2 meses depois.
Ávelyn conversava com Máine, sua confidente e uma das poucas pessoas em que ela verdadeiramente confiava, ela já havia lhe contado sobre a visão, mas ainda não entendia como aquilo que viu poderia ocorrer, passou os ultimos dois meses tentando chegar a alguma resposta. Elas andavam pelos corredores e passaram na frente do escritório do rei, alí ela ouviu por acidente, um comentário que faria sua visão fazer o máximo de sentido. Quem fica quase todo o tempo detro dos muros do palácio tem pouca ou nenhuma noção do que acontece lá fora, então é natural que só chegasse aos seus ouvidos agora.
- Isso é um problema. - Comentou o príncipe. - Está um caos lá fora, o povo está com sede. Demos ordens que usassem de nossa fonte para abastecer hospitais, orfanatos, escolas e casas de repouso, mas agora até nós estamos ficando sem água. A época de realizar o plantio que irá alimentar a todos no inverno está acabando, alguns lugares já estão sofrendo com a fome, se não chover estaremos condenados.
Ávelyn entrou na sala sem convite, o rei não disse nada como sempre, mas até o príncipe que nunca perdia uma oportunidade não tinha energia para brigar.
- Acabei ouvindo. - Confessou. - Era sobre isso. - Disse ao rei. - Eu vi o que esta acontecendo agora. -- Ela estava tão afoita com a descoberta que sequer levou em conta que o principe também estava alí.
- O que quer dizer com isso? - Perguntou o rei.
- Quando estavamos converdando em seus aposentos a um tempo atrás, eu lhe disse que tinha tido uma visão. - Relembrou Ávelyn.
- Uma visão? - Perguntou o príncipe.
- Danara, mãe de Ávelyn, era uma Santa, uma sarcedotisa escolhida pelos deuses. - Disse rei Alfred, explicaria melhor mais tarde, mas ainda manteria o fato de que ela era descendente do povo Neankanaua oculto por um tempo. - Ela me falou que Ávelyn herdaria seu posto, ao que tudo indica está acontecendo agora. Depois eu te explico. - É claro que o rei não contaria muita coisa a ele.
- A princípio eu estava cética sobre ser uma sarcedotisa, durante todos esses anos nada de sobrenatural aconteceu comigo. - Comentou Ávelyn. - Mas quando estava com o rei tive uma visão, eu comentei sobre ela com Máine, porém vou dizer para vocês na integra o que me foi dito.
Ávelyn falou exatamente tudo o que Nefir lhe disse, não deixou de fora nem sequer uma palavra.
- Então a culpa é minha. - Concluiu o príncipe.
- Mesmo que eu discorde é o que os deuses decidiram. - Falou Ávelyn.
- Ao que tudo indica os deuses ficaram ofendidos pelo que foi feito com a escolhida deles, eu também ficaria se mandasse um representante meu a outro reino e alguém prendesse e espancasse ele. - Disse o rei.
- De acordo com o que Nefir disse, dois deuses em especial ficaram profundamente ofendidos e isso explica muita coisa. - Falou Máine. - Eloen é a deusa da chuva, neve e das grades tempestades, o fato dela ter sido mensionada explica a falta de chuva. Mabek é deus dos mares, rios, lagos e nascentes, a menção do nome dele explica os rios desviados e as fontes secas.
- O motivo do povo também estar pagando é porque a culpa é minha, que sou o príncipe e um representante desta nação. - Comentou Yohan visivelmente perturbado, diante daquela situação que contrariava a lógica, não era incrível que a fala de Ávelyn fosse fantasiosa demais para ser verdade, ele decidiu apenas tomar aquilo por verdade.
- Eu não sei o que fazer para ajudar, como sarcedotisa, deveria ter alguma coisa que eu pudesse fazer. - Disse Ávelyn. - Em três dias expira o prazo para o plantio, precisamos pensar em alguma coisa. Hoje eu rogarei aos deuses para ver se alguém me dá uma idéia do que fazer. Não sou muito boa nisso, nunca fiz nada assim antes.
- Eu vou calcular os custos da compra da água dos reservatórios do Reino de Lapéia, pro caso de ninguém te responder. - Comentou o príncipe.
Cada um foi para seu lado, Máine se dispôs a ajudar o príncipe com a analise de dados e cálculo de finanças, o rei foi procurar por patrocinadores dispostos a ajudar com os custos da compra de água e Ávelyn foi para seu quarto rogar aos deuses.
Ávelyn nunca tinha feito isso antes, depois do que aconteceu naquela instalação subterrânea quando era criança, ela perdeu parte da crença que tinha nos deuses, sua mãe havia lhe alertado que deveria ser cuidadosa visto que os deuses nem sempre poderiam intervir, mas ela esperou que eles aparecessem aquela vez, mais tarde ela concluiu que não apareceram porque sua vida não estava em risco, aquelas pessoas não tinham intensão real de matá-la. Mas por que agora? Por que aparecer agora? Ela não entendia, mas queria ajudar o povo que seus pais dariam a vida para proteger.
- Eu não sei como fazer isso. - Disse ajoelhada de frente para a porta que dava para a sacada de seu quarto. - É a primeira vez que entro em contato com os vocês. Eu entendo o motivo de terem ficado ofendidos, mas não posso fechar meus olhos e fingir que não vejo o sofrimento do meu povo. Então eu imploro, se eu tenho favor diante de vocês, ajudem a aliviar a angustia em meu coração, o príncipe se arrepende profundamente pelo que fez e eu o perdoei, acaso meu perdão não serve de nada? Acaso minha voz é inútil e não pode ser ouvida? Me digam o que tenho que fazer para salvar o meu povo da desgraça.
Ela esperou por uma resposta, mas nada aconteceu então a garota se levantou. Ao levantar seu corpo enfraqueceu e tudo parecia girar, com dificuldade ela caminhou até a cama, mas antes de chegar lá perdeu os sentidos e caiu no tapete felpudo que cobria o chão.
Ávelyn se viu em um campo de girassóis, apesar de se lembrar de ter caído ela estava de pé, como chegou ali? Ela não sabia a resposta, começou a olhar a sua volta em busca de alguma informação, mas parou no instante em que compreensão veio sobre ela, aquilo não era real. A garota precebeu que aquilo era uma atividade sobrenatural.
- Quem me convocou? Veio em resposta a minha prece? - Questionou ao vento.
- Eu ouvi claramente o seu chamado. - Disse uma voz atrás dela. Ávelyn se virou para encará-la. - Em consideração a você e somente a você, lhe direi como trazer de volta Eloen. Diferente de Mabek, Eloen não está irada e sim triste, magoada.
- Quem é você? - Perguntou Ávelyn.
- Perdoe a minha rudeza. - Se desculpou. - Eu sou Corive, deusa da Sabedoria.
Corive era muito mais alta que Ávelyn, seu longo cabelo azul marinho estava preso em uma trança que descançava sobre seu ombro direito, seus olhos eram rubros e dois grandes chifres saiam de sua fronte, sua pele pálida contrastava com suas unhas pretas. Ela era bela.
- É um pazer.
- O prazer é meu, tenho curiosidade sobre o que a nova sacerdotisa irá me mostrar. - Comentou.
- Disse que Eloen está triste e não irada, a forma como falou me leva a crer que é mais fácil de convencer a ela do ao deus Mabek. - Argumentou Ávelyn.
- Gosto de humanos inteligentes. - Falou. - Eloen sempre amou os humanos e assim como os Neankanaua, ela compartilhava da esperança de que os humanos mudariam sua natureza e parariam de perseguir o povo escolhido, mas quando viu o que fizeram com você o coração dela se encheu de dor e ela abandonou essa terra.
- Como acabo com a tristeza dela?
- A resposta esta diante dos seus olhos, se ela ama os humanos tudo que ela precisa é de uma demonstração pura de bondade por parte dos humanos. - Falou Corive. - Depois que conseguir o ato puro de bondade, tudo que você precisa fazer é entoar o chamado da chuva e ela voltará. Quanto a Mabek, uma vez que o coração de sua irmã gêmea seja curado, ele retornará por si mesmo com o tempo. Mas escute, Mabek costuma ser temperamental e vigativo, então tenha cuidado.
- O que é o chamado da chuva? - Indagou Avelyn.
- Meu tempo acabou, isso você terá de descobrir sozinha. - Falou enquanto seu corpo ficava cada vez mais transparente. - Não esqueça, Ávelyn, mesmo que tenha sucesso desta vez, evite a existência de uma próxima. Os deuses não são conhecidos pela paciência.
Ela se foi e com ela se foi o cenário do campo de girassóis, Ávelyn escutava uma voz conhecida vindo de longe.
- ...lyn? - Chamava. - Ávelyn? - Ela abriu os olhos e viu o rosto preoculpado de Máine.
- O que aconteceu? - Perguntou.
- Essa fala é minha. - Rebateu. - O que estava fazendo deitada no chão? Por acaso desmaiou? Eu disse pra você comer direito, mas você nunca me...
- Acho que tenho uma resposta, mas não sei o que fazer com ela. - Comentou se levantando e sentando na cama em seguida. - Vá dizer ao rei que irei sair até a cidade amanhã, preciso ver o povo. Depois volte que lhe contarei em detalhes o que aconteceu.
- Mas lá fora está uma bangunça, pode ser perigoso. - Disse Máine sem pensar muito.
- Perigoso para quem? - O comentário de Ávelyn foi despretencioso. - Eu vou ficar bem, apenas avise ao rei e somente ao rei.
Máine foi fazer o que lhe havia sido ordenado e Ávelyn ficou pensando sobre o que tinha acabado de acontecer, organizando as informações. Não demorou muito e sua amiga voltou.
- Ele não gostou nada da idéia, mas disse a ele que você tinha um plano. - Disse Máine.
- Que plano?
- Eu sei lá, se você não tinha agora vai ter que criar um ou eu terei mentido para o rei. - Deu de ombros.
- Me pergunto de onde vem toda essa confiança que vocês depositam em mim.
- Não é mera confiança, é fé. - Respondeu Máine. - De todo modo me diga o que está acontecendo.
- Corive, a deusa da sabedoria, arrastou minha consciência para uma dimensão entre a nossa realidade e a terra dos deuses, pelo que pude supor. Aparentemente eles podem manipular esse espaço e mudar o cenário de acordo com a vontade deles. - Iluminou. - Ela me deu dicas de como trazer a chuva de volta.
- Nefir não tinha dito que os outros deuses não iam agir em nosso favor?
- Aparentemente não era unânime e Corive está agindo por conta própria. Espero que ela não esteja tentando me fazer lhe dever um favor - Pôde concluir.
- O que ela disse para você fazer, exatamente e porque o rei não deve saber agora? - Questionou Máine.
- Ela me disse que preciso de um ato puro de bondade e do chamado da chuva. - Respondeu. - Tio All tem boas intensões e quer o melhor para o povo, mas é exatamente isso que nos atrapalharia. Um ato de bondade pode ser fabricado...
- Mas um ato puro de bondade não pode. - Máine completou o raciocínio. - Ele poderia tentar fabricar e isso dificultaria sua procura.
- Exatamente.
- Mas como você identificará o ato puro de bondade? - Perguntou.
- Tenho a sensação de que saberei no instante em que ver um, Corive é a deusa da sabedoria, ela não me daria uma dica sabendo que é impossível para mim entende-la ou executa-la, não seria sensato. - Comentou Ávelyn. - Vou sair do palácio e ficar entre o povo para ver se consigo encontrar.
- Boa idéia. E quanto ao chamado da chuva? - Indagou Maine.
- Tenho a sensação de que já ouvi essa expressão em algum lugar. - Divagou a mulher. - Mas onde?
- Talvez tenha sido algo que você leu.
- Algo que eu li? - Ponderou ela.
Ávelyn colocou o dedo indicador no centro da testa e se concentrou, era uma habilidade que ela descobriu que tinha ainda criança e a refinou, várias imagens de páginas que ela leu surgiram em sua mente sendo passadas rapidamente como imagens em um Caleidoscópio, até que uma delas lhe chamou a atenção. Era de um dos livros de sua mãe, um livro sobre cultuos e rituais feitos para os deuses, em uma das páginas do livro estava " o chamado da chuva".
- " O chamado da chuva" é um ritual realizado para a deusa Eloen, era realizado antes ou durante a época de plantio e a finalidade era pedir para que a deusa os abençoasse com chuva, afim de que tivessem uma boa safra. - A consorte deixou que as palavras fluissem através de seus lábios como se as estivesse lendo.
- Nunca deixa de me surpreender, como você se lembra de algo que viu a tanto tempo? - Disse Máine. - Me dá arrepios.
- Deixe de frescuras, precisamos achar o livro, tenho certeza de que trouxe tudo pra cá quando me mudei.
As duas começaram a procurar e após duas horas estavam começando a pensar que ele tinha sido jogado fora ou se perdeu na mudança, mas uma serva apareceu para saber se a Consorte real queria algo e acabou que ela tinha arrumado o quarto e guardado o livro no fundo falso do guarda-roupas.
- O local onde ele estava era húmido demais, imaginei que ele era importante então guardei em um lugar melhor para não estragar, junto com alguns documentos pouco utilizados. - Disse a serva.
- Você fez bem, obrigada. - Agradeceu Ávelyn. - Pode ir agora, está dispensada o resto do dia, vá fazer o que quiser.
A serva saiu com uma reverência, no geral as servas e servos que trabalhavam no Palácio eram bem pagos, mas sempre tinham muito trabalho a fazer, receber uma folga inesperada era motivo de muito alegria.
- Aqui está o ritual. - Disse Ávelyn ao folear o livro, ela parou em uma página com imagens de ultencilios e escrita em uma caligráfia cursiva. - Precisaremos de tudo que tem aqui para fazer do jeito certo e pedirei ao tio All, mas antes de fazer isso preciso encontrar o tal ato de bondade.
- Como vai fazer, não pode simplesmente sair por aí vestida de Consorte real. - Falou Máine.
- Vou fazer uma lista de coisas que você deve me trazer.
- E quanto a escolta? - Insistiu Maine, ela tinha conciência de que sua amiga não era fraca, mas também sabia que ela não era imortal.
- Você é mais do que o suficiente, mas não deve mostrar para todo mundo que estou acompanhada, fique observando de longe.
- Me pergunto de onde você tira toda essa confiança em mim. - Comentou Máine.
- Conheço a sua força, não tenho porque ficar preocupada. - Respondeu Ávelyn. - Nem preciso dizer pra você usar algo mais leve e confortável, não é?
Máine pegou a lista na mão da consorte real e analisou brevemente.
- É a tarefa mais fácil que você já me deu nessa vida. - Disse Máine fingindo estar emocionada - Voltarei depois do jantar, não se preoculpe comigo, comerei algo no caminho.
- Não chegue muito tarde, sairemos cedo amanhã. - Orientou Ávelyn.
Máine deixou o quarto para cumprir sua tarefa e Avelyn pegou o livro para decorar o que deveria ser dito e feito durante o ritual.