Calma

2536 Words
Robin nunca havia percebido quantas vezes por dia ela e Shelly faziam um intervalo no trabalho para conversar. Se não iam uma até a loja da outra, era um telefonema rápido ou um almoço no restaurante da praça. O dia começou com biscoitos. Oi, que tal algumas calorias, magrela? Shelly cumprimentou, mostrando um saco de papel da padaria. E, pela primeira vez em anos, Robin não tinha apetite. Comeu um só para não aborrecer a amiga. Obrigada. Ainda está deprimida? Acho que sim Robin respondeu, chateada por estar enganando a amiga. Esse homem pode ser bonito, mas é um conquistador barato, Robin. Ainda bem que você desistiu de tentar achar esses falsificadores. Por quê? ela indagou, pálida. Assim Adam não vai mais ficar entrando e saindo de sua vida. É melhor desse jeito. Ah... Você já pensou que eu vou ser uma mãe sem filhos nesta sexta-feira? Ericka vai voltar para a faculdade. É, não sei como vou me virar sem ela Robin comentou, mas estava contente por não precisar ver Ericka todo dia e tratá-la como se nada tivesse acontecido, enquanto mil dúvidas perturbavam sua mente. Ela está em Albuquerque hoje, gastando aquele dinheiro extra que você lhe deu. Parece que há um novo shopping center. Tomara que ela se divirta. Não era nem meio-dia quando Shelly apareceu outra vez. Que tal um jogo de tênis depois do trabalho? Eu, ahn... Ah, é mesmo, há a reunião da associação esta noite. Que d***a! Talvez um outro dia Robin murmurou. Ela passou a maior parte da tarde examinando provas de fotografias e recebendo clientes, mas às quatro horas já estava melancólica de novo, sozinha, com o queixo apoiado nas mãos, pensando em como enfrentaria a reunião daquela noite ou as tarefas cotidianas do dia seguinte e dos outros que se seguiriam. A vida já não parecia interessante sem Adam por perto. Talvez devesse ir a um psicanalista, tentar descobrir onde havia errado e como lidar com a solidão. Quem sabe nem houvesse uma resposta para isso. Ei, são seis e cinco Chuck chamou da porta. Você vai à reunião, não é? Ela não conseguia mais nem olhar seus amigos de frente. Como iria aguentar? A Associação Comercial de Santa Fé parecia estar se desintegrando naquela noite. Robin estava assombrada. E tudo começara porque Adam Farwalker passara certo dia por sua loja e vira a fotografia. Niles Warner, proprietário de um restaurante local, começara a confusão. Então eu devo contribuir com meu dinheiro para um folheto que essa tal de comissão especial inventou? De jeito nenhum! Calma, Niles tentou Julien. Eu nem vendo sequer obras de arte! ele prosseguiu. Ninguém pode falsificar um bife ou um pé de alface. Talvez meus colegas devam pensar em mudar de ramo. Estou de pleno acordo interveio um dono de hotel. Não há razão para que alguns de nós sejamos penalizados porque alguns colecionadores de arte compram falsificações por engano. O velho Thad Mencimer levantou-se como um raio. Quem disse isso? Eu disse! Thad encarou o dono de hotel. As veias em seu pescoço pulsavam. E se você precisar de ajuda em seu hotel, com estacionamento ou algo assim, não vai trazer o problema para cá? Posso cuidar de mim mesmo. Lorraine Mencimer puxou o braço do marido. Vamos fazer um pouco de ordem? pediu Julien. Não adiantou. Madeline levantou-se e apoiou o presidente. Não vamos chegar a lugar nenhum assim. A maneira como costumamos decidir as coisas é pelo voto. Vamos votar a questão do folheto e talvez possamos dar um jeito de escalonar os pagamentos. Isso mesmo veio uma voz do fundo da sala. Mas quero saber mais desse folheto. Vamos descobrir em que estaremos investindo nosso dinheiro. Seu dinheiro protestou Niles. O meu não. Robin ouvia em silêncio, tão tensa quanto os outros. A cidade parecia polarizada entre várias facções, cada uma defendendo seus interesses pessoais. A votação demorou quarenta e cinco minutos, mas o folheto foi eleito por uma margem estreita, e apenas porque os donos de galeria ficaram no alto da tabela progressiva de pagamento e os outros comerciantes na faixa mais baixa. Bem, agora vamos passar para algo menos controverso, se pudermos Julien pronunciou-se. Gostaria que Robin Hayle subisse aqui por um minuto e explicasse a ideia que ela sugeriu em uma das reuniões da nossa comissão especial. Robin demorou um momento para lembrar qual era a ideia, tão atordoada estava sua cabeça. Boa noite ela começou. Como Julien mencionou, eu tive outra ideia sobre como acabar com essas falsificações. Pigarreou, tentando formular em sua mente o que iria dizer. Era terrivelmente difícil, não somente porque detestava falar em público, mas também porque já não tinha tanto interesse naquela questão. Espero que não vá nos custar nada alguém disse. Não se preocupe. O que eu tenho em mente é uma associação de artesãos indígenas, mais ou menos nos moldes da nossa. Segundo fui informada, a comunidade indígena nunca se organizou e os artistas trabalham de forma muito independente. Com uma associação haveria comunicação, e talvez os artesãos honestos policiassem os menos honestos. Como sabe se irá funcionar? perguntou uma mulher na primeira fila. Os índios vivem em comunidades muito fechadas. Os pueblos ainda odeiam os navahos, os zunis não confiam nas tribos do Rio Grande. E qualquer coisa que a comunidade branca sugerir vai provocar suspeitas entre eles. Eu sei. Talvez não dê certo, mas acho que vale a pena tentar. Pelo menos, não custará nada a ninguém. Eu concordo com a objeção disse Thad Mencimer, levantando-se. Não sei se os índios irão querer se organizar. Será que não vão achar que é mais uma interferência nossa na vida deles? Espero que não Robin respondeu. Estou pensando em pedir a ajuda da sra. Farwalker. Todos sabem como ela é influente. Talvez nós consigamos. Bem, alguma pergunta? Comentários? Algumas pessoas se pronunciaram. Vários membros expressaram suas dúvidas quanto à capacidade de organização dos índios. Mas Ben Chavez, Chuck Dalton e Julien deram apoio integral. Acho que nem precisamos votar, certo? perguntou Julien. Obrigado, Robin. Ela recebeu aplausos enquanto retornava a seu lugar. Em seguida foi trazido o assunto do anúncio publicitário sobre Santa Fé na revista Travel and Leisure, mas a reunião terminou sem que se chegasse a um acordo quanto à fotografia e ao texto. Entediada, Robin olhava para os rostos um a um. Martinez havia descrito a caminhonete dos Dalton, mas poderia estar mentindo. Qualquer dono de galeria poderia estar envolvido. A falsificação proporcionava dinheiro livre de impostos e havia muitos bons artesãos para realizar o trabalho, especialmente se lhes inventassem alguma história convincente. Robin sentiu um arrepio na espinha. Qualquer uma daquelas pessoas poderia ter sido responsável pelo seu acidente, poderia ter contratado um índio para fazer o serviço. Mas, no momento, o dedo apontava para Chuck e Shelly. Ei, Robin... Robin? Era Chuck, batendo em seu ombro. A reunião acabou, menina. Ah, eu estava distraída. Você tem certeza de que ficará bem aqui na cidade? Claro, Chuck. Não se preocupe. Shelly ficou desapontada. Você sabe como ela a quer bem. Eu também a quero bem Robin garantiu, com v*****e de chorar. Eu só precisava de algum espaço. Foi o que Shelly disse. Então você não necessita de nada? Não, obrigada. As pessoas foram saindo da sala e reuniram-se em pequenos grupos conversando diante do hotel. Robin viu a caminhonete dos Dalton, e Shelly acenava da janela, chamando Chuck. Venha! Estou cansada de esperar. Oi, Robin! Robin respondeu ao aceno, mas tinha os olhos fixos na cena de deserto artisticamente pintada na lateral do carro. Não podia haver dois veículos iguais àquele... Robin, acho que sua ideia não vai funcionar comentou Thad Mencimer, saindo com a esposa. Não custa tentar ela respondeu, um pouco irritada. É, vamos ver. Ei, Chuck! Como vão os negócios? Ouça, eu queria lhe agradecer por... Mas Shelly continuava acenando, e Robin aproximou-se para cumprimentá-la. Mais tarde, iria lembrar-se de que ouvira Thad dizer algo, mas, no momento, todos falavam ao mesmo tempo e ela não prestava muita atenção. Só mais tarde pensaria no comentário casual de Thad para Chuck, e que era muito, muito significativo. Robin colocou um aviso na porta da loja de que só abriria ao meio-dia. Não marcara clientes para aquela manhã e aproveitaria o tempo para começar a trabalhar na organização dos artesãos índios. O primeiro passo seria falar com Christina Farwalker. Se a convencesse a ajudar, meio caminho estaria percorrido. Enquanto dirigia pela Canyon Road, ela pensou nas discussões da reunião da noite anterior e nas conversas informais diante do hotel. A caminhonete dos Dalton estivera lá, parado junto à calçada, com a pintura de um deserto que nenhum outro veículo possuía... Havia mais alguma coisa sobre a caminhonete, mas ela não conseguia se lembrar. Seria algo que Martinez dissera? Não, era outra coisa. Thad não falara com Chuck sobre a caminhonete? Ela estava conversando com Shelly naquela hora e não ouvira direito. Thad. Sim, ele agradecera a Chuck, falara algo sobre comprar sua própria caminhonete quando sua loja começasse a dar mais lucros. Robin franziu a testa. De repente, as palavras vieram à sua mente. Eu queria lhe agradecer por ter-me emprestado a caminhonete, Chuck, Thad dissera. Ela quase saiu da estrada. Parou o carro e apertou o volante. Claro! Só porque a caminhonete fora vista em San Lucas, isso não significava que os Dalton estivessem dirigindo! Poderia ser Thad por trás das falsificações! E ele tinha um motivo: estava sempre reclamando de falta de dinheiro. Havia um bebê a caminho. E ele nunca concordava com as propostas nas reuniões da associação. Um sorriso de alívio curvou os lábios de Robin. Chuck poderia ter emprestado o veículo, inocentemente, a outras pessoas também. Qualquer um que conhecesse Chuck Dalton tinha chance de estar envolvido na história. A lista de suspeitos ficara mais longa e, agora, seu plano de esperar na casa de Martinez para ver quem aparecia tornara-se vital. Precisava contar a Adam. Então ele acreditaria que os Dalton não poderiam ser os culpados. Mas como falar com Adam? Ele dissera que manteria contato, mas seria verdade? Ela estacionou o carro diante da casa da fazenda e bateu à porta. Christina a recebeu sorrindo. Robin, que surpresa agradável. Entre. Acabei de coar café. Sentaram-se no pátio, sob o sol da manhã. Uma empregada trouxe duas xícaras de café e um cesto de pãezinhos de canela feitos em casa. Hum... Que cheiro delicioso! elogiou Robin. Experimente um. Você vai gostar. Que bom que veio me visitar. Mas eu ainda preferia que você tivesse aceitado nossa hospitalidade até essa confusão ser esclarecida. Eu adoraria, Christina, mas ficar na cidade é mais conveniente para o meu trabalho. Você é quem sabe. Ela cruzou as mãos pequenas sobre a mesa. Mas você não está com cara de quem veio aqui só para tomar um cafezinho. É verdade. Há um assunto que eu queria conversar com você. Ela contou sobre sua ideia de organizar os artistas índios. E achei que, se você pudesse me ajudar a contatar os artistas, ou me indicasse os líderes, seria uma grande coisa. Você agiria como uma espécie de ligação. Entendo. Christina baixou os olhos, pensativa. Preciso pensar nisso. Josefina seria muito útil em um g***o assim. Eu sei, até já comentei o assunto com ela, mas ela não quer se comprometer a fazer nada. Sim, esse tipo de coisa não é bem do estilo dela, mas talvez possamos convencê-la. Mas esteja preparada para não se desapontar, Robin. Talvez, no fim, não dê em nada. Já me falaram como os índios são fechados. Mas será que eles não veriam os benefícios de uma organização? Pode ser, se a questão for abordada de maneira adequada. Vejamos... Teríamos de escolher uma pessoa em cada povoado, para ser o contato. Talvez haja resistência. Alguns artistas mais velhos terão medo de se envolver. Os mais jovens terão receio da influência dos brancos. Não será fácil. Mas aposto que podemos conseguir. Vou consultar minha lista do churrasco beneficente e entrar em contato com os índios que estiverem incluídos nela. Pelo menos, será um começo. Robin sorriu. A questão já estava encaminhada. Christina pediu licença para buscar mais café e a deixou sozinha por alguns minutos. Robin levantou o rosto para o sol e suspirou. Havia estado naquele pátio antes, sob circunstâncias bem diferentes. Adam ainda era o estranho misterioso que havia entrado em sua vida poucas horas antes. Teria sido melhor se nada daquilo tivesse acontecido. No entanto, mesmo que por um tempo muito breve, ele trouxera esperança a sua existência. Fora pena o sonho ter durado tão pouco. Talvez fosse seu destino viver sozinha. Por que não conseguia alcançar Adam, entender sua mente, ler seus pensamentos? Seria apenas a diferença entre as culturas? Talvez a mãe dele pudesse dar alguma explicação, mas ela nunca teria coragem de perguntar. Mais café? indagou Christina. Robin abriu os olhos. Ah, desculpe. Eu estava distraída. Este lugar é tão tranquilo. Aceito mais uma xícara, obrigada. Não, não poderia falar sobre ele com Christina. Afinal, m*l a conhecia, no entanto... Christina Robin começou, baixinho, hesitante. Sim? Eu estava pensando... Ah, não é nada. Fale, querida. Algo a está incomodando. O que é? Não, esqueça. Robin sentia o rosto afogueado. É melhor eu voltar para a cidade. É algo a ver com meu filho, não é? Se eu puder ajudar, Robin... Nós somos amigas. É isso mesmo ela admitiu, com os olhos baixos. Pode falar. Estou ouvindo. Bem, às vezes é difícil chegar nele. Ela tentou rir, mas o que saiu foi quase um soluço. Agitou-se na cadeira, constrangida. Não devia ter iniciado aquele assunto. Só posso lhe dizer uma coisa Christina falou, devagar, conscienciosa. Você compreende que eu seja leal a meu filho, não é? Claro que sim. Adam está escondendo algo de você. É tudo que posso revelar. Ele mesmo tem de lhe contar. Robin apenas fez um sinal afirmativo com a cabeça, incapaz de dizer alguma coisa. Vários pensamentos lhe vieram à cabeça, atropelados, confusos. Ele teria uma família em algum lugar? Uma mulher? Um problema por ele ser índio e ela não? Algo ligado a um ritual qualquer que ele tivesse de executar? Não se t*****e, Robin Christina aconselhou. Converse com Adam. Por fim, Robin a encarou. Sabia que havia lágrimas brilhando em seus olhos e sentia-se humilhada. Desculpe, Christina. Isto é tão constrangedor. Ela enxugou os olhos e fungou. Eu nunca choro... Todo mundo deveria chorar de vez em quando, desabafar. É humano. Bem. Robin respirou fundo. Eu preciso mesmo ir embora. Quanto ao assunto que a trouxe aqui, fique tranquila. Eu falarei com Josefina. A empregada apareceu no pátio e chamou Christina para atender o telefone. Robin viu-se sozinha outra vez, mas começava a ficar ansiosa por ir embora. Como pudera ter feito aquilo? Fazer perguntas à mãe de Adam! Porém, pelo menos Christina lhe dera uma resposta. Adam estava escondendo alguma coisa. Mas o quê? Christina retornou ao pátio séria, torcendo as mãos. Sua voz ficara trêmula. Robin, era Josefina no telefone. Suas cerâmicas... Seu estúdio... Alguém quebrou tudo. Oh, não! E tem mais. Os olhos assustados de Christina encontraram os de Robin. John Martinez foi espancado. Meu Deus, será que ninguém mais está em segurança?
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