Anne - Menina cigana - primeiro Amor
Samantha - 1 esposa de Pietro se casou para fortalecer a família com 17 anos.
* * *
16 anos depois.
Pietro acordou sobressaltado, como acontecia todas as manhãs desde que Samantha havia partido. A morte dela, há dois meses, ainda era uma ferida aberta em seu coração, uma dor profunda que o acompanhava a cada respiração. Ele ainda não conseguia encontrar um jeito de lidar com a perda, e, sempre que sua mente mergulhava naquela tristeza avassaladora, as imagens dos sonhos de infância vinham à tona. Eram sempre as mesmas: uma menininha rechonchuda, de sorriso doce, brincando ao lado dele. Ele não conseguia lembrar o nome dela, mas a sensação de saudade e melancolia a tornava tão presente em sua vida, como se fosse um refúgio para sua dor.
O choro constante do bebê e o som das crianças brincando também eram uma presença inescapável em seus dias. O bebê chorava frequentemente, e o barulho das crianças correndo, pulando e gritando, como se estivessem brincando sem parar, se misturava com os ecos da sua solidão. Pietro não sabia como lidar com isso. A presença dos filhos em sua vida o fazia sentir um peso que ele não estava preparado para carregar, uma responsabilidade que o afastava ainda mais do alívio que ele procurava.
Ele se levantou da cama, sua cabeça pesada e a sensação de ressaca martelando sua mente. Aqueles últimos meses tinham sido um turbilhão de emoções e a bebida, mais uma vez, havia sido sua companhia. Sentia-se distante de tudo e todos, até mesmo de seus filhos. Não tinha paciência para lidar com os pequenos. Eles o incomodavam com suas vozes altas, com suas risadinhas e sua energia incontrolável. Ele os amava, claro, mas havia algo em sua natureza que não conseguia mais entender, algo que o afastava de tudo o que antes era familiar.
“Arman!” ele gritou, sua voz soando mais autoritária do que o pretendia. Cada vez que ele se sentia assim, ele chamava Arman, seu braço direito, para lidar com tudo o que ele não queria enfrentar. Nesse momento, o choro do bebê cessou, e o barulho das crianças também se interrompeu, como se o mundo tivesse congelado por um breve instante.
Arman entrou no quarto rapidamente, sempre calmo, com a postura de quem sabia lidar com tudo. Pietro o observou com um olhar cansado e sem paciência.
— O que as crianças estão fazendo aqui? — perguntou, mais para quebrar o silêncio do que por real interesse.
Arman, sempre prestativo, respondeu com sua voz tranquila.
— A mãe delas disse que o senhor deve passar um tempo com elas, sim ou sim.
Pietro suspirou, irritado por ser forçado a lidar com algo que ele não tinha vontade alguma de enfrentar. Ele sabia que não tinha escolha, mas a frustração só crescia dentro dele.
— Isso é uma tortura — murmurou para si mesmo.
Arman, com a mesma calma, apenas fez um gesto de compreensão e se afastou. Pietro olhou para o relógio. Quarenta minutos. Ele não tinha tempo para mais nada, então se apressou a vestir seu melhor terno. Tudo aquilo parecia uma formalidade vazia, mas ele sabia que não podia escapar de suas obrigações.
Quando ele finalmente saiu do quarto e passou pelos filhos, estava visivelmente irritado. Eles estavam alinhados, um ao lado do outro, como pequenos soldados, esperando que ele os notasse. Só o bebê de cinco meses estava chorando no colo da empregada, os bracinhos levantados em busca de algo, talvez atenção, talvez apenas carinho. Pietro olhou para os filhos, sem realmente vê-los.
— Que crianças inconvenientes — pensou, enquanto se dirigia à sala de jantar.
Ele não parou para cumprimentá-los ou dar alguma palavra de carinho. Caminhou rapidamente, com os filhos seguindo atrás dele como uma fila indiana, quase mecânica. Ele se sentou à mesa sem dizer uma palavra. As crianças, sem saberem o que mais fazer, sentaram-se também, com os olhares fixos em sua direção. Pietro pegou sua xícara de café, olhando para o líquido escuro como se ele fosse sua única válvula de escape.
Angelo, o mais jovem, tentou subir na cadeira, mas falhou repetidamente, suas pequenas pernas não alcançando a altura necessária. Pietro olhou para ele, sem paciência, e antes que pudesse se irritar mais, Arman, sempre tão atencioso, ajudou o pequeno a subir.
— Isso é patético — pensou Pietro, enquanto observava Angelo sendo acomodado por Arman. Ele queria dizer algo, repreender o filho, mas se conteve. A última coisa de que ele precisava naquele momento era de mais barulho.
Paolo, o filho mais velho, foi o primeiro a quebrar o silêncio, sua voz calma e madura, como sempre.
— Como estão as coisas na casa da vovó? — perguntou ele, olhando diretamente para o pai. Pietro percebeu que Paolo estava tentando manter algum tipo de conversa, mas ele não estava interessado.
Pietro deu um gole no café, tentando ignorar o som das crianças, que pareciam o tempo todo com fome de atenção. Ele sabia que Paolo era o mais velho, o mais responsável, mas isso não o fazia se sentir mais conectado com ele.
— Está tudo bem — respondeu Pietro de forma monossilábica, sem dar muita importância ao que estava dizendo. — A casa da vovó é sempre a mesma. Barulhenta e sem sentido.
Paolo assentiu sem dizer mais nada, talvez já acostumado com a frieza do pai. Pietro se sentiu culpado por ser tão distante, mas não conseguia se importar o suficiente para mudar sua atitude. A vida parecia seguir sem significado, e ele estava tão cansado.
Depois de alguns minutos, Pietro se levantou da mesa, não querendo prolongar aquele momento desconfortável. Ele olhou para Paolo, que estava observando-o atentamente, como sempre fazia.
— Paolo, cuide dos seus irmãos enquanto eu saio. Tenho coisas mais importantes a fazer — disse Pietro, com a voz dura, mas sem um olhar de preocupação.
Paolo olhou para o pai, mas não fez perguntas. Ele sabia que não havia espaço para contestar. As crianças, uma por uma, olhavam Pietro enquanto ele caminhava em direção à porta, como se fossem sombras seguindo seus passos. Ele não tinha paciência para ninguém naquele momento, nem mesmo para os filhos que, por mais que tentassem, não conseguiam alcançar a atenção dele.
Quando Pietro saiu de casa, a casa pareceu mais silenciosa. Ele sentiu o peso da solidão se instaurando novamente. Não importava o quanto tentasse fugir disso, a tristeza era sua constante companhia. E seus filhos, embora sempre ao seu redor, eram mais uma lembrança do que ele havia perdido do que algo que ele podia verdadeiramente abraçar. A vida, como sempre, continuava, mas Pietro não sabia por quanto tempo conseguiria suportar o peso das expectativas que ele mesmo colocava sobre os outros e sobre si mesmo.