Não pode Ser

1216 Words
FERNANDA NARRANDO Quando a Eni me chamou para ir a um baile, até pensei que estávamos falando de uma festa tradicional. Às vezes, nossos amigos gostam de dar bailes a fantasia. Fiquei toda empolgada e perguntei para minha amiga de quem era a festa. — Onde é a festa, amiga? Tem alguma temática nesse baile? Ela começou a gargalhar, e fiquei sem entender o motivo da graça. — Fê, eu estou te chamando para ir no baile funk comigo, lá no Morro do Estado. Lembra que eu te falei que conheci um gatinho e fui parar na comunidade? Então, ele me ligou nos convidando para ir ao baile. — Nos convidou nada! Ele te convidou. Eu nem sei quem é esse garoto, e não vou a baile funk nenhum. Esqueceu de quem eu sou, filha. Relutei em ir ao baile funk com Eni. Para mim, isso era algo distante da minha realidade, uma aventura perigosa em uma comunidade que não conheço. No entanto, Eni tem o dom da persuasão e estava determinada a me levar para experimentar algo novo. De tanto a minha amiga falar me bateu uma curiosidade, eu não sei quem é mais louca de nós duas ela por estar querendo me levar para um morro ou eu que aceitei ir nesse baile. — Eni, você sabe que se meu pai descobrir que estou em um baile funk, a casa cai para mim, para você e para todo mundo daquele morro. Ai amiga, acho que não vou. Você conhece bem meu pai, também o Diego. — Você acha que seu pai fica o tempo todo te rastreando? Deixa eu ver aqui no mapa onde Fernanda está. Claro que não, amiga. Para de ser boba. É só você tirar a tornozeleira que ele não vai saber nunca que a gente subiu o morro. E quanto ao Diego, seria bom que ele fosse atrás de você. Eu ia pedir ao gatinho para acertar um tiro de fuzil bem no meio da cara dele. Começamos a rir, não sei por que, mas imaginei a cena do gatinho da minha amiga correndo atrás do Diego com um füzil na mão. Sabe quando alguém conta uma piada e todo mundo para de rir? e Você continua feito uma hiena desgovernada. Eu estava rindo desse jeito sozinha enquanto ela me encarava com cara de desentendida. — Amiga, confirma aí com seu boy que a gente tá indo. Mas pelo amor de Deus, eu não quero confusão para o meu lado. — Tira a tornozeleira. — Você sabe que isso é perigoso. Prefiro meu pai rastreando meus passos do que tirar e cair em alguma cilada. Lembra o que aconteceu meses atrás? Se não fosse a tornozeleira, eu ainda estaria vagando na Ilha do Governador. — Exagerada. Eni foi para o quarto dela, e eu fui para o meu. Tomei banho, lavei meu cabelo e hidratei. Também hidratei minha pele, já imaginando como será um baile funk. Só vi por vídeos na internet, nunca fui em um. Na verdade, nunca entrei em um morro. Meu pai detesta pessoas da periferia, por isso sempre nos manteve afastados. Atendo muitas pessoas de comunidades no banco. Sei que realmente existem bandidos, traficantes e pessoas de má índole, mas também na comunidade se concentra o maior número de pessoas de bem, trabalhadoras. Meu pai não passa de um preconceituoso. Quando terminei o banho, sequei meu cabelo deixando-o totalmente liso. Fiz uma make destacando os meus lábios grossos, Escolhi um vestido branco curto e bem apertado. Por baixo, estou usando apenas um fio dental de renda. Não quero marcar o meu vestido. Coloquei uma sandália preta de salto alto que amarra no tornozelo. Coloquei algumas jóias como pulseira, brinco e anel. Passei hidratante em todo o meu corpo e o meu perfume favorito, Imperial Majesty de Clive Christian. Adoro essa fragrância. Minha mãe me trouxe dois da última vez que foi para Paris. Peguei uma bolsa pequena e coloquei meus documentos e um cartão de crédito. Assim que cheguei na sala, já encontrei Eni toda linda e empolgada para encontrar o gatinho dela. Na verdade, nem sei como é esse homem. Nunca o vi, só sei que é a empolgação da minha amiga que o faz parecer um príncipe encantado, mas ao invés de usar uma espada, ele usa um füzil atravessado nas costas. — Amiga, tu tem certeza que isso não vai dar mërda? — Certeza eu não tenho de nada, mas se der mërda, a gente vai estar atolada até o pescoço. Não sei por que ainda acho graça das besteiras que minha amiga fala. Achamos melhor deixar nossos carros guardados na garagem do condomínio, chamamos um carro de aplicativo e atravessamos a ponte para o outro lado. Lá está eu, a filha do juiz Belo, indo para o baile funk em Niterói. Se meu pai descobrir uma coisa dessas, ele me mata. Assim que chegamos na entrada do Morro, dava para ouvir um som muito alto. Não entendi direito a letra, mas a entrada estava bem agitada, cheia de gente subindo. Assim que descemos, paguei o motorista e agradeci. Eni gritou atrás de mim, me assustando. Quando olhei, ela correu e abraçou um homem alto, forte, com cara de mäl. — Amiga, esse é o Samuca. Esta aqui é a minha amiga Fernanda, que eu te falei. — Prazer, Samuca. — Satisfação, morena. Prazer só na cama. Ele falou isso olhando nos meus olhos. Desviei o olhar e puxei minha mão rapidamente. Já estou me arrependendo de ter vindo. E o pior, o garoto estava de moto. Ou subíamos na garupa dele ou teríamos que ir a pé. Pelo menos ele virou a moto, e eu consegui subir sem mostrar tudo para os homens que estavam lá. À medida que nos aproximávamos do local onde o baile estava concentrado, meu coração batia mais rápido do que os beats da caixa de som. Paramos em frente a uma quadra. Primeiro, eu desci, em seguida a Eni. Samuca desceu da moto, colocou a Eni na frente dele, e pediu para que eu ficasse na frente da minha amiga. À medida que passávamos pelo meio das pessoas, algumas gritavam para Samuca. Ele pediu para que eu subisse as escadas para ir para o camarote, que já tinha um lugar reservado para nós. Subir as escadas foi desafiador, tinha muitas mulheres dançando e alguns homens parando para nos olhar de cima a baixo, lambendo os lábios. Todos estavam armados, alguns se drøgando. — Fiquem à vontade aqui em cima. Vocês podem beber o que quiserem, dançar à vontade. Só não podem descer as escadas. Concordamos com ele, que deu um beijo na Eni e saiu para falar com os homens que estavam do outro lado no mesmo camarote. De repente, o DJ parou o som e pediu uma salva de tiros para o chefe. Começaram a atirar com os füzis para cima, enquanto começava a tocar um funk proibidão. Um homem alto, forte, com um blusão preto, rodeado por outros homens, veio passando pelo meio da galera. Quando ele subiu ao camarote, foi cumprimentando os que estavam pela frente até parar bem na frente da mesa onde estávamos. Não pode ser. Aqueles olhos eram inconfundíveis. Ele é o ladrão que roubou o banco e me fez refém.
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