fazendo ambos rirem. Soltando a cintura do garoto, Franchesco deixara com que ele retornasse às suas atividades, enquanto o outro tirava um cochilo no banco. Os dois rapazes conseguiram aproveitar o final da tarde. Quando o horário de retornarem aos dormitórios se aproximava, a troca de beijos e caricias ficara intenso junto com o desejo de ficarem juntos. Mesmo que um risse do outro, por conta de piadas bobas e supérfluas, ambos se sentiam ansiosos pelo futuro. Ao retornar para o dormitório, Franchesco resolvera passar pelo hall de entrada onde ficava a recepção. Era uma certa rotina do rapaz mais alto, já que seus pais lhe enviavam cartas com frequência. Quando fazia as contas de vinte dias, saberia que uma nova carta estava à sua espera. E de fato havia uma. Ao assinar a ata confirmando ter recebido e pego a correspondência, Franchesco seguia para seu quarto enquanto lia o conteúdo. Não demorou para que sua fisionomia descontraída desse lugar para uma de descrença. Negava com a cabeça o que lia, rejeitando por completo o seu conteúdo. Ao fechar a porta do quarto e sentar-se na cama, deixou que as duas páginas de carta ficassem sobre o colchão. O olhar furioso e o sorriso malicioso tomavam conta de si. ― Noiva? Só pode ser brincadeira. Naqueles dias bonitos Cada pedacinho de memória dos tempos que eu passei com você... Promise― Exo ━━━━━━ ◦ ❖ ◦ ━━━━━━
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD