Dessa vez não dei qualquer chance de que ela falasse novamente. Fechei meu notebook e me afastei dele como se fosse uma criatura viva, jogando-o na cama e me encolhendo nas cobertas. Eu estava em um pequeno estado de choque. E tentei me convencer de que era apenas bobagem. Ciganas falavam o que queríamos ouvir. Certamente ela entendeu que a minha história com o meu ex era um assunto inacabado e transformou tudo num jogo de desastres. Estava tudo bem. Eu só precisava distrair minha cabeça e não pensar em homens, cartas e destino.
Só que eu não conseguia parar de pensar nas palavras de Izabel. Não conseguia parar de visualizar as cartas em minha mente conforme fechava meus olhos. Eu não conseguia dormir. Só conseguia pensar naquele maldito homem e no cachorro do baralho, além do tal banho de pétalas para conseguir deixar um homem aos meus pés. O homem que estava chegando para me deixar em ruínas e o amigo que chegaria para me erguer novamente. Eu não sabia se deveria acreditar cem por cento nas palavras de Izabel. Até porque, mesmo sendo bem leiga no assunto, eu sabia que a especialidade dos ciganos era interpretar de sua maneira aquilo que viam.
Talvez até surgisse um homem e um cachorro em meu caminho, mas no sentido mais literal da palavra, e não em algo tão profundo e agourento daquela forma. Talvez eu não precisasse me preocupar tanto em me entregar para alguém, já que ninguém havia despertado interesse suficiente em mim para que eu conseguisse chegar aos finalmentes. E se realizasse aquele feitiço, provavelmente o homem estaria completamente apaixonado por mim, e não o contrário.
A verdade era que fazia muito tempo desde a última vez em que estive na cama com um homem. E a situação foi tão embaraçosa e desconfortável, que eu não me senti satisfeita, mesmo ele sabendo muito bem o que estava fazendo. Eu não me senti verdadeiramente preenchida. Acho que faltou amor. Ou qualquer sentimento além da malícia. Eu achava que até a minha libido estava sendo influenciada pela falta de Cristiano em minha vida. E era só por isso que eu estava tão inclinada a realizar aquele feitiço. Só para saber se poderia mesmo deixar um homem aos meus pés logo no primeiro encontro.
Mas então o primeiro encontro implicaria na situação de que eu teria de fazer o homem provar a minha essência, como Izabel havia dito, ou algo parecido com isso. Eu compreendi que teria de fazer o homem ao menos me beijar para ser tocado por aquela necessidade de estar o tempo todo comigo. Apesar das minhas crenças, eu até suspeitava que coisas desse tipo funcionavam mesmo.
E eu não precisava mais que as cartas dissessem sobre Cristiano. Eu tinha que superar aquele homem. Até mesmo naquele momento, depois de escutar as palavras de Izabel, eu ainda estava olhando no w******p, observando o perfil online de Cristiano. Ultimamente parecia que ele nunca dormia. Todas as noites em que eu abria a sua conversa, ele estava lá, disponível. Todos os dias em que eu acordava e procurava por uma mensagem sua, ele estava lá, ainda disponível. Eu estava começando a me preocupar com a mulher cujo ele estava se envolvendo agora.
Não é muito de se esperar de alguém que trabalha ou estuda que fique a noite toda falando no celular. E eu também não deveria estar fazendo isso, mas era mais forte do que eu. Então, sem conseguir me conter, acabei digitando um inocente “Boa noite, Cris” e enviei. Para a minha surpresa, a mensagem ficou imediatamente azul, indicando que ou ele estava esperando por alguém para conversar, ou que ele também estava com a minha janela de conversa aberta.
No entanto, ele não respondeu, e imediatamente ficou offline. Eu revirei os olhos e virei de costas na cama. Ele não falava comigo. Ele não me visitava. Ele sequer perguntava de mim para sua mãe ou irmã — porque eu perguntava se ele queria saber informações sobre mim e elas negavam. E, mesmo assim, eu ainda estaria disposta a largar tudo se ele aparecesse do nada em minha porta, dizendo que estava arrependido pelo tempo pedido.
Teria mesmo aceitado voltar e fingir que nada tinha acontecido. Porém, ele não aparecia. Ele nunca apareceu. E eu continuava correndo atrás dele. Continuava me esforçando para estar ali, caso ele precisasse. Mesmo que ele nunca estivesse quando eu precisava. Nem mesmo naquele momento, em que as palavras de Izabel me deixaram confusa e angustiada, e que eu precisava de alguém para desabafar, ele não estava lá.
Recusei cada pontada dolorosa que ameaçava alcançar o meu coração e me levar ao choro, e me levantei da cama, determinada a ler a minha crescente estante de livros que nunca eram lidos pela minha falta de tempo. Já passava das duas horas da manhã, e o meu sono ainda não havia chego. Então abri um romance sombrio e comecei a me envolver nas páginas amareladas do livro.
O conforto que as palavras me trouxeram valeram mais do que qualquer abraço. Aquele livro me salvou de uma madrugada em que eu passaria chorando por me sentir sozinha e questionando as minhas escolhas de vida. E eu mergulhei nas páginas, sugando cada palavra daquela poesia e*****a que eu tanto me maravilhava de estar absorvendo. As palavras daquele livro preencheram meu coração, e me fizeram enxergar que eu não precisava de nada além do que já tinha para me sentir feliz. Mesmo que fosse uma felicidade que eu tivesse de buscar, e não que fosse instantânea, ainda era uma forma de felicidade, e isso me bastava.
Aos poucos, a minha cabeça foi se envolvendo com aquela história, e outro enredo começou a surgir em minha cabeça, de modo que até mesmo parei de ler o livro e mantive meu olhar preso no mais distante dos mundos, imaginando a história do romance adulto que eu escreveria e faria com que fosse lido e aclamado em qualquer plataforma de leitura que eu o disponibilizasse. Ainda que fosse um livro que envolvesse fantasia, ele ainda retrataria a vida real de uma mulher que lutava por seus sonhos e encontrava o seu príncipe encantado. Eu poderia fazer aquilo. Eu poderia escrever sobre um amor impossível e fazer com que as pessoas gostassem disso.
Não peguei meu notebook novamente, ainda considerando que ele era uma criatura perigosa e que deveria ser mantida a distância. Comecei a formular a história em minha cabeça, usando situações que já haviam ocorrido em minha vida pessoal, e criando o homem ideal e perfeito para se envolver com aquela protagonista cheia de sonhos e objetivos de vida. Ainda deitada, deixei que a minha mente me levasse para outro mundo, que ainda se parecesse com o mundo real, numa realidade paralela.
Eu pude ter um gostinho do que aquela história ainda se tornaria. Do enredo que envolveria desde os meus maiores medos até os meus mais secretos fetiches. Comecei a idealizar um homem dos sonhos em minha cabeça, e ele era loiro e tinha olhos de um verde quase escuro. E esse homem que ainda era um personagem sem nome, era dono de um sorriso que fazia ruguinhas ao redor seus olhos, e que tinha um sorriso largo. Mentalmente eu fui criando a personalidade desse homem, desejando que ele fosse gentil e honesto, e apaixonado pela vida.
Aos poucos fui modelando a história ao meu bel prazer, criando uma situação inesperada e divertida em que a protagonista conhece o amor da sua vida numa festa em que ninguém pode ver os rostos uns dos outros. E mesmo sem colocar a história no papel, eu fui colocando cada detalhe e descrevendo cada virtude e defeito que os personagens teriam e seria o motivo para que a relação fosse abalada no futuro.
Por fim, acabei recorrendo ao meu celular para poder anotar no bloco de lembretes as informações principais que não poderia perder na hora que conseguisse dormir. Porém, eu achava que ainda sonharia com aquela história. Pela maneira com que me dediquei me anotar detalhes triviais e bobos, que eu esperava fazer uma grande diferença na hora de colocar o projeto em prática. Eu escolhi as profissões dos protagonistas, fazendo com que a garota fosse uma mulher muito bem resolvida e rica, e que o homem fosse alguém normal. E que uma paixão avassaladora tomasse conta de seus corações.
Era um enredo clichê e muito açucarado, mas eu achava que aquilo podia ser bom o suficiente para chamar a atenção das pessoas, e estava disposta a descrever o máximo de detalhes possíveis sobre aquela trama que seria de tirar o fôlego. Eu precisava de novas experiências, percebi enquanto anotava que o enredo envolveria muitas cenas sexuais. Só não sabia onde encontraria essa experiência, considerando que eu própria não saía muito de casa e não tinha tempo para conhecer pessoas.
Mas, por uma trapaça do universo, assim que entrei em meu f*******:, alguns Stories novos de Felix Assumpção surgiram entre os muitos que sempre ignorei. Os dele, fiz questão de olhar. Entre fotos do seu cão, havia uma imagem do catalogo da Netflix, onde o filme "Livrai-nos do m*l" aparecia em destaque, então presumi que ele estivesse prestes a assisti-lo. Mesmo não sendo uma pessoa que dava muita atenção para Stories e coisas do tipo, dei uma sequência de "amei" naquela foto, e a minha reação foi enviada para ele como uma mensagem.
Naquela madrugada, eu decidi que iria beber mais do que precisava para esquecer daquela consulta de Tarot e da minha péssima vida amorosa. E já estava na quinta cerveja, quando, às 3:25h da manhã, Felix Assumpção respondeu à minha reação em sua foto dizendo:
"Gosta de filmes de terror?", dando início a uma conversa que realmente me levaria às ruínas.