Capítulo 04

1251 Words
Eu me despedi e consegui escapar para o meu apartamento antes de escutar o exagero afetivo que aqueles dois ficavam. Dizendo isso, me refiro aos beijos estalados e a troca de carícias sem a menor preocupação de que não estivessem sozinhos. Era um amor muito bonito, e eu os admirava com todo o meu coração. Mas, ao mesmo tempo, me preocupava. Era o típico casal hétero que se conhecia desde a infância e estavam juntos desde a adolescência, e a sociedade nunca esteve pronta para qualquer tipo de amor genuíno. Então eu me preocupava de que algo pudesse acontecer a eles. De que alguém poderia tentar abalar a forte relação que os dois tinham. Bia e Guto eram a minha inspiração. Os únicos amigos que sabiam sobre a minha forte tendência para o mundo literário e que me apoiavam com unhas e dentes. Guto até mesmo me deu conselhos jurídicos quando mencionei que estava pensando em escrever sobre uma criminosa sem limites, no que eu me empenhei ao máximo para colocar todos os detalhes que ele me passou, ainda que a história não fosse lida por mais do que uma dúzia de pessoas na internet. Entrei em minha casa e fui logo ligando a televisão, sincronizando no spotify para que o silêncio não me perturbasse enquanto fazia minhas tarefas domésticas. Braba, da Luísa Sonza, começou a tocar, e eu me rendi ao funk enquanto varria o chão e limpava o ** das prateleiras. Quando terminei, o piso de todo o meu apartamento tinha cheiro de eucalipto e folhas frescas, e eu me joguei na cama após um banho demorado e relaxante. Já passava da meia noite. O meu corpo estava latejando pelo cansaço, e os músculos reverberavam abaixo da pele em câimbras intensas. A rotina estava me matando aos poucos. Eu me joguei de costas na cama, e fiquei observando o teto. A minha janela não era do chão ao teto, e não era tão glamourosa quanto se vê em filmes com apartamentos caros, apesar de tudo, era bem grande e direcionada para o nascer do sol. E foi uma verdadeira penitência encontrar qualquer cortina que fosse grande o bastante para cobrir todo o vidro da janela. Até porque eu morava no terceiro andar, e todos os vizinhos dos andares acima tinham que passar pela rampa que dava em direção à minha janela. O sol me incomodava, e a luz nos corredores das rampas também me incomodavam, então eu estava sempre procurando por cortinas que não deixassem nenhuma fresta de luz entrar. No entanto, com exceção daquelas de plásticos, nenhuma cortina suprimia minhas expectativas. Naquele momento, por exemplo, todas as luzes estavam apagadas em meu apartamento, mesmo assim, uma luz alaranjada vindo do lado de fora refletia pela cortina e manchava as portas do meu guarda-roupas. E eu fiquei olhando para aquela luz refletida por um momento, deixando minha mente fluir para que algumas cenas do mundo que eu estava criando para minha nova história surgissem em minha cabeça. Lancei um olhar para o meu notebook, que descansava numa das alcovas da estante diante da minha cama. Eu não conseguia ter forças mentais e nem físicas para chegar até ele e começar a escrever. Eu tentava com muito afinco continuar usufruindo da minha capacidade mental para criar mundos e histórias que ninguém jamais ousou criar. No entanto, a falta de motivação e de tempo estava me consumindo aos poucos. Eu não conseguia sequer me lembrar de usar palavras sofisticadas e difíceis, para fazer com que os futuros leitores daquela obra se mantivessem cativos pela minha escrita e desenvoltura literária. Estava trabalhando e juntando dinheiro para conseguir pagar a faculdade que eu realmente queria cursar, que realmente fazia meu coração bater mais forte e minha cabeça se encher de expectativas. Porém, por conta dos trabalhos e das preocupações, eu não tinha tempo para fazer o que amava. Eu não conseguia me envolver amorosamente depois do meu último namoro fracassado, e não conseguia inspiração suficiente para escrever algo além das fantasias e dos mundos sobrenaturais. Eu queria escrever um romance simples e fácil de se ler. Algo como uma verdadeira novela, que fosse atrativa e cativante. Mas, em minha cabeça, existia apenas os planos fantasiosos e os mundos que jamais existiriam na vida real. Eu não conseguia imaginar como começar uma história sobre o amor, já que nunca havia tido nada parecido em minha vida. Eu queria ser a responsável por um romance que deixasse os leitores na ponta da cadeira, que fizesse com que eles tivessem vergonha de ler em público porque sentiriam todas as emoções e sensações da protagonista, e que faria com que eles se viciassem o suficiente para ler mais de uma vez. No entanto, eu não sabia por onde começar. Por mais que as minhas leituras fossem exclusivamente de romances adultos, eu não sabia como deveria iniciar uma história sobre. Tudo no que eu pensava era em uma protagonista independente e que se tornava uma fora da lei impossível de ser capturada. Eu não sabia se uma história de romance adulto poderia começar com uma descrição como o diário daquela protagonista, ou se deveria começar num clichê de adultos que se esbarram numa avenida e se apaixonam desesperadamente um pelo outro. Eu tinha muitas ideias, e pouco tempo para colocá-las em prática. Tinha mesmo um cérebro brilhante, e poderia muito bem viajar para mundos aleatórios se colocasse um fone e permitisse que a música envolvesse o meu coração. Porém, tinha uma constante incapacidade de manter o foco numa história só, de modo que o enredo sempre se tornasse recheado de reviravoltas confusas. Com um suspiro alto, me levantei e peguei uma cerveja, voltei para o quarto e comecei a fuçar em meu f*******:, conforme dava pequenos goles na garrafa em mãos. Entre memes e fotos de amigos da época de escola, decidi olhar minhas duzentas solicitações de amizades que nunca seriam aceitas. Era incrível como tantos desconhecidos apareciam do nada, embora o último deles, cuja solicitação fora enviada há 3 horas, me chamou a atenção imediatamente. Felix Assumpção. Rapidamente procurei pelo máximo de informações possíveis. Nasceu em 1991. Gostava de rock antigo. Nascido numa cidade vizinha a minha. Era formado em administração e atualmente estava inaugurando uma agência imobiliária com um amigo, aparentemente sem localização. Tinha bastante fotos. Dois anos antes tinha cabelos curtos e ligeiramente mais loiros do que agora, que, além de alcançarem os ombros em mechas lisas, a cor levemente mais escura adornava perfeitamente com os olhos verdes. Também já fora casado. Encontrei várias fotos da ex-mulher, e parecia que o romance havia chegado ao fim recentemente. Talvez no início da pandemia. Eu ainda não sabia. Porém, aceitei a sua solicitação e continuei o meu trabalho árduo de fuxicar a sua vida, entrando de perfis em perfis para saber tudo o que podia. Dei Glória a Deus quando o sono começou a bater e eu pude deixar a obsessão de lado, saindo do f*******: para entrar no w******p, mas sabia que no dia seguinte teria mais um motivo para ficar disponível nas redes sociais com Felix Assumpção em meu caminho. No w******p, uma mensagem de áudio de um numero desconhecido apareceu para mim assim que abri o aplicativo. "Boa noite, Tamara... Sou a Izabel, mãe da Bianca, que talvez você conheça como Pink Summer... Ela me disse sobre a sua vontade de uma consulta para leitura de cartas ciganas... Poderia me mandar um áudio com pelo menos três perguntas que gostaria de fazer ao universo?"
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