capítulo 3

1814 Words
Alice Giordano Não era tão tarde quando chegamos no apartamento de Julia. Ela me mostrou os cômodos e que eu podia mexer em tudo, menos no que estava em seu quarto, era meio óbvio. Eu ainda estava tentando acreditar no que estava acontecendo comigo. Nunca imaginei que estaria em Londres, que cursaria literatura e que poderia viver aqui se arrumasse um emprego fixo. Esse era o caminho. Nunca voltaria para Polônia e penso que nem posso voltar para Alessandria, tudo por conta do meu pai. Depois do que Sara me disse, passei a temê-lo muito mais. Se um homem podia matar uma família inteira e ainda por cima, vender a própria filha para um homem qualquer, ele era capaz de tudo. Novamente a minha consciência gritava na minha cabeça, pensando que minha tia corria perigo estando tão perto daquele homem. Liguei para ela assim que me sentei na minha nova cama, e deixei a mala para desfazer depois. Julia tinha saído para compra algo que nem consegui entender o que era, e eu estava sozinha até que ela voltasse. Mesmo que não tivesse demorado muito, a minha viagem, me sentia cansada. Dentro do meu peito uma mistura de ansiedade e medo perturbava a minha tranquilidade e esperava que ouvir a voz da minha tia, acalmasse um pouco o meu estado. O número chamou umas três vezes antes dela atender. Ela estava claramente preocupada e ouvi sua respiração de alivio do outro lado da linha. - Estava preocupada, menina, minha amiga disse que ainda não tinha chegado e sei que seu voo chegou no horário previsto. – Falou. Me senti m*l por tê-la preocupado, ainda mais por não estar no local planejado. - Desculpa Tia, mas eu não estou na casa da sua amiga. – Falei com medo da sua reação. – Antes que me dê uma bronca, quero que saiba que eu a agradeço pelo que fez por mim e juro que no futuro irei recompensa-la, mas pensei que ficar na casa da sua amiga, facilitaria ser descoberta por Luca. Houve um silêncio assim que terminei de falar. Eu realmente estava com medo dela me dar uma bronca. Sabia que não saber onde eu estava iria a deixar preocupada, no entanto, eu já tinha vinte anos e sabia me virar. - Você é uma menina inteligente, Alice. – Falou depois de respirar fundo. – Seu pai surtou quando falei que tinha fugido, mas não fui burra, falei que você estava apaixonada e que escondeu até de mim, o seu relacionamento com um francês. – Ouvi o seu sorriso do outro lado, o que me fez sorrir também. Minha tia era boa em contar histórias, assim como Julia. – Quem não gostou de saber disso foi Oton, que veio aqui e exigiu seu dinheiro de volta, como se você fosse um produto que não chegou depois da compra. Não posso descrever o quanto me chateei ao saber disso. Odiava aquele homem, assim como o meu pai. Lembrar da forma como me olhava, me dava não só raiva, mas também medo. - Quero que esses dois vá para... o inferno. – Meus anos de convento não me permitia dizer um palavrão tão chulo. Era verdade que eu não era uma santa, mas fui educada na casa de Deus e não esqueceria disso. – Só espero que nada aconteça a senhora, ou não me perdoaria. - Não se preocupe querida, Luca pode ser o demônio, mas tem medo de ser deportado para Itália e se algo acontecer comigo, ele não terá para onde fugir. – Ela disse com muita certeza. Eu estava realmente contando com isso. Sabia que ele estava preso na Polônia, se a polícia local o pegasse, seria preso no mesmo instante. Porém, não contaria com o ovo que ainda não foi botado e resolvi me precaver. - Não precisa se preocupar comigo, ligarei todos os dias, estou em um quarto confortável e pretendo procurar um emprego logo. – Essa ligação me motivou. Estava menos preocupada e confiante de que conseguiria. – Amanhã vou a Universidade de Londres e me apresentarei, depois disso as coisas vão melhorar. - Tenho certeza que sim, meu amor. Tentei me manter forte para não chorar ao desligar o telefone, mas foi inútil. Pensar que estava longe da única família que eu tinha me entristecia, mas sabia que era por um bom motivo e faria de tudo para traze-la para esse país, quando eu estivesse firme e formada. *** O dia de ontem foi bem aproveitado por mim e Julia. Tive que confessar a ela que eu não estava acompanhando muito bem o seu ritmo ao falar e ela disse que fazia isso quando estava nervosa, então relaxamos antes de mais nada. Foi divertido conhecer um pouco de Londres a partir dela, que morava aqui a três anos com seu irmão. Julia era brasileira e sempre teve o sonho que estudar fora do seu país. Ela me fez experimentar alguns dos doces do Brasil e posso dizer com certeza que amei todos. Conversamos até tarde da noite e ainda era assustador dizer que fiz uma amizade em apenas um dia no país. Hoje, acordei cedo, rezei e pedi para que nada dê errado, quando me apresentar na Universidade, pois se isso acontecesse eu estaria perdida. Esperei por um ano inteiro minha bolsa ser aceita, mas era difícil quando passei metade da minha vida em um convento e não frequentei a melhor escola depois que chegamos na Polônia, tudo isso por conta do meu pai assassino. Quando recebi a confirmação, nem achava que tinha mais chances, mas Deus escreve certo por linhas tortas e finalmente minhas preces foram ouvidas. Também tive sorte por Julia estudar no mesmo lugar que eu, iríamos juntas, pois não fazia ideia de como andar pelas ruas dessa cidade. Eu faria tudo o que foi privado de mim por muito tempo. Sou uma mulher de vinte anos que nunca viu o mundo e os poucos cinco anos que passei em um novo país, foram quase uma prisão. Luca não gostava que eu saísse, sempre me prendeu como um general exigente e quando eu tentava sair, era punida severamente. Poderia ser pecado falar que odiava meu pai, Deus me perdoe, mas era a verdade. Ele era uma das pessoas mais terríveis do mundo, cometeu o pecado de tirar a vida de pessoas só por terem outro sobrenome e ainda me mantinha presa, vendeu-me para um homem de 60 anos por pura ambição. Enquanto penteava os cabelos em frente ao espelho, pensava no que poderia acontecer daqui para frente. Nunca fui uma menina má, nunca destratei a minha família, apesar de tudo o que Luca já fez para mim, mas algo me deixava com medo. Medo de tudo, até do meu reflexo. - Já está pronta? – Despertei-me dos meus pensamentos quando Julia apareceu na porta, olhando-me com um sorriso no rosto. Deveria agradecer por ter encontrado alguém tão bem-humorada e bem receptiva, não importa o horário do dia. – Você está muito bonita, você é bonita, desculpa ainda estou nervosa. Apesar da idade, éramos bem diferentes. Enquanto ela era elétrica e falante, eu gostava das coisas mais calma e não gostava de me abrir. Se eu falasse para Julia sobre o meu verdadeiro passado e família, era provável que não estivesse tão feliz por me ter por perto. - Estou sim, e obrigado. – Da última vez que recebi um elogio não foi de alguém tão confiável e nem tinha gostado. Desde os meus quinze anos, vim notando o quanto Oton tinha se interessado por mim. Era louco imaginar que ele se atraiu por mim com tão pouca idade e que deu dinheiro ao meu pai para se casar comigo. Eu não estava tranquila, pensava que se ele realmente queria isso, podia me procurar e levar de volta para Polônia. – Vamos logo, não quero atrasar você. – Falei ao me levantar. - Não precisa se preocupar, não moramos muito longe e os horários são flexíveis. – Falou com o mesmo sorriso de antes. Estava ansiosa para colocar os pés fora do apartamento e conhecer a cidade. Ontem eu estava tão preocupada com a minha chegada que nem pude prestar atenção no que estava fora do taxi. Assim que descemos e coloquei os pés na calçada senti como se fosse uma pessoa diferente. As ruas de Londres não eram como na Polônia, muito menos como Alessandria. O clima frio me atingiu em cheio, me passando ainda mais alegria. As pessoas andavam nas ruas, com as mãos dentro dos bolsos dos seus casacos e sobretudos, os grandes prédios eram lindos e os carros movimentavam ainda mais o fluxo da rua. Estava caindo na real que eu realmente estava em Londres. Era tão maravilhoso que só pude rir como uma boba. - Vamos, o taxi chegou. – Falou Julia me puxando para dentro do veículo. Por mim iria andando, mesmo não sabendo qual a distância. Eu só queria admirar mais o lugar, não desejava perder um detalhe se quer, mas sabia que seria pedir muito. Enquanto ela falava algumas coisas, eu só podia olhar pela janela, olhando as pessoas na rua, os carros indo para os seus destinos e os prédios elegantes. As fotos no Google não poderiam mostrar a beleza desse lugar, só os olhos poderiam capturar cada detalhe importante das coisas. Estávamos no inverno, o que me lembrava da Itália. Mesmo estando em um convento, ainda gostava do clima frio que fazia quando o inverno chegava. Algumas irmãs abriam as portas e sentávamos em cadeira de madeira do lado de fora, com cobertores e chocolate quente. A saudade batia no peito, e as lagrimas se formaram nos meus olhos, e as impedi de caírem sobre o meu rosto. Eu não queria ser freira, esse não era o meu rumo, mas fiz amigos, gostava de conversar com as irmãs e se meu pai não tivesse estragado tudo, poderia ter uma vida em Alessandria, poderia visita-las quando fosse possível. Porém, o que eu escolhi não era r**m, só não tinha contato com quem eu amava e esperava deixar esse passado sombrio só no passado mesmo. Quando o automóvel estacionou, vi o quão grande era o lugar. Os estudantes passeavam por todos os cantos e nada conseguiria tirar a alegria do meu semblante. - Está pronta para entrar? – Perguntou vendo o quão boba eu estava. – Se ficou feliz com o lado de fora, vai surtar quando entrar, mas como eu disse, os ingleses são charmosos, quando vêm uma mulher bonita como você eles caem em cima, porém, tome cuidado com aquele olhar sexy ou o sorriso de tirar o folego, isso vai estragar toda a sua vida. – Falou pensando em voz alta. - Falando assim até parece que já aconteceu com você. – Brinquei, mas ela me olhou tristonha. - É, eu já fui burra de cair nisso.
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