PRÓLOGO

2492 Words
“Pesada é a cabeça que carrega a coroa”, eu cresci ouvindo essa frase, mas nunca recebi um peso verdadeiro sobre minha cabeça. Até agora. Sou Angeline Windsor, a Princesa de Hyperion. Vou herdar o reino, o poder, a riqueza e a história da minha família como única herdeira. Meu pai sempre me amou e zelou demasiadamente por mim e minhas necessidades. Como sou sua única filha, me perder está fora de questão. Sou o futuro do reino, da família e de nossas gerações posteriores. Se algo acontecer a mim, uma longa geração terá se extinguido. Por isso, meu pai me mantém numa espécie de custódia. Eu nunca sai desse palácio. Seus limites, jardins e as suas grandes colunas são tudo que eu conheço. Apesar de todo desvelo direcionado a mim, tenho certeza que um filho homem era o que meu pai realmente queria. Com um homem, não haveria necessidade de um Rei de fora do país. As pessoas dariam mais credibilidade a coroa, porque se sentiriam mais seguras. Meu pai não teria tanto medo de que seu filho se machucasse e ele não precisaria ser mantido quase como um prisioneiro no palácio. Sou a futura Rainha, mas nunca me envolvi em nada exceto alguns jantares no palácio. Assunto de estado, preocupações, leis, cuidados com o povo, nada nunca foi relatado a mim. Minha preparação se resume aos livros e a educação insigne que me foi apresentada. Claro que meu desejo é ser realmente importante, cuidar do meu país. Gostaria de ser mais que uma moeda de troca. Ou na pior das hipóteses, uma parideira, de serventia apenas para trazer um herdeiro. Nada contra ter um filho. Mas apenas isso? Eu sei que sou capaz de mais. Eu posso fazer mais. Infelizmente. Não tenho a chance. Na minha cabeça, eu levarei uma coroa. Mas na verdade, o poder estará com meu futuro marido seja lá quem ele for. Meu dever é dar um Rei a minha nação. — Vossa Alteza. — Ouço Rose chamar ainda pela porta, uma das minhas amadas damas de companhia. — Seu pai o aguarda na sala do trono. — Rose, querida, teremos problemas se continuar me chamando assim sempre que tem a chance. — Aviso, fazendo-a entrar sorrindo no meu quarto. — Você é a nossa Princesa, Angel. É melhor começar a se acostumar com essa formalidade, você sabe o que estão comentando pelo palácio, em breve... — Faz uma pausa. — Por favor, não diga. Me deixe ter esperança por mais alguns minutos. — Eu a impeço, uma expressão cabisbaixa toma meu rosto, assim como o dela. — Tudo bem. — Coloca um sorriso falso no rosto. — Vamos, vou preparar a senhorita. — Onde estão Jan e Caterine? — São as outras duas que completam o meu trio de damas. Elas foram bem instruídas e seu papel é cuidar de mim, enquanto me fazem companhia. O palácio é grande e todos sempre estão ocupados, uma garota precisa de pessoas a sua volta, e essas são as minhas meninas. Eu realmente as amo. — Jan foi chamada pela sua mãe, a Rainha teve um trabalho para ela. Já a Cate está... Bom... Em algum lugar do palácio. Você a conhece... — Nossa Cate... — Sorrio. — O que seria de nós sem ela? Meu quarto é um palácio dentro do palácio, espaçoso, bem decorado, cama feita para mim arrumada sempre com os tecidos mais sedosos e acetinados. As cortinas bordadas, a varanda e o balcão que tem a vista para o jardim do palácio, as portas de vidro tomam desde o chão até o teto. Tudo isso é totalmente adorado por mim. Tenho uma biblioteca no meu quarto, que conta não só com livros mas também uma televisão de tamanho exorbitante chegando a tomar quase uma parede inteira. Meus filmes são sempre históricos, educativos e culturais. Esse espaço é para exercitar meu cérebro, não para lazer – Mesmo que eu considere o estudo uma atividade prazerosa. Porém eu realmente gostaria de conhecer o romance, que infelizmente nunca tive o prazer de ler ou assistir. O meu banheiro em tom branco é uma grande beleza, a louça brilhante, a jacuzzi, uma banheira e o chuveiro espaçoso. — Realmente, Caterine é uma garota muito espirituosa, ela precisa começar a controlar isso um pouco. Pelos Santos... — Concorda. Rose me ajuda a sentar frente a escrivaninha e seu enorme espelho, segurando meu roupão azul comprido para que eu não pise ao me sentar. O móvel é belíssimo, de madeira branca e bem desenhado, com alguns pontos de luz graças a algumas pérolas brilhantes de decoração. Os puxadores das gavetas são grandes pedras peroladas. Minha acompanhante solta os grampos dos meus cabelos que despencam leves pelos meus ombros, alcançando minha cintura e moldando meu rosto. Rose é especialista em maquiagem e cabelo, esse é o trabalho dela. Jan é a melhor estilista que uma garota podia querer. Cate é uma musicista de talento demasiado e me ensina um pouco do seu dom, mesmo que eu seja uma negação. Caterine é muito boa com pessoas, então é ela quem geralmente me acompanha em encontros ou jantares no palácio. Tenho cabelos muito bonitos, castanhos claros e com belos cachos ondulados que alcançam a minha cintura. As mechas são cheias e brilhantes, eu adoro, porém tenho que mantê-los presos e bem penteados. Uma Princesa não pode passar a imagem descuidada e despreocupada, e nada supera a classe de um penteado elegante. O que diriam se me vissem durante a noite, caminhando despreocupada pelo jardim em uma camisola, descalça e com meus cabelos soltos? Eu adoro sentir a grama úmida entre meus dedos, os ventos assanhando os fios dos meus cabelos. É revigorante, uma espécie de energia que preciso para aguentar o meu destino cinza que se aproxima cada vez mais. Meu pai, o Rei, me chamou para seu encontro. Meu coração está numa mistura entre ansiedade e dor. — Sabe se ela já conseguiu encontrar novamente com o famoso entregador dos olhos de ouro? — Lembro da empolgação de Caterine ao falar sobre o belo entregador de verduras e não contenho o riso. Apesar das minhas damas serem bem vistas e consideradas da alta sociedade por serem parte da vida da princesa, Caterine é despreocupada com classes ou títulos, ela caminha livremente e conhece cada canto desse palácio mais do que eu conseguiria um dia. Eu também não sou nem um pouco classista, mas não tenho o direito de escolher, como a Cate. A cozinha, as entradas, os jardins, e se bobear o subsolo são claros para ela como a palma de sua mão. Numa de suas visitas a cozinha ela encontrou um entregador. Passamos várias noites ouvindo Cate contar sobre sua beleza, sobre seus olhos castanhos e brilhantes e ficando como ouro ao encontrarem os raios solares, seu corpo forte e cabelos num encaracolado loiro médio. Nossa amiga espontânea está encantada pelo entregador que ela conta ser tão belo que é a encarnação dos Santos. Ela até esperou que ele a procurasse, mas isso não aconteceu. — Infelizmente para nós, não. — Para nós? — Franzo o cenho enquanto Rose vai escovando meus cabelos. — Quem vai ter que continuar ouvindo sobre esse homem desaparecido? — Não contenho o riso. Realmente, o homem parece ter aberto o chão e entrado. Hyperion é tão grande assim? Não pelo que os livros me contam. — Pobre Cate... — Comento. — Como vamos fazer hoje, Alteza? — Não faz diferença alguma, Rose. Apenas prenda tudo. — Peço sem nenhuma emoção. — Não se preocupe, você fica linda de qualquer maneira. Não importa se estão soltos ou presos. — Importa para mim. Não por conta de um simples penteado, mas pelo que isso representa. Nem meus cabelos eu posso controlar. Assisto Rose trançar meus cabelos até prende-los inteiro, finalizando com uma das minhas tiaras. Essa é minha preferida na verdade, a menos chamativa. São diamantes cravejados que formam flores em formatos de coroa. O penteado a comporta perfeitamente em minha cabeça. Rose faz uma maquiagem leve em meu rosto branco como porcelana, é como se eu nunca tivesse tomado um único raio de sol, mesmo que eu caminhe pelo jardim sempre que posso. Tons rosados são usados, me deixando ainda mais jovem. Cor é adicionada nas maçãs bem desenhadas do meu rosto, e meus lábios são hidratados com um gloss clarinho. Janet deixou separada minha roupa de hoje, e assim que Rose termina seu serviço eu pego o vestido em cima da minha cama. Um tom pastel, transpassado e de manga longa, os botões marrom se destacam e combinam com os sapatos de salto fino mas não muito alto que são da mesma cor. Tudo é meticulosamente pensado e se completa, a cor neutra da minha maquiagem, os brincos simples e minha coroa, o tom dos meus cabelos e pele com o resto da roupa. As meninas pensam em tudo, enquanto para mim isso é exaustivo, mas infelizmente necessário. — Você fez um serviço incrível, como sempre, todas vocês. — Olho meu reflexo no espelho, constatando que estou realmente linda, mesmo que não seja eu mesma ou quem eu gostaria de ser. — Não seja tão modesta, não é um serviço tão difícil assim te deixar bonita. — Brinca, gargalhamos. — Você sabe que é a mulher mais bonita desse país, mesmo que ninguém nunca tenha visto seu rosto e você não conheça muitas pessoas. Confie quando digo, sua beleza poderia causar uma guerra. — Talvez seja melhor assim então. Não vamos deixar que pensem mais em mim do que o necessário. Sabemos que me conhecer e pensar em mim seria mais uma maldição que um privilégio— Sou direta. — Minha Angel... — Rose respira fundo, não escondendo a tristeza em seu rosto. — Está tudo bem, não pense demais sobre isso. Esse é o meu destino, Rose. — Seguro sua mão carinhosamente. — Eu nasci com um objetivo, e vou cumpri-lo pelo meu país. Nasci com responsabilidades pesadas, não com o direito de ser feliz ou ter desejos egoístas. Eu estou pronta. — Amar não é egoísta, Angeline. O amor é direito de todos, me dói que tenham tirado o seu. — Rose, por favor. O meu pai não faz isso porque sente prazer em meu sofrimento, é o necessário. — Sinto meu coração diminuir no meu peito. As vezes parece que sinto cada parte minha chorar, mas seguro minhas emoções. — Vamos, vou te levar até o Rei. — Como Caterine desapareceu, ela se oferece. Rose e um guarda me acompanham até a sala do trono. Um salão enorme, onde ocorre eventos e transações de estado, comemorações e proclamações de novas leis. As colunas do palácio são grossas e nesta sala não é diferente, um tapete vermelho mostra o caminho até o trono do Rei e o da Rainha que fica logo ao seu lado. Vasos caros, bandeiras do país de cor verde, marrom e branco são espalhadas e penduradas por toda a sala. Adereços de ouro iluminam esse lugar assim como os tronos em minha frente. Caminho elegantemente até meu pai, como manda todas as conformidades. Meu salto faz barulho por cima do tapete vermelho, o eco causa calafrios no meu estômago. Jan e Cate estão sumidas, meu pai me chamou na sala do trono, os comentários correndo pelas bocas no palácio, meu aniversário de dezoito anos se aproximando, tudo isso me faz ter um único e trágico pensamento. Chegou o momento. — Meu pai... — Cumprimento ficando de pé em sua frente, eu abaixo a cabeça diante do Rei esperando que ele dirija a palavra a mim. — Minha Princesa. — Levanto meu olhar e encontro sua mão estendida no ar, subo os degraus até seu trono e beijo o anel de ouro do Rei. O anel é usado para carimbar os decretos e ordens do Rei, é um dos símbolos sagrados do nosso país. Me afasto voltando ao meu posto e ficando de pé em sua frente. Os guardas estão enfileirados e afastados de nós, prostrados em seu serviço. Rose ficou do lado de fora, esperando pelo meu retorno. O silêncio domina toda a sala, enquanto meu pai me olha com orgulho. — Em algumas semanas será seu aniversário de dezoito anos, Angeline. Você finalmente se tornará uma mulher. — Eu engulo seco, me esforçando em controlar os tremores espalhados pelo meu corpo. Eu encaro o bico fino dos meus sapatos, tentando me concentrar em algo para me manter numa firmeza inexistente. — Você é o meu presente de Deus, minha única herdeira. Você foi preparada desde que nasceu para assumir suas responsabilidades, para servir fielmente ao seu querido país... Olhe para mim, minha amada Angel. — Ordena. Respiro fundo e levanto minha cabeça, que pela primeira vez está tão pesada que tenho trabalho em fazê-lo. — Eu o encontrei, o nosso futuro Rei. Você se casará com o Príncipe e Duque de Bulmond, George Brandon Howard. É um jovem promissor, um visionário. É de um reino vizinho e poderoso. George está pronto para levar Hyperion para cima. É tudo que nós queríamos. Nós? Controlo minha respiração, mas não consigo evitar que uma lágrima rebelde e dolorosa vença meus esforços rolando pela minha bochecha. Coloco um sorriso falso nos meus lábios, limpando meu rosto úmido. Todo o palácio já sabia que esse dia chegaria, eu também. Nenhum de nós tem o privilégio de se casar por amor. Foi assim com meus tataravós, meus bisavós, meus avós, meus pais e toda a nossa linhagem. Casamentos arranjados estão desde sempre em nossa cultura monarca. Eu não sou melhor que nenhum dos meus ancestrais para esperar um futuro diferente, ou direitos diferentes e privilegiados. É a minha vez de me sacrificar pelo meu país – O que no meu caso é ainda mais importante. Meu pai poderia ter escolhido, mesmo assim, ele foi fiel ao seu dever e casou com uma Princesa que manteria o reino próspero. Como no meu caso eu sou a Princesa e preciso que o Rei seja digno de tal posição ao meu país, ele precisa entender bem a responsabilidade de comandar o Hyperion. Se fosse eu homem, o casamento poderia ser feito em nossas fronteiras com alguma família importante. Porém eu não terei esse luxo, não basta uma família importante. Eu preciso de um Nobre, um Nobre com riquezas e territórios. Um verdadeiro líder. Cresci sendo apresentada a essa ideia, a esse futuro. Então por que agora está doendo tanto? Por que esse sacrifício me faz pensar que minha vida acaba aqui? Nunca vai ser fácil para uma mulher, abrir mão do seu próprio coração e se casar com um homem que não ama, um desconhecido. Eu nem mesmo sei como vou ser tratada, se esse homem é um bárbaro. — Sim, papai. — Concordo. — Estou pronta para assumir os meus deveres como Princesa de Hyperion.
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