final de semana

2890 Words
O fim de semana arrastou-se. Adam classificou dezenas de fragmentos de cerâmica, recolocou parte do teto caído da kiva e tentou ler uma nova revista sobre as cerimônias dos mimbres. O trabalho físico lhe permitia esquecer Robin por alguns momentos, mas a leitura mostrou-se inútil. No domingo à tarde, os estudantes foram almoçar em um restaurante em Farmington; Adam deu uma longa caminhada. As nuvens juntarem-se a oeste e vieram tampar o sol. Desta vez, a chuva caiu. Os pingos grossos atingiram a terra poeirenta em grande quantidade, até transformá-la em lama. Adam continuava andando, com as mãos nos bolsos, a água entrando em seus olhos, numa tentativa de reintegrar-se na harmonia da natureza. Não parecia ter muito sucesso, porém... Devia ter contado a ela. Ainda se lembrava da expressão magoada de Robin no sábado de manhã, implorando respostas. Amigos, ele dissera. Não podia culpá-la por ter ido embora. Ele não podia lhe dar o que ela queria. Seus pés escorregavam na trilha embarreada. Um fio d'água corria pelo leito usualmente seco do riacho. Chaco. Novecentos anos antes, aquele líquido vital teria sido aproveitado para a preservação da comunidade. Agora, simplesmente se perdia, sugado pela terra sedenta para nutrir as poucas plantas. Uma terra estéril, vazia e desolada como ele. Robin o amara com todo seu ser, corpo e alma. Por que ele cedera e deixara a situação chegar naquele ponto? Porque se sentia fraco e sozinho, porque queria uma mulher. Mas não qualquer mulher; ele queria Robin. Bem, estava tudo acabado e, se tivesse juízo, não mexeria mais no problema. A segunda-feira não foi muito melhor. Sua própria memória o atraiçoava: Robin em seus braços, Robin rindo, Robin contando histórias engraçadas... Tudo parecia evocar uma lembrança, uma sensação. Tinha uma v*****e irresistível de ir até o centro de visitantes e telefonar para a loja dela. Estaria em segurança? Cumprira a promessa de dormir na casa dos Dalton? Rod descobrira alguma coisa? Mas não cedeu à v*****e, porque isso significaria começar tudo de novo, ouvir a voz dela, desejá-la. À noite, pegou seu saco de dormir e deitou-se ao ar livre. A lua estava quase cheia, como um belo disco de prata. Adam tentou relaxar, abrir sua mente para as forças poderosas que impregnavam o universo. O método apache talvez lhe trouxesse paz de espírito, já que os métodos do homem branco pareciam não funcionar. Desejou poder ir até a reserva apache onde vivia seu tio, tomar um banho ritual, invocar os espíritos e ser limpo, curado. Mas a cerimônia era longa e precisava ser marcada com semanas de antecedência para que os preparativos pudessem ser feitos. Portanto, teria de esperar e suportar a dor sozinho. Os apaches desprezavam os covardes. Seria ele um covarde? Ou apenas um homem tentando fazer o melhor sob as circunstâncias? Não tivera outra escolha quando dispensara Robin na manhã de sábado. Talvez se ela não houvesse dito tão sinceramente, tão decididamente, como julgava importante possuir uma família, como sonhava em ter um dia uma grande família... Talvez se ela declarasse que não queria filhos, como era o caso de várias mulheres atualmente, ele não sentisse a terrível necessidade de afastar-se de Robin. Fitou a face gorda da lua e relembrou os cantos apaches, o fogo e os tambores, as danças, fantasias e máscaras, a i********e com o mundo além do humano. Poderia viver sem nunca mais ver ou tocar Robin? Sua mente dizia que sim, mas o coração rebelava-se contra a decisão. Já sentia falta dela, mais do que poderia ter imaginado. E se lhe contasse a verdade? Se ela o amasse, iria aceitá-lo. Muitos casais não tinham filhos. Quanto à família, havia suas irmãs, seus sobrinhos... Mas, por dentro, receava revelar seu segredo a Robin. E se ela sentisse pena? Ou se ficasse com ele por senso de obrigação e depois guardasse esse ressentimento por toda a vida? Adam passou a mão pelo rosto. Era melhor esperar que o tempo os curasse. Na terça-feira de manhã, decidiu que já havia fugido demais de suas responsabilidades no caso dos falsificadores. Era muito fácil permanecer no canyon e enganar-se dizendo que a situação se resolveria sozinha. Josefina Ortega sabia o que se passava e talvez pudesse lhe dar mais informações. O problema era que, abandonando a passividade, teria de defrontar-se outra vez com Robin. Teria de fingir que eram meros conhecidos, controlar seus sentimentos e tentar concluir aquele assunto do pote sem causar mais sofrimentos para nenhum dos dois. Dirigiu-se ao centro de visitantes e telefonou para Rod Cordova. Como suspeitara, as investigações estavam paradas. Desculpe, Adam, mas não consegui nada com o tal Martinez. Não vou arquivar o caso, claro, mas será muito difícil provar que existe uma quadrilha de falsificadores. O telefonema seguinte foi para sua mãe. Quando lhe pediu para falar com Josefina e explicar o perigo em que colocara Robin, Christina hesitou. Mamãe, foi você quem contou a Josefina sobre a falsificação. Apenas ligue para ela e peça que procure cooperar quando eu chegar aí. Ela confia em você. Ah, Adam, eu não sei. Josefina tem medo da própria sombra. Mas vou tentar. Faltava apenas Robin. Ela era a verdadeira chave para a cooperação de Josefina. Adam saiu do prédio, levantou o rosto para o sol, fechou os olhos por um momento e pediu forças. Ericka Dalton estava sentada atrás do balcão da loja quando a porta se abriu. Ela levantou os olhos e sorriu. Bom dia, sr. Farwalker. Bom dia. Robin está aí? Está nos fundos, com uma cliente. Ericka baixou a voz. A mulher vestiu-se de Maria Antonieta e trouxe dois poodles franceses. Acho que Robin vai estrangular esses cachorros. Do fundo da loja, veio o som de latidos agudos e a voz brava de uma mulher. Ericka riu. Ela vai demorar? Pelo menos mais meia hora. Então eu volto daqui a pouco. Adam foi comer alguma coisa e retornou antes que a meia hora tivesse se passado. Robin estava conversando com uma sombra em um traje completo do século XVIII: saia ampla de cetim, corpete decotado, peruca branca de cachos. Dois poodles brancos pulavam e latiam a seus pés. As provas ficarão prontas quinta-feira. Robin perturbou-se por um instante ao ver Adam, mas pareceu recuperar-se em seguida. Pode trocar-se na sala dos fundos, sra. Downing. Ericka, vá almoçar agora. A moça olhou de Adam para Robin e, silenciosamente, pegou sua bolsa e desapareceu. A loja, de repente, ficou vazia e quieta. Adam coçou o pescoço, pouco à v*****e. Robin ele começou, vendo-a caminhar para trás do balcão e mexer em alguns papéis, deliberadamente o ignorando. Ouça, tenho de falar com você. É sobre a mulher índia que veio visitá-la. Eu escondi algumas coisas de você... Robin ouviu em silêncio, com uma expressão imparcial, enquanto Adam contava sobre Josefina Ortega. Depois jogou os cabelos para trás e apoiou as mãos sobre o balcão. Por que você não me contou isso antes? Queria mantê-la fora disso. Mas agora tenho de pedir sua ajuda outra vez. Bem, não vejo o que eu possa fazer. Ela permanecia atrás do balcão, como para proteger-se. Vou falar com Josefina esta tarde. Gostaria que você estivesse presente. Se lhe contar o que lhe aconteceu, tenho certeza de que ela vai decidir cooperar. Espero que nos leve até John Martinez. Por que ela iria querer nos ajudar assim de repente? Pedi a minha mãe para conversar com ela e persuadi-la. Robin olhou para a rua, pensativa. Adam sabia que ela estava relutante e não podia culpá-la. Não devia nem ter ido procurá-la. Está bem, eu vou com você. Hoje à tarde? Tenho de estar de volta às sete horas da noite. Shelly e Chuck vão dar um jantar. Não se preocupe. Obrigado pela boa v*****e. Posso vir pegá-la às duas horas? Tudo bem. Maria Antonieta, agora vestida como uma mulher comum, saiu da sala dos fundos com seus poodles nervosos. Adam despediu-se e foi embora. Às duas horas, ele estacionou diante da loja. Robin já se encontrava a sua espera, graciosa em uma saia bege justa abotoada na frente e uma blusa verde de linha com ombros estruturados. Toda vez que a via ela lhe dava a mesma impressão: uma pessoa linda, cheia de vida e de amor. Esqueci de perguntar para onde vamos ela comentou, entrando no carro. Para San Claro. Josefina mora lá. Por que ela não procurou você? Afinal, ela nem me conhece. Porque desejava permanecer anônima Os índios não gostam de se envolver. Era uma mulher tão meiga. Talvez fique assustada ao nos ver chegar assim. Espero que minha mãe já tenha falado com ela. A tensão no carro parecia pesar sobre Adam. Era como se uma centena de perguntas estivessem enterradas sob a superfície do silêncio, como lava em um vulcão, prestes a explodir. Ele a fitou disfarçadamente. Robin parecia rígida e distante, sem sua exuberância usual. Mas ele a queria tanto quanto naquela noite em Chaco. Era quase insuportável tê-la tão perto, sentir seu perfume, saber os segredos que se escondiam sob a roupa, a maciez da pele, o gosto dela. Com desgosto, voltou a concentrar-se na estrada. Havia coisas impossíveis de serem alteradas e seu problema era uma delas. Precisava aceitá-los e conformar-se com o destino. San Claro era uma das mais antigas povoações habitadas do Novo México. Localizava-se em um vale fértil cercado de colinas arredondadas. As casas eram mais dispersas do que em San Lucas e altas árvores davam sombra à capela espanhola na praça. Encontraram Josefina trabalhando diante de seu estúdio. O filho a ajudava a queimar as peças, que iam adquirindo a cor n***a lustrosa pela qual seus trabalhos eram tão famosos. Adam e Robin aproximaram-se do fogo. Ao vê-los, Josefina interrompeu o trabalho, com uma expressão insegura Josefina, você teria um momento para conversar conosco? Sua mãe me telefonou ela disse, quase em um murmúrio. Prometi que iria ajudá-la. Robin estendeu a mão para Josefina e sorriu. É uma prazer vê-la outra vez. Josefina os levou para dentro do estúdio, uma grande sala cheia de montes de argila, potes inacabados, escovas e pincéis, ferramentas e desenhos. Sobre uma longa mesa, havia fileiras de peças prontas de todo tamanho e forma, algumas coloridas, mas a maioria no estilo preto sobre preto que valera aplausos internacionais para Josefina. Que maravilha! Robin exclamou, entusiasmada. Gosta? É o trabalho de uma vida inteira Josefina disse, com modéstia Mas venham sentar-se para podermos conversar. Adam e Robin a acompanharam por uma porta que dava para a cozinha. Josefina colocou uma cafeteira no fogo e indicou-lhes as cadeiras em torno da mesa. Christina me disse que você vai resolver esse crime dos potes falsos e que eu posso ajudá-lo. Mas, primeiro, quero pedir desculpas à srta. Hayle por não ter contado quem eu era. Só estava querendo ajudar, mas as coisas não saíram como pensei. A senhora falou com John Martinez depois daquele dia? Robin indagou. Não. Deixei um recado, mas ele não respondeu. Adam ficou aliviado por Josefina não saber que Rod Cordova havia interrogado Martinez. Ela não iria gostar. Sentia-se um pouco culpado por usar uma mulher inofensiva daquele jeito, mas precisava descobrir mais sobre John Martinez. Josefina, nós gostaríamos muito de conversar com John. Ele poderá nos ajudar a encontrar essas pessoas que encomendaram os potes. Isto é, Adam pensou, se o próprio John não estiver envolvido. Eu quero ajudar, mas sei tão pouco. Talvez eu convença John a falar com vocês. Talvez não. Ela trouxe uma bandeja com as xícaras para a mesa. Parecia cansada e triste. Josefina, preciso lhe contar o que aconteceu com Robin quinta-feira à noite. Ele falou sobre o desabamento da kiva, sobre o índio suspeito e a caminhonete que jogara Robin para fora da estrada. Josefina empalideceu e sentou-se visivelmente abalada. Como vê, isso precisa acabar. Não só pela segurança de Robin, mas também para proteger a reputação de todos os ceramistas índios. Meu Deus, o que devo fazer? Josefina estava quase chorando. Leve-nos até Martinez. Se você lhe disser que somos de confiança, ele conversará conosco, não é? Não sei. Podemos tentar interveio Robin. Não podemos? Josefina fez um sinal afirmativo com a cabeça. A primeira batalha estava vencida. Iniciaram a curta viagem até San Lucas. No banco de trás, Josefina torcia as mãos, nervosa. A senhora está agindo bem Robin tentou tranquilizá-la. Não se preocupe. John vai ficar bravo quando vir que eu trouxe dois estranhos. Tudo vai dar certo, fique tranquila. Robin começou a fazer perguntas. Adam sorriu. A curiosa Robin, sempre querendo saber tudo sobre todos. Como aprendeu a fazer cerâmicas tão lindas? Isso é coisa de família? Ah, em casa todos ajudam. Eu aprendi com uma tia, mas o preto sobre preto eu descobri sozinha, fazendo experiências com várias técnicas. Eu adoraria vê-la fazer um vaso! Terei prazer em lhe mostrar. Sabe, a senhora seria a pessoa perfeita para organizar os ceramistas. Se vocês formassem uma organização, então todos os membros poderiam ser prevenidos contra pessoas como as que encomendaram o pote a John. A senhora me entende? Uma organização? Sim, poderia funcionar. Como nossa associação em Santa Fé. Vocês poderiam proteger a si mesmos. Eu não sei... Seria uma coisa ótima, Josefina. Eu não saberia como começar. Eu a ajudarei Robin ofereceu-se. É uma boa ideia, Josefina Adam opinou. Um dia os índios terão mesmo de fazer isso. Mas eu sou apenas uma ceramista. Não sei se saberia o que fazer. Robin achou melhor não insistir. Josefina precisava de tempo para se acostumar com a ideia. Em San Lucas, ela os conduziu à casa de Martinez. Estacionada na frente havia uma velha caminhonete enferrujada, como a que jogara o carro de Robin para fora da estrada. Mas era ridículo supor que fosse a mesma, Adam pensou. Existiam pelo menos mais vinte daquelas só em San Lucas. No entanto, Robin pareceu ter a mesma ideia, pois também olhou para o veículo. Josefina bateu à porta enquanto Adam e Robin esperavam no carro. Não queriam assustá-lo. A situação já era suficientemente difícil. Afinal, era possível que Martinez fosse culpado, apesar de Josefina pensar o contrário. Um homem abriu a porta e Josefina levou vários minutos para acalmá-lo. Quando ela retornou ao carro, parecia aborrecida. Ele vai falar com vocês, mas ficou zangado, como eu pensei. Acho que não lhes dirá muita coisa. Ela baixou os olhos. Desculpem. Você fez o melhor que pôde Adam garantiu. Vamos ver o que John tem a nos dizer. John Martinez era magro, cerca de quarenta e cinco anos, e tinha argila enfiada sob as unhas. Fumava cigarros sem filtro um atrás do outro, evidentemente ansioso. Falou algo a Josefina em tewa, sua língua nativa. Disse que os homens que encomendaram o pote o ameaçaram. Ele n******e contar nada. Explique que ele não terá de ir à polícia. É só nos contar quem são esses homens e nós nos encarregaremos do caso garantiu Adam. Josefina transmitiu o recado e Martinez os fitou com um olhar arredio, incerto, temeroso. Conte a ele o que me aconteceu Robin sugeriu, levantando a franja para mostrar o corte na testa. Martinez pareceu chocado com a história e um longo silêncio se seguiu depois que Josefina acabou de falar. Por fim, ele virou-se para Adam. Quando uma mulher se fere a situação é grave ele afirmou, em um inglês carregado de sotaque. Vou lhes contar. Quero que saibam que só fiz aqueles potes porque o homem veio me procurar dizendo que era de um museu. Queria que eu copiasse uns potes de fotografias que me mostrou. Era para estudos. Eu acreditei nele e fiz um trabalho caprichado, até com as manchas nos lugares certos. Não ganho muito dinheiro com esses potes. Adam ouvia em silêncio, não querendo perturbar a narrativa. Percebia Robin a seu lado, com o rosto cheio de preocupação, sentindo pena de John Martinez. Ela acreditava no homem. Mas seria possível que aquele índio de aparência inócua tivesse tentado m***r Robin? Estaria mentindo? Dois homens vêm todos os meses pegar os potes. Eu não sei quem são. Os mesmos homens? Adam perguntou. Sim, mas usam chapéu e bigodes que parecem falsos. Pegam os potes e deixam o dinheiro. Só isso. Como o senhor entra em contato com eles? Robin indagou. Eles me deram um número de telefone, mas é uma dessas máquinas para a gente deixar recado. Uma secretária eletrônica. Eu só liguei uma vez, porque não tenho telefone. O senhor tem o número aí? Adam perguntou, com cuidado. Após um momento de hesitação, ele enfiou a mão no bolso, tirou uma carteira e examinou vários pedaços de papel. É este. Ele mostrou o número e Robin o anotou. Vocês não vão dizer que fui eu que falei, não e? Não. E, por enquanto, é melhor você continuar fazendo os potes Adam aconselhou. Só por prevenção. Você é nossa única ligação com esses falsificadores. Lembra-se de mais alguma coisa que possa nos contar? Martinez ficou em silêncio por alguns segundos e, então, soltou um longo suspiro. Eles vêm cada mês com um carro diferente. Mas tem um que eu lembro mais que os outros. Era uma caminhonete muito bonita, verde e prateada, com pintura de um deserto em uma das portas. Gostaria de ter um veículo como aquele. Mas Robin estava levantando da cadeira, com os olhos arregalados. Meu Deus! Eu conheço essa caminhonete!
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