CAPÍTULO UM — ANGELINE

1704 Words
Três semanas se passaram desde o dia em que recebi a confirmação que em breve, me casarei com um desconhecido. Sua Alteza Real, o Duque George Brandon Howard. Meu pai, o Rei, deu sua palavra ao avô do Príncipe e os dois aceitaram uma aliança que será firmada no dia do casamento. Hoje é minha última noite antes dos meus dezoito anos. Finalmente a Princesa de Hyperion se tornará adulta, e com isso, as responsabilidades estão correndo uma maratona para alcançar-me. Não saio do palácio, mas não é difícil saber o que acontece no país e no mundo. Basta ligar a enorme televisão do meu quarto em qualquer noticiário, basta acentuar um pouco meus ouvidos ao caminhar pelos corredores do palácio. Eu sou o assunto do momento. Minha ausência em eventos fora do palácio ou em eventos repletos de gente, criou grande expectativa em mim e na minha beleza. Compareci em alguns jantares especiais, em algumas reuniões com membros da nobreza, sempre onde não tinha imprensa. Os comentários sobre minha beleza surgiram, todos foram espalhando e fazendo comparações ridículas e absurdas. Chegaram a comentar que a Deusa da beleza tinha reencarnado, e era uma Princesa escondida em Hyperion. Aos poucos, pretendentes se amontoaram na sala do trono, um por um, para ouvir a recusa do Rei. A luta por uma foto minha começou, mas é impossível adentrar os muros do palácio se sua entrada não for permitida. Uma única vez, uma única foto foi tirada por um descuido em uma das minhas caminhadas no jardim durante o dia. Eu apreciava e me agraciava com a beleza das flores, quando um repórter foi surpreendido na tentativa de revelar o rosto da Princesa. Para desfortúnio dele, seu ângulo só o permitiu fotografar-me de costas antes de ser pego pelo guarda do lado de fora dos portões. Devo admitir que a foto ficou boa, o homem espalhou, e logo o mundo estava em êxtase com a primeira imagem da Princesa escondida. Meu vestido chegava a arrastar no chão, cor de rosa e contava com detalhes bordados a mão. Minha cintura é desnecessariamente fina, afinal eu praticamente nasci usando espartilho. A silhueta de uma cintura que parecia quebrar contrastando com as curvas dos quadris marcados pelo tecido fino, deram ao mundo um pouco o que comentar. Meus cabelos estavam num penteado que deixava-os soltos até a altura da cintura, cada detalhe visível meu enlouqueceu a mídia. Essa foto fez todos olharem para Hyperion, mas meu pai continuou a me esconder. Na verdade eu não tenho fotos espalhadas pela mídia porque não estou em eventos divulgados, não porque isso seria errado. Já neste dia, o infortúnio foi ele ter feito isso sem a permissão necessária. Usar a imagem da família Real sem sua autorização, pode ser considerado crime. Graças ao destino, meu rosto ainda é desconhecido para muitos. Eu fiquei conhecida como a Pérola de Windsor, escondida como que numa concha, mas que poucos tem o privilégio de encontra-la. Em breve, tudo isso vai mudar. Amanhã haverá a comemoração do meu décimo oitavo aniversário – O primeiro aberto a imprensa. Coincidência? O dia de amanhã será marcado para sempre. Serei oficialmente adulta, terei meu rosto divulgado em cada tela ou papel do mundo, e conhecerei o homem que serei obrigada a dividir o resto dos meus dias. O Príncipe George Brandon Howard, de Bulmond, meu futuro marido e Rei, será a presença marcante do baile de amanhã. É claro que o desejo do meu pai é que o resto do mundo veja Hyperion e Bulmond juntos, pela primeira vez. É madrugada, perto das três da manhã e ainda não preguei os olhos. Fico imaginando como é o Príncipe, não sua fisionomia, mas seu coração. Quando se vai passar o resto da vida ao lado de uma pessoa que não ama, ao menos o único desejo é que esse tenha um bom coração, que seja alguém que ajude a carregar tal carga. Mas e se ele não for bom? Se eu for obrigada a passar o resto da minha vida com um monstro que maltrata mulheres? De qualquer forma, isso não é para ser a ocupação dos meus pensamentos agora. Afinal, pensar não vai mudar coisa alguma. Pego meu roupão vermelho e com bordado em forma de flores, cubro minha camisola com ele e coloco meus dedos dentro de minha pantufa felpuda da mesma cor. Encaro rapidamente meu reflexo no espelho, o rosto limpo e os cabelos em um dos raros momentos que estão completamente soltos. Pela noite os guardas saem da porta dos quartos, ficando apenas em pontos estratégicos do palácio. A maioria fica pelo lado de fora, cuidando de nós. Isso me dá a liberdade de sair do meu quarto, seguindo pelos pontos conhecidos que levam até o jardim. Eu preciso caminhar um pouco, sentir o vento assanhar meus cabelos, permitir que a beleza do jardim e da lua tentem me acalmar. Caminho devagar até a porta que leva ao jardim que fica ao redor de todo o palácio, mas eu saio pelos fundo para passar despercebida. Respiro forte fazendo o ar fresco encher meus pulmões, fecho os olhos por alguns instantes e após abri-los tiro meus pés de dentro das pantufas, seguindo o caminho descalça e segurando os calçados na mão. A grama adentra meus dedos, estão úmidas e macias, é como uma massagem na pele fina dos meus pés e um sorriso calmo se desenha em meus lábios. Esse é um momento só meu, e é o único no qual me sinto feliz por ser exatamente quem eu queria poder ser. Não escolhi nascer uma Princesa. Claro, a minha vida é ótima financeiramente e eu não tenho nenhum tipo de dificuldade. Mas as responsabilidades do meu cargo tiram totalmente o prazer que eu deveria sentir. Eu daria tudo, para ser outra pessoa, para realmente ter uma vida. Caminho entre a parte do jardim que contém mais flores, acariciando com a delicadeza que merecem e seria um ultraje não parar e apreciar o aroma excelso. O caminho largo e chamativo leva até a grandiosa estufa do palácio, que conta com uma pasmosa arquitetura no estilo colonial mas feita de vidro escuro. Adentrando, as flores são diversas, todas se encontrando meio que se completando. É impossível descrever como eu adoro esse lugar. As flores “Jade Vine” embelzam e empoderam o lugar com seu formato que lembram garras, as cores verde água e lilás a deixam delicada ao mesmo tempo. Elas ornamentam boa parte da estrutura, já que é uma espécie que pode chegar em até vinte metros de comprimento. Já a Flor Kadapul – que é minha preferida e faz meu coração se encher só de olhar para ela – torna o lugar muito mais belo e significativo para mim. Essas flores não são comercializadas em parte alguma do mundo, mas crescem aqui na estufa do palácio e me permitem admira-las. São delicadas, sensíveis, lindas e puras. É fácil entender o motivo de eu adora-las tanto, elas são imensamente raras. Só sobrevivem por em média duas horas após florescer, ver uma dessas flores vivas é quase impossível – Exceto para mim. Elas geralmente florescem pela madrugada, então eu devo estar presenciando seus últimos momentos de vida. Eu aproximo meu nariz das pétalas brancas e sinto a fragrância calmante, então sigo caminhando pelas outras espécies, como a Orquídea Dourada de Kinabalu – Outra que só temos o privilégio de apreciar por ser a família Real. Ou as “Semper Augustus”, uma espécie de tulipas do século 17 que para mim é uma das flores mais belas do mundo. Quando dou por mim caminhei por toda a estufa e já estou ultrapassando a saída, que é a parte onde ficam algumas das eminentes árvores Hyperion. Não chego aqui em minhas caminhadas da madrugada, até o meio da estufa é suficiente para mim. Porém, hoje é um dia atípico. Hoje é o meu aniversário de dezoito anos, e em algumas horas conhecerei meu noivo indesejado. Desvio novamente meus pensamentos ao sentir meu coração acelerando e acalmo meus batimentos ao admirar a beleza e imponência das árvores. As vezes quando olho para cima, sinto que elas podem alcançar o céu dando uma sensação de que são intocáveis. Sua circunferência de mais de vinte e cinco metros mostram sua força e resistentência. As vezes chego a compara-las com os dinossauros, sorrio com meu pensamento bobo. — Eu gostaria de ter um pouquinho da sua força, minha amiga. — Toco seu tronco, meio que acariciando-a. — Mas eu sou uma covarde, sou uma covarde que vai passar o resto da vida sendo infeliz e subjugada por um homem que não ama. Um nó vem subindo pelo meu estômago, me causando um gigantesco m*l-estar, ao mesmo tempo minha respiração vai se tornando incômoda. Caminho, caminho e caminho, com meus pensamentos longe até sentir meus pés doerem e minhas pernas fraquejarem. Olho ao redor, recuperando os sentidos e trazendo minha consciência de volta até meu corpo. É quando dou por mim... Onde bulhufas eu estou? Meus olhos crescem, minhas pernas exaustas tremem e meu coração briga com minha caixa torácica. Santo Deus, não! Para qual lado fica o palácio? Olho ao redor, buscando algo conhecido para me situar mas só encontro longas árvores, caminho de terra e o único som é o canto dos pássaros. Sinto minhas bochechas queimando, tenho certeza que estão vermelhas agora. O sol começa a dar os seus primeiros sinais do dia e os seus raios novos e o nervoso vai causando vermelhidão pelo meu corpo. Devolvo a pantufa para meus pés e vou andando em meu desespero na busca de uma boa alma. — Por favor... — O grito escapa de minha garganta, mas somente minha própria voz retorna a mim com o eco. — Alguém está me ouvindo? Pode ajudar-me, por favor? Tudo está mais macabro do que parece pela sacada do meu quarto. Apenas árvores e a vasta mata está ao redor, a neblina da manhã até onde se possa ver... Em algumas horas serei apresenta ao mundo e ao Príncipe de Bulmond, mas não faço a mínima ideia de onde estou. Estou fora e longe do palácio, pela primeira vez.
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