Capítulo 2

1019 Words
Capítulo 2 PILOTO NARRANDO Assim que a garota passou pela porta, o silêncio se instalou por um segundo, mas foi o suficiente pra me irritar. Quem ela achava que era pra entrar daquele jeito? Falando comigo como se estivesse num balcão de reclamação? Jacaré, claro, tava com aquele sorriso irritante que ele só faz quando sabe que eu tô putö . Jacaré — Você lembra dela? — Ele perguntou, se inclinando pra perto, a voz baixa como se fosse algum segredo . Dei de ombros, jogando o corpo de volta no sofá. Peguei a lata de cerveja na mesa ao lado, mas nem bebi. Tava mais preocupado em tentar apagar aquela sensação incômoda que ficou depois que ela saiu . Piloto — Nunca vi essa garota na minha vida. E, se vi, já esqueci. — Minha voz saiu seca, do jeito que eu queria . Jacaré riu. Aquele riso debochado, como se ele soubesse de algo que eu não sabia . Jacaré — Tá, mas ela morou aqui. Dizem que saiu quando era moleca. Parece que voltou agora com essa ideia de ser a salvadora da pátria . Revirei os olhos. Eu não precisava de salvadores. Muito menos de uma pirralha cheia de atitude que achava que podia me enfrentar . Piloto — Não gostei dela. Tá avisado: se essa garota fizer merdä, tá na sua responsa. Até porque eu sei que se ela subiu aqui e chegou tão rápido na minha, sem eu ser avisado, foi tu que liberou, então tá na sua responsa e já era! Jacaré — Na minha? — Jacaré ergueu as sobrancelhas, com aquele tom brincalhão que me tirava do sério. — Piloto, cê tá levando a mina a sério demais, cara . Dei um gole longo na cerveja antes de responder, o gosto amargo combinando com meu humor. Piloto — Não tô levando a sério, não. Só tô deixando claro que quem manda nessa porrä sou eu. E essa garota tá achando que é o quê? Prefeita? Deputada? Vou mostrar pra ela que aqui a palavra final é minha. Jacaré se aproximou da mesa e pegou um pedaço de carne do prato, mastigando devagar como se fosse um crítico de comida. Ele sempre fazia isso. Transformava qualquer conversa séria em piada. Jacaré — Sabe o que eu acho, patrão? — Ele falou, com a boca cheia. Piloto — Nem quero saber. Jacaré — Eu acho é que você gostou dela. O pedaço de carne quase entalou na garganta dele quando me virei e o encarei. Onde que eu tava com a minha cabeça quando coloquei essa porrä de sub? Piloto — Tá chapando caralhö? Tá usando drogä estragada? Gosto de mulher de verdade, não de pirralha. Jacaré — Sei, sei… — Jacaré deu um passo pra trás, levantando as mãos como se estivesse se rendendo, mas aquele sorrisinho continuava. — Só tô dizendo. Parece que ela mexeu com você. Deixei a cerveja na mesa com um pouco mais de força do que deveria, fazendo o líquido espirrar. Piloto — Vai se föder, Jacaré. Ele riu, como se tivesse ganhado a discussão. Jacaré — Tá bom, tá bom. Mas, sério, ela não parece ser do tipo fácil. Vai ter que adestrar, isso se você conseguir se aproximar, porque ela também parece que não gostou de você. Encontramos uma que não se jogou aos pés do incrível gostosão Piloto. Minha mandíbula apertou antes que eu respondesse. Piloto — Não existe difícil pra mim. Tudo o que eu quero, eu consigo. Nunca recebi um “não” na vida, e não vai ser essa garota que vai me dar o primeiro. E o que não vem de boa, eu tomo de assalto. Jacaré me olhou por um segundo, como se quisesse medir se eu tava falando sério ou só blefando. Ele deu uma última mordida no pedaço de carne antes de falar: Jacaré — Só quero ver. Piloto — Vai ver, sim. Se eu quiser, pego ela a hora que eu quiser. E quero ver ela resistir. O silêncio que veio depois foi quase satisfatório. Jacaré sabia que eu não brincava com essas coisas. Ele podia ser meu amigo, meu braço direito, mas ele também sabia que, quando eu colocava algo na cabeça, ninguém tirava. Levantei do sofá e caminhei até a janela, olhando o movimento lá fora. Crianças jogavam bola num canto, enquanto duas motos passavam voando com moleques gritando atrás delas. Aquela era a minha casa, o meu morro, o meu império. E ninguém, absolutamente ninguém, fazia qualquer coisa aqui sem minha autorização. Bianca... O nome dela ecoava na minha cabeça de um jeito irritante. Não era normal. Não era normal alguém olhar pra mim daquele jeito, sem medo. Como se ela não soubesse do que eu era capaz. Ou, pior, como se soubesse e não ligasse. Jacaré — Ela é bonitinha, vai. — Jacaré quebrou o silêncio, ainda com aquele tom de quem tava só se divertindo. Piloto — Gostosinha. — Corrigi, me virando pra ele. — Mas só isso. Jacaré — Aham. Só isso. — Ele sorriu de novo, pegando mais um pedaço de carne. Voltei pro sofá, mas dessa vez não sentei. Cruzei os braços e fiquei olhando pra TV sem realmente ver o que tava passando. Jacaré — Ela é diferente. — Jacaré falou de repente. Piloto — Diferente como? Jacaré — Sei lá. Não parece ser dessas que caem fácil no seu papo. Eu não lembro muito bem a história dela, mas parece que a mãe abandonou, o pai criou ela sozinha, logo saíram do morro. Enfim, ela não parece ser alguém que tu vai ganhar no papo. Piloto — Então vai ser interessante. Ele riu, mas não respondeu. Talvez ele soubesse que a conversa tinha acabado. Ou talvez soubesse que eu já tinha tomado minha decisão. Se essa tal Bianca achava que podia entrar no meu morro e agir como se fosse dona da situação, ela tinha se enganado bonito. Eu ia mostrar pra ela, de um jeito ou de outro, que nesse lugar, só tinha espaço para o que o dono mandava. E esse dono era eu.
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