Apartamento

732 Words
Quando Letícia e Daniel chegaram ao prédio no qual morariam pelos próximos quatro anos, se impressionaram com o fato de ser muito perto da universidade. Em quinze minutos, dava pra chegar lá a pé. Por outro lado, Daniel não gostou muito aparência do lugar. – Esse prédio está meio acabado. E só tem cinco andares. - ele reclamou, enquanto tirava a bagagem de dentro do porta-malas do táxi. – É meio velho, mas parece ser um bom apartamento. - ponderou Letícia, enquanto se esforçava para arrastar a mala enorme que trouxera. – Eu estava esperando uma coisinha bem melhor. Meu pai não me contou que era dono de um prédio mais antigo que ele. – Seu pai é dono do prédio? - perguntou Letícia. – É. - confirmou Daniel - Achei que você soubesse. – Eu pensei que ele fosse dono de um dos apartamentos. Não do prédio todo. A família de Daniel tinha uma condição financeira muito boa. Letícia parou pra pensar que talvez por causa disso, Daniel tenha sido a criança mais mimada e mais insuportável de todos os tempos. Agora ele era um rapaz alto de dezenove anos, com um porte atlético que ele desenvolvera graças à pratica de todos os esportes imagináveis. Era um cara bonito, mas para Letícia, a total falta de modéstia anulava essa qualidade. Carregando um monte de mochilas e malas, Daniel e Letícia passaram pela portaria e entraram no elevador. Daniel tirou uma chave do bolso e a entregou para Letícia. – Essa é a sua cópia da chave. Não perca. Letícia olhou para a chave em sua mão, silenciosa. Aquela chave era, de algum modo, a confirmação de que a vida dela mudaria radicalmente. Letícia só não sabia se seria para melhor ou para pior. O apartamento era no último andar, e já estava mobiliado. Os dois entraram, jogaram as malas num canto e começaram a explorá-lo. Letícia achou o lugar grande o bastante e se surpreendeu ao ver que ali já tinha tudo o que eles precisavam, exceto comida e produtos de limpeza. – Temos que fazer compras. - disse ela. – Pode ser amanhã? Agora que a gente chegou, tô com preguiça de sair de novo. – Tudo bem. A garota entrou na pequena varanda do apartamento e viu os carros se movimentando na rua, lá embaixo. – Eu gosto dessa cidade. É tão bonita e organizada. Sabia que Brasília é considerada patrimônio cultural da humanidade? - disse a garota - Não vejo a hora de conhecer os pontos turísticos. – Bem, eu não. Acho essa cidade meio entediante. O único atrativo daqui são essas construções estranhas do Niemayer que, aliás, não me interessam nenhum pouco. - falou Daniel. – Ei, e isso me lembra... - Letícia olhou para ele com curiosidade - Por que raios você foi escolher justamente a Universidade de Brasília? Porque quis sair de São Paulo, se nem gosta daqui? – Eu não podia continuar morando com os meus pais. Sabe, minha mãe me trata como se eu tivesse cinco anos de idade. E meu pai, ele... Estava doido pra eu estudar em uma universidade pública, de preferência longe de São Paulo. – Por quê? - perguntou Letícia. – Meu pai acha que eu preciso aprender a me virar sozinho, ter mais responsabilidade, e blá blá blá... Ele disse que eu aprenderia muitas coisas saindo da minha zona de conforto. Como ele tinha esse apartamento aqui em Brasília, eu vim pra cá. Fim. Letícia gostava muito de Verônica, a mãe de Daniel. Já o pai dele era um homem rígido demais, excessivamente focado no trabalho e sem dúvida apegado ao dinheiro. Ele pressionava demais o Daniel, e isso a incomodava, por algum motivo. – As aulas começam depois de amanhã. - lembrou Daniel. - Animada? – Pra estudar e pra conhecer a universidade, com certeza. Pro trote? Nem tanto. Vou dedicar a primeira semana a fugir de pessoas que queiram jogar tinta em mim. – Ah, mas aí, você perde a diversão. - disse Daniel. – Claro, porque não há nada mais divertido que passar horas tentando tirar cascas de ovo do cabelo. - ela respondeu sorrindo, enquanto continuava a olhar a movimentação da rua, lá embaixo. Daniel riu e olhou pra o braço dela, involuntariamente. Parou de sorrir assim que viu a cicatriz fixada na pele dela. Não era uma marca muito grande, mas estava lá, exposta. Aquilo não sairia nunca, pensou Daniel. Aquela pequena cicatriz estaria sempre lá, obrigando-o a se lembrar que Letícia tinha todos os motivos do mundo para odiá-lo.
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