02 - A morte.

1017 Words
LARA NARRANDO. O dia amanheceu e foi mais um dia que eu vi o sol nascer. A Heloisa ficou comigo e a minha mãe só conseguiu dormir porque pegamos um comprimido da Tia Yara, que no caso é a mãe da Helisa, e ela conseguiu descansar. As crianças já estavam todas prontas para ir para escola, fui levá-las a pé, assim como eu fazia todos os dias. Dessa vez a Vitória não foi, ficou para ir comigo e com a minha mãe no velório do nosso pai, ela fez questão de ir, e eu também, mas eu confesso que a última imagem que eu queria ter em mente do meu pai, não era dele no caixão. O velório seria ali na nossa cidade mesmo, Acauã de Minas, só teríamos que esperar o corpo ser encaminhado, porque tudo tinha acontecido na capital, que é Belo Horizonte. Fomos as primeiras a chegar naquele velório minúsculo que tinha em nossa cidade, que por sinal ficava ao lado da igreja e também ao lado do pequeno terreno que eles chama de cemitério. Mas é tão pequeno que eu acredito que ali não tenha nem mil corpos. Enfim, fomos as primeiras a chegar ali. A minha mãe estava arrasada, ela não conseguia parar de chorar um minuto sequer, porque ela imaginou que poderia ter acontecido de tudo, menos que ele já tinha uma outra família, mesmo que de um jeito proibido. Aos poucos iam chegando algumas pessoas, antes mesmo do corpo chegar, o velório seria rápido por conta de tamanhas perfurações que ele teve pelo corpo, o rapaz disse que nem sabe como que o velório foi autorizado a ser realizado de caixão aberto, porque ele realmente foi completamente esfaqueado. O rapaz que tinha feito isso, já tinha fugido, estava sendo procurado pela polícia e ainda deixou todo mundo pra trás, inclusive a mulher dele, a que o meu pai estava tendo caso. O corpo chegou, em um carro preto, com alguns homens de preto, e ele não tinha nem família ali para acompanhar, todos já tinham morrido e o pouco que ainda resta vivo não quer nem saber dele, muito menos de nós. Encaixaram o caixão em cima do suporte, e logo já abriram. Ele estava vestindo uma roupa qualquer, como se tivesse colocado a primeira que encontrara, aquela roupa não era dele.. Pois bem, não tivemos a oportunidade nem de escolher a última roupa que o meu pai usaria. Nem isso nos permitiram.. Ou melhor, ele quem escolheu assim, porque se ele tivesse ficado quietinho aqui com a gente, do lado da família dele, talvez hoje não estaria dentro desse caixão. Alguns dos vizinhos curiosos foram chegando, e alguns estavam tentando acalmar a minha mãe até a Heloisa voltar, pois ela tinha ido buscar um outro comprimido da mãe dela para poder dar para minha mãe, senão daqui a pouco ela ia passar m*l de novo. Que dia mais difícil, meu Deus... Fui chegando mais próxima do caixão, e a cena que eu vi foi uma das piores da minha vida..Aquele não era o meu pai.. Aquele não era o cara que sempre brigou comigo, que sempre me impediu de seguir o meu sonho por simplesmente querer cuidar de mim.. Aquele não era nem a parte r**m do Joel, que resolveu abandonar todo mundo por simplesmente estar cansado de nós. Aquele poderia ser qualquer um, mas o meu pai, era difícil de ser. Era difícil de encarar que ele estava ali. O velório durou aproximadamente 2 horas, eles realmente disseram que seria rápido por conta dos ferimentos, na verdade eu nem sei como teve velório, parece que a mãe dele, que no caso é minha avó, tem plano funerário que cobriu. Porque se dependesse das nossas condições, seria enterrado como indigente. Depois de muito apontamento, as marias fifis do bairro zombando da minha mãe, dizendo que além de ser corna ainda era i****a por estar ali chorando em cima do caixão dele, nós fomos embora. Parecia que eu sentia na minha pele toda a dor dela, porque ela tinha esperanças, assim como eu de que ele voltaria. De que ele seria mais uma vez o cara que ela sempre amou, que ele voltaria dizendo que tinha arrumado um emprego e que finalmente a gente ia ter ao menos o que comer. E eu acho que o maior motivo de desespero dela nem seja tanto esse, apesar de ser o que mais importa, mas também o fato de que ela ainda ama ele. Eu via isso no olhar dela, no último olhar que ela consegui dar para ele alguns segundos antes de fecharem o caixão, eu via amor naqueles olhos vermelhos de tanto chorar. Eu via amor depois de tanta dor, eu via amor independente de qualquer coisa. E isso me destruiu por dentro de uma forma imensurável. Todos os curiosos ficaram ali mesmo quando o velório acabou, assim já conseguiriam falar m*l da minha mãe, que era o que ia acontecer nos próximos dias e meses, até que eles arrumassem um outro alvo para falar m*l. No enterro só tinha nós 4, eu, minha mãe, Vitória e Heloisa. Apenas nós... Não teve cortejo, não teve carreata, não teve absolutamente nada que costuma ter quando morre alguém aqui no vilarejo. O meu pai não era uma pessoa importante, muito menos uma pessoa querida. Muito pelo contrário, ele sempre teve fama de autoritário, folgado e acima de qualquer coisa, uma pessoa r**m. Eu via isso nele, mas eu via por trás de todo o meu amor e por trás de toda a esperança de que um dia ele poderia ser apenas o meu pai, sem esse monte de característica r**m. Mas acabou. Já não tinha mais tempo para nada. A terra cobriu todo aquele caixão de madeira barata, cobriu, acabou. Agora chegou a hora dele se entender com Deus por conta de tudo que ele fez com a gente. Agora os bichos irão devorar tudo o que ele tinha sido aqui no mundo terreno. Esse com toda certeza do mundo, entrou para o topo da lista dos piores dias da minha vida.
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