Amiga

1360 Words
Ela tinha visto alguns produtos de limpeza na lavanderia. Onde tinha se metido, não sabia, mas ainda assim estava viva e sua família também, inclusive o irresponsável do Pablo. Devia quebrar um jarro de flores na cabeça dele, era o mínimo que ele merecia. Felizmente não precisava ir ao presídio ver o , e enquanto estivesse preso ela estava segura. Depois de organizar tudo ela criou coragem e abriu o armário de um dos quartos, tinha algumas calças, camisetas para o calor e para o frio, nenhuma bermuda ou peça íntima. Ela gostou das roupas que viu, e o cheiro era bom também. Tomou um banho e se vestiu. Estava sempre com os cabelos cobertos, seu avô tinha lhe ensinado isso, ao frequentar as mesquitas com ele, todas mulheres usavam e ela acabou se acostumando. A favela do Toldo era quente, então vestiu uma calça de tecido bem leve e claro, a blusa cobria parte dos ombros e a cintura, pegou seu conjunto de pulseiras, colocou um batom vermelho, seu avô dizia que ela ficava ainda mais bonita quando usava batom. Ele sempre lhe cobrava quando não estava arrumada ou com uma roupa bonita. Seu Guido dizia que uma mulher devia estar bonita sempre,mas principalmente dentro de casa para os filhos e o marido, a luz da casa tinha que ser bonita. Ela achava aquilo tudo muito poético, mas não discutia, não havia motivos. Quando chegou no posto de saúde seu avô estava sentado e ria com duas enfermeiras, seu Guido era um daqueles homens cavalheiros e brincalhões, por onde passava deixava alegria e simpatia. Incrivelmente ele havia tomado banho, um enfermeiro o havia auxiliado, Paloma gostava de cuidar do avô, mas agora finalmente teria alguma ajuda, poderia dormir e descansar. Sabia que logo não o teria mais e aproveitaria cada momento. Deu um beijo na testa dele. _ Já está arrasando corações? _ Fazer o que se elas não resistem ao meu charme? todas riram. _ O médico quer falar com a senhora, é só para explicar os cuidados com seu avô. _ Já volto. Seu avô estava muito mais tranquilo, o silêncio e a certeza que a neta estaria longe dos problemas causados pela guerra da Ucrânia o fez não mais temer sua morte, era o caminho para cada ser vivente e um lugar melhor o aguardava. O médico era um homem grande, forte, mas não era bonito, isso Paloma percebeu. Houve uma época em que ela pensava que todos os homens com essa característica fossem belos, mas era uma doce ilusão. _ Senhora. Até o médico a tratava como se ela fosse quase uma espécie de patroa, ou algo ainda maior, era tudo uma loucura, parecia que todos tinham medo que ela fizesse uma queixa a alguém. _ Bom dia.Sou Paloma. _ Eu sou Cristóvão. Preciso falar das condições clínicas de seu avô. Ele estava tentando ser cortês, para não deixá-la triste. _ Eu sei, entendo que ele não tem muito mais tempo. O Médico assentiu. _ Isso, O que vamos proporcionar são os cuidados paliativos, o manter sem do.r, tranquilo e fazer as vontades dele. Não quero que pense que não estamos fazendo o possível, se mudarmos a medicação, ele pode ganhar dois ou três meses a mais, mas seriam tempos difíceis. Paloma preferia que seu Guido ficasse tranquilo e não sofresse, ela poderia lidar com sua falta e a tristeza por sua partida, vinha se preparando para isso. Depois de dizer seus desejos ao médico, ela saiu pela porta. Ficou observando o lugar, lá fora algumas crianças e adolescentes soltavam pipa. Duas mulheres entraram, jovens e com muita pele à mostra perto da maneira que ela se vestia. Uma delas parou a observando. _ Não é brasileira, é? _ Sou, mas fui criada na Ucrânia. _ As mulheres de lá se vestem assim? Paloma sorriu _ Não. Fui criada na Ucrânia, mas com um avô seguidor do islãmismo por isso me visto assim. _ É estranho, mas é muito bonita, parece uma daquelas mulheres ricas e chiques. Não era bem um elogio, mas Paloma gostou da sinceridade da mulher, era jovem e usava uma blusa e short, mesmo com pele à mostra era umas das mulheres mais bonitas que tinha visto, a pele escura e os cabelos encaracolados no alto da cabeça, salto alto e pulseiras, ela se vestia bem e não tinha nada de vulgar. _ Você é linda. Prazer, Paloma. A mulher abriu os olhos com o susto. _ É a fiel do chefe. Paloma não entendeu o que significava. _ Não conhece as gírias daqui, não é? _ Não. Sinto muito. _ Eu sou a Zuleika. Bem vinda a favela do Toldo. _ Obrigada. Você fala bem. Zuleika riu, era um daqueles risos grandes e que chamavam atenção, e Paloma a desejou como amiga. _ Minha mãe não me deixou adquirir muitas gírias, mas conheço todos e falo escondido. Paloma riu. Nesse momento a enfermeira apareceu. _ Zuleika. Sabe quem a senhora é ? Mais uma vez. Paloma suspirou. _ Quem eu sou? Nem eu mesmo sei. _ De onde você vem não tem favelas, né? Nesse momento o avô dela passou m@l, Paloma escutou o alarme e correu para lá, a conversa com Zuleika foi interrompida. Paloma segurou ele, e esperou a crise de falta de ar passar. _ Melhor? _ Estou. Me prometa que quando chegar a hora desse velho ir embora, não vai chorar? _ Não posso, mas prometo que vou guardar todas as recordações boas e serei imensamente feliz, foi isso que o senhor me ensinou. Seu Guido dormiu, os momentos acordados ficariam cada vez mais espaçados. Paloma chorou, porque seu avô estava indo embora, mas também por estar ali, com ele confortável e encontrando pessoas que lhe estenderam a mão. Gostaria de agradecer ao marido, graças a ele tudo aquilo era possível. Zuleika apareceu na porta. _ Posso entrar? _ Claro. Ele dormiu. _ Seu povo gosta de abraços? Paloma chorou mais ainda e concordou. _ Sinto muito. Você parece legal. _ Eu sou. ela riu em meio a o choro. _ Mas além da tristeza, meu país estava em guerra, estou realmente feliz em estar fora daquele caos e grata por conseguir trazer meu avô. _ Vamos dar uma volta lá fora? O dia tá lindo. Podemos tomar um sorvete. Zuleika a convidou. Paloma olhou para o seu Guido, ele dormiria até o outro dia, provavelmente. Saíram pela porta principal do posto de saúde. Notou que um rapaz a seguia, _ Provavelmente o chefe colocou uma escolta. _ Por que? _ Já leu aqueles romances de máfia? _ JÁ, um ou ou dois, não gosto muito. _ É assim que funciona, mais ou menos, Cesár é o chefe, ele manda e todos obedecem, tem mais ou menos 3 anos que ele tomou o poder. Primeiro ele aparecia uma ou duas vezes no mês, o antigo líder Fernandinho, era relapso e muitos passavam fome. De alguma forma , seu marido tomou o poder, os homens deixaram de seguir o antigo traficante, e fizeram um juramento ao seu marido. _ O que aconteceu com o antigo chefe? _ Está na terra dos pés juntos, seu marido o mandou para lá. _ É o nome de outra favela? Zuleika riu. Precisa aprender gíria ou será engolida. _ César o matou em praça pública e espalhou os pedaços dele como exemplo. _ Me diga que é brincadeira. Zuleika balançou a cabeça em negação. _ Onde fui me meter? Se sentaram na mesa da sorveteria, Paloma usou o sorvete para se distrair. _ Não diga ao Cesar que eu contei, falei demais. _ Não vou. Acho que ele só vai estar em casa no fim do ano. Depois daquela primeira conversa se tornaram amigas, ela a ajudava fazendo companhia para seu avô. Zuleika fazia faculdade em uma instituição federal e Paloma a ajudou com seu trabalho de conclusão final de curso. Isso era um outro fator que a televisão não mostrava, que na favela existiam pessoas inteligentes, que lutavam para melhorar e estudava. Paloma conheceu pessoas que se comportavam pelo medo de César, mas também pessoas leais, trabalhadoras e extremamente honestas.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD