Madson dormiu pouco durante a noite, não sabia o porquê, mas sentia-se triste. Depois de assistir dois filmes ela havia ido deitar, no intuito de conseguir dormir, mas antes de pegar no sono ouviu a porta da sala bater e alguns soluços, parecia ser Kate. Ela achava que a irmã dormiria no alojamento com Tracy.
Por um momento quis ir ver se a irmã estava bem, mas pelo modo que a irmã chorava baixinho no outro quarto, achou melhor deixá-la sozinha e falar com ela na manhã seguinte. Demorou mais algumas horas para conseguir dormir, quando conseguiu já passava das três da manhã. No dia seguinte acordou cedo com uma cólica terrível, era esse o motivo de tanto sentimentalismo.
Nesses dias Madson sempre virava uma pessoa chorona, não tinha quem a aguentasse por perto. Precisava de chocolate, sorvete e balinhas. Isso a deixaria calma e gorda também, mas por hora ela não se importava. Logo faria a matrícula em uma academia e voltaria a manter o corpo em forma.
Quando finalmente saiu de seu quarto, Madson decidiu passar no da irmã. Bateu duas vezes na porta antes de abri-la, mas para a surpresa dela, a irmã já havia ido para o trabalho. Suspirou, estava arrependida por não ter ido consolá-la durante a noite, sentia-se uma péssima irmã.
Decidiu por apenas vestir uma roupa confortável e ir até o mercadinho que havia ali perto comprar algumas coisas.
No caminho ela foi observando as casas da vila, quanto mais distante da entrada, maiores eram as casas e mais sofisticadas também, algumas até com mais de um andar e garagem subterrânea. Quando chegou ao mercado, ela foi direto para seção de doces, não estava nem aí se pareceria uma criança comprando tantos doces.
Pegou três barras de chocolate de sabores diferentes, alguns canudos de chocolate, várias balas e doces, e por fim pegou sorvete. Não havia como ela ficar triste com tanta coisa gostosa para comer.
Começou a andar de modo desajeitado pelo corredor segurando todas as coisas, quando sem querer esbarrou nas costas de um cara, esse mesmo cara virou parecendo estar com raiva, mas a expressão de seu rosto ficou mais calma quando ele olhou para Madson.
— Me desculpe. — Ela falou com vergonha.
— Tudo bem. Falo com você depois, tchau. — Ele disse essa última frase para o celular e desligou. — Precisa de ajuda aí? — Ele falou apontando para o tanto de doces que ela tinha em mãos.
— Ah, não precisa se incomodar. — Ela respondeu enquanto analisava o cara, ele era loiro, alto, com um porte atlético e vestia terno e gravata.
— Tudo bem, não estou com pressa. — O moço falou dando um belo sorriso de lado, ele era bem diferente dos caras que ela já havia conhecido, em aparência pelo menos. — Aliás, eu sou Fábio.
— Eu sou Madson. — Ela falou com um pouco de vergonha, o nome dele também era diferente até no modo de pronunciar. Ele a ajudou a levar as coisas até o caixa.
— Você deve ter achado meu nome diferente. — Ele falou sorrindo e ela assentiu com a cabeça timidamente. — Eu não sou daqui, sou do sul do Brasil. — Agora estava explicado o porquê da aparência diferente.
— Legal. Não sente falta de lá? — Ela perguntou imaginando como seria conhecer o Brasil, a verdade era que sabia pouquíssimo sobre o país.
— Quase sempre, mas os Estados Unidos se tornou a minha segunda casa. — Ele sorriu abertamente.
— Eu também não sou daqui, nasci na Espanha. Mas só nasci mesmo. Moro aqui desde meus primeiros meses de vida. — Ela falou sem jeito, nem sabia por que estava falando aquelas coisas para um estranho. — Obrigada pela ajuda. — Ela falou assim que os dois passaram pela porta do supermercado.
— De nada. — Ele falou sorrindo abertamente. — Quer uma carona?
— Não, obrigada. Preciso perder as calorias que vou repor com isso e as sacolas não estão pesadas. — Ela nunca aceitaria a carona de um estranho.
— Tudo bem então, até outro dia. — Ele falou entrando em um carro vermelho.
— Até. — Ela andou de volta para casa, disposta a passar o dia inteiro assistindo uma série que a amiga havia recomendado. Once Upon a Time, ela não fazia ideia do que se tratava a série, mas como havia terminado todas que acompanhava, iria assisti-la.
Chegou em casa largando todas as coisas em cima da mesa da cozinha, pegou algumas balas e uma barra de chocolate meio amargo e se jogou no sofá, colocando o primeiro episódio da série para tocar.
***
Douglas estava impaciente, em poucas horas faria a cirurgia do filho de seu amigo. Mesmo que tivesse dormido bastante na noite anterior, se sentia cansado, tentava se manter calmo para a cirurgia.
Ele andava de um lado para o outro em sua sala quando Kate chegou, alguma coisa nela estava diferente, ela não parecia bem e sua feição demostrava que estava triste. Ela apenas sibilou um bom dia baixo e seguiu para a pequena sala.
Mesmo estranhando o jeito de Kate, decidiu não incomodá-la, ela não parecia querer conversa. Se jogou na mesa disposto a tentar se acalmar, havia separado o dia somente para essa cirurgia, então tinha tempo de sobra.
Douglas ter bloqueado Candy não adiantou muita coisa, até tinha sido pior, pois ela ligava toda hora exigindo que ele lhe desse atenção. Era até engraçado, haviam ficado uma vez só e fazia uns meses e mesmo assim ela insistia em pegar no pé dele.
O telefone tocou novamente e Douglas o pegou com receio, poderia ser Candy novamente. O nome fazia jus a garota, era mais melosa do que um doce. Douglas ficou aliviado ao olhar para a tela do celular e ver que não era Candy, e sim, Fábio.
— Fala, cara. — Falou ao atender.
— E aí, não te conto quem eu encontrei hoje. — Fábio falou num tom sarcástico.
— Só pode ser mulher. — Douglas respondeu em ironia.
— Claro. Não quer saber quem foi?
— Fala.
— Lembra aquela mulher do corpo escultural lá no clube? — Fábio falou e o corpo de Douglas gelou, não poderia ser.
— Qual delas? — Tentou disfarçar o nervosismo em sua voz, sem saber direito o porquê disso.
— A morena dos cabelos longos. — Fábio falou e Douglas teve a certeza de que ele estava falando da mesma mulher que havia dominado os seus sonhos. — O nome dela é Madson.
— Ah. — Respondeu com desânimo. Pelo menos já sabia o nome dela.
— Achei que você fosse ficar mais animando.
— Por que ficaria?
— Por mim, ué. Logo, logo ela será do papai aqui. — Ao ouvir isso Douglas sentiu uma raiva o consumir, pela primeira vez desejava que o amigo se fodesse.
— E o que te leva a pensar isso? — Tentou não parecer muito interessado.
— Ela foi gentil. — Fábio falou de um modo meio retraído e Douglas sentiu um enorme alívio.
— Boa sorte. — Falou com ironia, mas o amigo pareceu não perceber.
— Sempre tenho. — Fábio respondeu.
— Preciso desligar aqui e voltar ao trabalho
— Até mais, cara. — Fábio falou ao desligar.
Douglas suspirou, ainda estava com raiva do amigo. Ficou girando de um lado para o outro na cadeira enquanto pensava no que fazer sobre a notícia que o amigo havia dado a ele. Por um momento toda a tensão pré cirurgia deu lugar a uma tensão diferente. Não se sentia confortável ao pensar em Madson com Fábio.
— — -
Douglas estava nervoso, não só pela ligação do amigo, mas também por outra ligação. Haviam ligado do pronto socorro avisando que um paciente precisava ser operado às pressas, e ele era o único neurocirurgião disponível. Tentou contestar, teria que fazer outra cirurgia em algumas horas, mas não adiantou e ele não deixaria um paciente desamparado.
Ele chamou Kate e avisou a ela que teria uma cirurgia de emergência em alguns minutos, deixou-a livre para escolher se queria estar presente ou não. Pelo pouco de informação que haviam passado a ele pelo telefone, sabia que havia sido um acidente feio e era meio r**m para estudantes verem isso já em seus primeiros dias de estágio, isso poderia levá-los a desistir.
Ele confiava bastante na estagiária para saber que ela não desistiria por causa disso, Kate já havia se mostrado uma ótima profissional. E mesmo que não participasse de modo direto na cirurgia, era essencial ela estar presente.
Desceu para a ala D o mais rápido que pôde, o paciente já estava recebendo atendimento na sala de cirurgia e logo teria que ser operado. Douglas já estava mais calmo, era um bom profissional e tinha que lidar com situações como aquela sempre. Ele não poderia deixar o envolvimento emocional atrapalhar o seu desempenho durante a cirurgia, qualquer erro ali seria fatal.
Ele havia se formado para salvar vidas e não para tirá-las, e era isso que faria. Salvaria a vida daquele homem e salvaria a vida do filho do amigo, já estava decidido sobre isso. Kate havia optado por descer e participar da cirurgia, depois que ela esterilizou tudo e entregou a Douglas, a cirurgia começou.
O paciente havia batido a parte posterior da cabeça ao ser arremessado de um carro, e os ferimentos eram feios. Ele também estava com uma grave concussão, o que dificultava mais ainda o trabalho de Douglas.
Foram duas longas horas de cirurgia, Douglas sentia-se exausto e ao mesmo tempo realizado. Havia conseguido salvar a vida daquele homem, pelo menos inicialmente. O paciente ainda teria que ficar sob observação por um tempo até poder dizer que ele realmente estava fora de risco, mas tudo havia corrido bem durante a cirurgia.
Douglas arrancou a máscara e a touca que usava e passou as mãos no cabelo, nervoso. Em poucos minutos ele teria que operar o filho do amigo, estava nervoso porque o quadro clínico do menino era difícil, talvez o mais difícil que ele já tinha pego. Estava saindo da sala de cirurgia quando o gerente do hospital o parou.
— Você fez um belo trabalho naquela cirurgia. — Ele falou batendo nas costas de Douglas.
— Obrigado, senhor Vasquez, não fiz mais que a minha obrigação. — Falou meio nervoso, eram poucas as vezes que o gerente descia de seu "trono" para conversar com alguém do hospital.
— Admiro a sua dedicação, garoto, você sabe quem era o cara que você operou? — Perguntou de modo enigmático.
— Não, sei apenas o básico. — Douglas respondeu confiante.
— Ele é um dos criminosos mais procurados de toda a América, ele estava fugindo quando aconteceu o acidente e ele é uma peça importante para o uso do FBI. Nós acompanhamos a cirurgia da minha sala de conferências e você fez realmente um ótimo trabalho. — Vasquez falou e Douglas gelou, havia salvado um bandido?
— Obrigado, senhor, preciso ir. — Falou tentando se livrar daquela conversa, ele iria descansar por quinze minutos antes de poder entrar para a próxima e mais difícil cirurgia.
Douglas caminhou a passos lentos até a sala de descanso, enquanto passava por um dos corredores, viu Danniel e a esposa esperando aflitos, aquilo fez o coração dele se apertar. Não poderia errar nada nessa cirurgia.
***
Madson já havia assistido vários episódios da série e já estava entediada, não via a hora de começar a estudar e voltar pra academia, e assim ter algo para fazer. Ela andou de um lado pro outro pela casa à procura de algo para fazer, acabou achando o notebook de Kate jogado em cima de um mesinha na sala e resolveu então entrar em suas redes sociais.
Por sorte no notebook havia como entrar como visitante, ela abriu a internet e digitou f*******: na aba de pesquisa, fazia um tempo que não abria o face. Quando abriu, havia mais de 99 notificações, algumas solicitações de amizade e muitas mensagens.
Resolveu abrir primeiro as mensagens. A maioria delas eram de suas amigas, maioria das mensagens eram interrogativas e todas no mesmo estilo. "Madson, por que você fez isso?" Madson ficou confusa, resolveu abrir as notificações. Maioria delas eram em um único Post, um que falava que Madson havia traído Caleb.
— Mas que p***a é essa? — Ela gritou para o computador.
Ficou irada com o que viu, não era só um Post, eram vários e todos a difamando. Ela foi a traída e ele que saiu como bonzinho da história? Ficou ainda mais magoada porque as amigas acreditaram naquilo, num surto de raiva ela decidiu que excluiria o f*******:. Não precisava passar por aquilo e não precisava ler xingamentos, até de pessoas que não a conheciam.
Excluiu o face e desligou o computador, ainda estava em nervos com tudo aquilo. O dia havia começado até bom, mas aquilo havia tirado toda a sua animação. Ficou pensando no que fazer para tirar aquilo da cabeça. Ela precisava se ocupar ou acabaria ligando para Caleb e o xingaria de todos os nomes ruins possíveis. E ela sabia que era isso que ele queria, atenção. Não precisava ligar para aqueles boatos, já estava muito longe daquela cidade e não devia nada a ninguém.
O celular de Madson tocou, assustando-a, ela correu até o outro lado da sala para pegá-lo. Era Gerald, ele quase nunca ligava, ficou em dúvida se atendia ou não, resolveu atender e agir normalmente para ele não desconfiar de algo.
— Oi, pai. — Falou com falsa animação.
— Oi, filha, como você está? — O pai perguntou normalmente.
— Ótima. — Falou e fingiu um sorriso.
— Que bom, preciso falar com a sua mãe, ela está por perto? — Ele perguntou e Madson gelou, pensou em mil desculpas para falar até achar uma boa. — Filha, você está aí?
— Foi m*l, a ligação estava r**m. — Ela desculpou-se. — Melissa não está. Ela agora trabalha. — Falou e suspirou. Esperava ter sido convincente.
— Ah, depois eu ligo para ela então. — Ele falou e ela ficou aliviada.
— Qual o motivo da ligação? — Perguntou para o pai.
— Nenhum em especial.
— Tudo bem então. — Ela sorriu. — Preciso ir, pai. Até mais. — Ela falou e não esperou a resposta dele, apenas desligou.
Madson decidiu que realmente precisava relaxar, iria fazer uma caminhada para ver se ficava um pouco menos nervosa. Depois de ler tudo aquilo na internet, decidiu que seria bom se começasse a praticar alguma luta. Se um dia encontrasse Caleb, daria-lhe uma surra para ele aprender a honrar o que tem no meio das calças.
Tomou um banho rápido e vestiu uma roupa de caminhada, amarrando o cabelo em um r**o de cavalo, pegou o IPod e conectou na playlist preferida, prendeu do lado da calça, passando os fones por dentro da blusa para que não caíssem durante a corrida e saiu de casa. Prendendo a chave debaixo de um vaso de planta que ficava ao lado da porta.
Começou a correr devagar pelas ruas da vila em direção a um parque que havia ali perto, daria duas voltas no parque antes de voltar para casa. Precisava queimar todas aquelas calorias que havia ingerido durante a manhã. O sol no alto do céu a ajudaria a queimá-las mais rápido.
Quando chegou ao parque parou em frente ao grande caminho cheio de árvores, por algum motivo sentia receio em entrar naquele lugar. Decidiu apenas ignorar isso e voltou a caminhar.
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Madson já estava correndo pela pequena trilha escura no parque, haviam outras poucas pessoas fazendo caminhada e passeando com seus animais. A cena mais esquisita foi ver um cara puxando um gato por uma coleira. Madson ficou tão vidrada na cena que acabou não olhando por onde corria e deu de cara com uma enorme árvore. Bateu fortemente e foi arremessada para trás, de modo que caiu, batendo o corpo com força no chão.
— Ai! — Madson exclamou passando uma das mãos em sua cabeça. Aquilo com certeza deixaria uma marca roxa.
— Deixe eu te ajudar. — Um rapaz loiro de porte atlético falou, estendendo a mão para ela.
— Obrigada. — Ela apertou a mão dele e foi puxada, ficando de pé novamente.
Madson hesitou um pouco antes de levantar o olhar para o seu "salvador".
— Você está bem? — O loiro perguntou e em seu rosto havia preocupação.
— Estou sim, obrigada novamente. — Madson respondeu e forçou um sorriso, ela ainda estava com vergonha. Sentia-se uma i****a por ter batido a cara em uma árvore. — Preciso ir. — Ela falou, sorriu e acenou para ele.
Não continuaria a caminhada, decidiu que voltaria para casa, havia perdido toda a vontade de caminhar. Antes de sair do parque ela se permitiu olhar novamente para o loiro, ele ainda tinha um sorriso compreensivo no rosto. Ela sorriu forçado novamente e começou a correr para casa, já não prestava atenção em que música tocava em seu iPod.
Chegando em casa, pegou a chave debaixo do vaso de planta e abriu a porta. Não queria nada naquele momento, só precisava de um banho. Caminhou até o quarto e chegando lá puxou os fones do iPod, conectou-o a um acessório que o fazia tocar alto e deixou a playlist tocando. Um fundo dramático para uma pessoa dramática.
Entrou no banheiro e tirou aos poucos as peças de roupa. Entrou no box de vidro, o fechando em seguida e ligou a água. Quando a água morna atingiu seu corpo, Madson sentiu sobre si o peso dos problemas e uma vontade enorme de chorar cresceu em seu peito. Naquele momento ela não se importava mais se deveria ou não ser forte, apenas enfiou a cabeça debaixo d'água, fechou os olhos e chorou. Chorou pela traição de Caleb, chorou por estar longe da mãe, chorou por ter sido tão i****a nos anos de namoro e chorou por todas as mentiras que haviam inventado ao seu respeito.
Nada mais importava, Madson se sentiu fraca e incapaz. Passou as mãos pelos cabelos e apoiou as costas na parede, o choro agora vinha com mais força, ela estava chorando por todas as vezes que se manteve firme mesmo quando precisava desabar. Escorreu as costas na parede até parar no chão do box, agarrou os joelhos e deitou a cabeça neles enquanto a água caia sobre o corpo, começou a soluçar alto enquanto chorava. Além do choro e do barulho da água em contato com a sua pele, ouvia-se uma música triste da Birdy, o que não melhorava a situação.
Permaneceu nesse estado por mais alguns minutos antes de finalmente conseguir se acalmar um pouco, tomou banho normalmente lavando os cabelos. Chorar havia tirado um grande peso de suas costas, ela precisava daquele momento, precisava ser frágil e de certo modo sentia-se aliviada.
Ao sair do banho, Madson vestiu um vestido folgado e prendeu o cabelo em uma trança ainda molhado. Deitou-se na cama, puxando para perto de seu corpo um dos travesseiros. Agarrou-o com força e enquanto tocava uma música calma do Simple Plan, ela foi sentindo os olhos pesados e acabou pegando no sono.
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Já estava na hora da cirurgia começar, aqueles poucos 15 minutos de descaso não haviam sido suficientes para ele. Além de cansado, ele ainda estava nervoso. Entrou na sala de cirurgia e encarou o corpo do garoto em cima daquela cama, o seu coração se apertou, era o mesmo que ver um filho naquele estado. Isso doía nele, havia passado anos sendo profissional e naquele caso já estava tão envolvido emocionalmente que sentia medo de errar.
Poucos minutos depois de Douglas, Kate entrou na sala. Ela não parecia feliz, em seu rosto havia um misto de raiva e de preocupação, havia também um pouco de indignação. De certo modo Douglas entendia o lado dela, pelo pouco que ela já havia estudado em medicina ela deveria saber que aquela era uma operação complicada, ainda mais para um garoto de 12 anos. Ele também não concordava com o método que teria que utilizar na cirurgia, mas era uma regra do hospital. Ele teria que apresentar aos parentes do paciente todos os tipos de soluções, ela poderia não entender isso agora, mas logo entenderia o lado dele.
A cirurgia era uma das mais complicadas na área dele, e quando Douglas conversou com o amigo e a mulher dele, eles exigiram que ele fizesse essa cirurgia, era a única solução. O garoto morreria em pouco tempo se ele não o fizesse e mesmo que as porcentagens não fossem animadoras, ele teria que tentar salvar aquele garoto. Os pais do garoto viam nele uma esperança, e Douglas não queria decepcioná-los.
Foi até o lado de Kate e começou a vestir todas as roupas esterilizadas, enquanto ela estava cuidando em esterilizar as ferramentas. Ele colocou as luvas com cuidado nas mãos e antes de colocar a máscara no rosto, resolveu falar com Kate.
— Você está bem? — Ele perguntou transmitindo a ela um olhar preocupado.
— Eu não me conformo, um garoto tão novo. — Ela falou com a voz embargada de tristeza.
— Eu também não, mas precisamos ser fortes para salvá-lo. Pode ser forte por mim? Preciso do seu apoio agora. — Ele falou e tentou transmitir confiança a ela, era a verdade, ele não estava sendo forte e precisava que alguém fosse por ele, precisava de apoio.
— Posso. — Ela falou, ele sabia que não era só aquilo que a estava incomodando.
— Pronta? — Ele perguntou e ela assentiu com a cabeça.
Ele colocou a máscara no rosto e entrou na sala, olhou mais uma vez para o garoto antes de ligar a luz, mesmo o garoto não estando acordado ele aplicou uma anestesia. Morfina, isso ajudaria caso ele acordasse, não sentiria dor. Douglas pediu mentalmente forças pra Deus antes de começar a operação. Na sala haviam várias enfermeiras, um outro médico, alguns assistentes e enquanto Douglas tentava remover o tumor da cabeça do garoto, o outro médico ajudava controlando a pressão sanguínea.
Foram longas e cansativas três horas de cirurgia, durante a qual o garoto sofreu dois ataques cardíacos. No primeiro ataque os médicos haviam conseguido trazê-lo de volta, mas o segundo foi fatal. O coração do garoto parou e não mais voltou a bater, Douglas olhou espantado para o corpo do garoto, sem vida, jogado em cima da mesa de cirurgia. Carregaria a culpa consigo para sempre, ele havia feito de tudo para salvar aquela criança e mesmo assim havia falhado, talvez o riso dele não fosse suficiente.
Enquanto alguns enfermeiros e o médico cuidavam do atestado de óbito do garoto, Douglas saiu transtornado da sala, a dor que sentia no peito era grande e o estava sufocando. Antes de passar pela porta da sala de cirurgia, Douglas foi barrado por Kate, ele apenas pediu para que ela fosse dar a notícia aos pais do garoto e seguiu para a sua sala.
Não sentia-se forte o suficiente para encarar o amigo naquele momento, se o fizesse com certeza desabaria em um choro. Essa era a segunda pessoa importante que ele havia perdido, por isso precisava fechar o coração, não queria se apegar a mais ninguém.
Entrou na sala e foi até uma estante no canto dela, pegou um porta-retratos com a foto de Sarah e foi até a mesa, abraçando-o. Sentia falta do sorriso dela, era isso que geralmente animava o dia dele, e a dor que ele estava sentindo talvez fosse embora se ela estivesse ao seu lado.