Enquanto conferia na bolsa o que estava levando para mais uma aventura com meus amigos, me peguei pensando no quanto mudamos nesses anos e a quantidade de momentos que nós colecionamos de sucesso, derrota e de muita amizade.
Era meu primeiro fim de semana com o Daniel, que passou de paquera, para uma ficada fixa, após a minha separação com o Rafael. Era uma verdadeira libertação sair daquele casamento que me mantive infeliz por anos, em busca de uma idealização de família perfeita. Eu tinha medo, na verdade, pavor de perder o amor dos meus filhos e tentei ao máximo protelar o inadiável, me libertar daquele energúmeno.
Após o nascimento da Joana e com distanciamento do Otto, eu e o Rafael nos aproximamos e quando menos percebi, já éramos um casal, no qual eu era apaixonada por ele e ele, bom, ele era “ele”, como sempre foi. Em um descuido e uma espera para que o destino me mostrasse qual caminho eu deveria escolher, nasceu o João, meu Joãozinho, o menino mais treloso de Praia de Itamaracá. O surfistinha que estava competindo, ganhando e orgulhando todo o vilarejo com seu talento.
Minha vida passou a ser em Praia de Itamaracá, logo após o nascimento do João. Eu joguei tudo que havia conquistado na minha cidade para viver naquele vilarejo e poder me dedicar à família que eu havia construído. Então com a justificativa de precisar ser presente na vida das duas crianças e com uma oportunidade de ampliar os negócios do Rafael, que só faziam crescer e gerar lucros, investi todo meu dinheiro e construímos um hotel, que estava atrelado a dívidas de financiamentos.
Não foi nada fácil trocar definitivamente saltos e roupas sociais por roupas mais informais e um tênis que me ajudava muito na correria e rotina com meus filhos. Em Praia de Itamaracá eles tinham uma vida mais livre, mais tranquila, tinham contato com a natureza e eu os tinha perto o tempo inteiro para criar, educar e ser a mãe que minha mãe um dia foi para mim. Eu jamais iria conseguir participar tão ativamente das atividades e descobertas deles se continuasse na minha rotina de prazos, audiências e muitas reuniões, mas confesso que... eu sentia falta das audiências, das roupas sociais, da maquiagem diária, unhas perfeitas, saltos, vida urbana, desafios, de fazer justiça com meu trabalho, dos meus pais e dos meus amigos perto de mim o tempo inteiro. Então aquele dia, além de ser comemorativo por nossas conquistas, era um dia de matar a saudade dos melhores amigos que alguém poderia ter.
— Mãeeeeeeeeeeeeeeeeeee, a dinda e o dindo chegaram — gritou a Joana, avisando que a Milena e o Vicente haviam chegado para me buscar para nosso passeio de comemoração.
Saí do quarto rapidamente, me despedi dos meus pais e falei na direção dos meus filhos:
— Se comportem, ok? Seus avós irão me ligar se aprontarem algo e eu juro que volto na velocidade da luz e coloco os dois de castigo, por um ano inteiro.
Preferi deixar os meninos na casa dos meus pais a levá-los comigo, afinal, aquele fim de semana era de adultos e estaríamos comemorando a vida e principalmente o sucesso em ter colocado os irmãos Otavio e a Penélope na cadeia. Não tínhamos mais a rotina de estar sempre juntos e às vezes passávamos meses sem nos ver, mas aquela data era importante demais para passar em branco, além de que era um motivo com justificativa certa para que a gente se visse, independente do que acontecesse. O Rafael imprestavelmente não se solidarizou nem um pouco comigo para ficar com as crianças naquele fim de semana, ele disse que aquele fim de semana era meu e eu me virasse, com a intenção de que eu desistisse da diversão, do passeio e principalmente de passar o fim de semana com o Daniel. Graças aos meus pais, estava tudo completamente de pé e nada e ninguém me deixaria longe naquele fim de semana com meus amigos.
— E meu pai tira a gente do castigo no mesmo dia! — gritou o João, com sua ousadia, perspicácia e coragem dos seus sete anos. Ah, ele é muito, muito corajoso.
Minha mãe abraçou as crianças e falou na direção do João:
— Olha como fala com sua mãe, se não quem coloca de castigo sou eu. — Ela deu um leve beijo na cabeça do João e continuou: — Olha, lá na geladeira tem uma caixa de chocolates! E você sabe que menino que fica de castigo não tem direito a comer doces por um bom tempo.
As crianças correram na direção da cozinha, em uma competição, e eu sorri para minha mãe, em agradecimento, e falei:
— Eu já disse que um dia você vai conquistar o mundo com esses seus doces e mimos?
Ela sorrindo, respondeu:
— Eu só quero conquistar o coração dos meus netos, não me tire esse prazer da vida!
Eu a abracei, em seguida dei um beijo forte nela. Aquele apoio que ela me dava incondicionalmente fazia muita falta na minha rotina e eu não sabia por mais quanto tempo eu aguentaria sozinha naquele vilarejo, tendo que aturar o Rafael e a Marinalva diariamente passeando juntos e eu tendo que fingir que não me afetava com aquela situação.
As buzinas insistentes me fizeram descer as escadas do prédio que meus pais moravam, correndo para aquele fim de semana que prometia render muitos momentos felizes.
*
Estávamos todos na lancha que nossa amiga Beatriz havia comprado, há poucos dias, era a inauguração, a comemoração, vitória em cima de vitória. Estávamos eu, a Milena, o Vicente, a Beatriz, o Marcelo e o Daniel. A Mariana
não pôde comparecer, pois estava com alguns compromissos políticos. Ela tinha se tornado vereadora daquele interior retrógrado e como gostávamos de ressaltar, a vereadora que havia tido mais votos na região e, por esse motivo, estava para ser lançada como futura prefeita, o coronelismo daquele interior estava com os dias contados. Ela nos orgulhava muito com sua garra e determinação de vencer os preconceitos que já iniciavam em sua família, muitas vezes.
O destino da nossa lancha era uma ilha conhecida por grandes festas e de uma beleza admirável. Estava de pé na pontinha da lancha, degustando o champanhe e principalmente o dia que estava mais lindo que todos os outros. Provavelmente, porque eu estava ali com meus amigos, celebrando a última vitória como advogada, a profissão que eu tanto amava e sentia tanta falta de exercer. Era bom celebrar aquela conquista tão importante, era como se me levasse para aquela adrenalina de estudos e montagem de peças para fazer justiça. O Daniel apareceu segurando a sua taça, me deu um beijo no pescoço, que me fez arrepiar de imediato, ele falou com a voz puxadinha, que eu achava extremamente atraente:
— Você hoje está ainda mais linda!
Sim, eu estava mesmo, porque eu estava vestindo o meu melhor sorriso, eu realmente estava muito feliz. Nem me lembrava da última vez que tinha tirado um fim de semana para mim, talvez há um ano, na nossa última confraternização. Sem contar que dessa vez, depois de meses me sentindo culpada pela separação com o Rafael, era a primeira vez que eu estava com meu coração tranquilo e certa de minhas escolhas.
Eu sorri e falei, me aproximando da boca dele:
— São seus olhos!
Ah, os olhos dele! Eram puxadinhos e extremamente sexys! Ele era descendente de oriental e tinha cabelos lisos curtinhos, arrepiados que eu adorava sentir tocar a minha pele nos nossos momentos íntimos. Ele também era dono de um rosto delicado ainda mais lindo, oposto do rosto marcado do sol e cheio de pintinhas do Rafael. Ele respondeu, sorrindo:
— Desde que esses olhos te viram através das minhas câmeras, nunca mais foram os mesmos.
O Daniel era fotógrafo profissional e nos conhecemos quando ele estava tirando umas fotos do hotel para o marketing. Eu senti meu rosto corar e ele de imediato me beijou e nossas línguas se entrelaçavam com ação e entusiasmo.
— Vocês estão bem animadinhos hoje, hein?
A Milena nos interrompeu e logo me abraçou, me virando para o horizonte que antes eu estava contemplando sozinha. Ela usava um chapéu grande, uns óculos maiores ainda, blusa de proteção, quase que um esconderijo proposital da sua pele delicada do sol. Não demorou muito para o Vicente chegar e se juntar a nós. A Milena e o Vicente eram um casal que estavam sempre juntos e compartilham uma vida sem ressalvas, era muito bom ver minha amiga feliz e recuperada de todos os traumas que viveu ao descobrir o passado e segredos de sua família. Ultimamente, só a via triste nas suas tentativas frustrantes de gravidez.
A Milena perguntou:
— Cadê o Marcelo e a Beatriz, para completarem o brinde ao sucesso?
Eu respondi, brincando:
— Acho que estão inaugurando aquele quartinho lá embaixo.
Sorrimos juntos e o Daniel chamou o Vicente para pegar mais bebida. Assim que ficamos a sós, a Milena foi logo perguntando, animada:
— E aí? Dessa vez é para valer?
Eu respondi, com sorriso tímido:
— Acho que nunca vai ser para valer! Mas, ele é uma boa companhia e me faz bem.
Ela perguntou baixinho:
— E o sexo?
Sorrimos juntas e eu respondi:
— Bom também!
Ela perguntou, surpresa:
— Só bom? Ah não, Liz, para com isso...
Eu a interrompi:
— O que adianta ter o sexo mais maravilhoso da vida e não ser feliz?
Ela entristeceu, afinal, ela sabia muito bem o que eu estava falando. O Rafael era incrível na cama e não tinha muito explicação por eu ter tanto desejo em ver aquelas sardinhas pulsando de t***o por mim, só sei que mesmo a gente vivendo momentos difíceis como casal, quando existia sexo, ainda era bom e era isso que tanto me confundia e me deixava acomodada em viver um casamento infeliz. Ela respondeu, tentando me animar:
— Acho que ser só bom, então, por ora, é suficiente, desde que você esteja feliz.
Levantei minha taça ao horizonte e falei:
— Um brinde a ser bom!
Ela sorriu e respondeu, levantando a taça:
— Um brinde a ser bom e feliz!
Antes de nossas taças se tocarem com o brinde, o Vicente apareceu nos surpreendendo com gritos:
— PULEM, PULEM, PULEM!
Nós nos viramos na direção dos gritos e o encontramos correndo ao nosso encontro, segurando coletes salva-vidas com o rosto tomado pelo terror. Ele nos entregou os coletes rapidamente e ordenou, gritando:
— Coloquem e pulem da lancha.
A Milena ficou sem entender e, ao pegar o colete, ele gritou ainda mais alto, ordenando:
— PULEMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMM!
Eu fiquei assustada e, ao olhar por trás do Vicente, percebi uma fumaça saindo da lancha. Eu perguntei, aterrorizada:
— O que está acontecendo? Cadê a Beatriz? Cadê o Marcelo? Cadê o...
O Vicente nos abraçou e sem nos dar chances de fazer algo diferente, nos puxou para cairmos na água. Nós caímos e eu abri os olhos, vendo que a fumaça só aumentava. O Vicente começou a nadar para longe da lancha e continuou a gritar:
— Nadem, nadem, nadem...
A Milena seguiu as ordens e começou a nadar, eu perguntei, assustada, sem entender o que estava acontecendo:
— O que estar acontecendo? Cadê a...
BUMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMM.