O calor suave da tarde envolvia a vasta paisagem de vinhedos que se estendiam pelos campos de Florença. As uvas, pesadas e maduras, pendiam das parreiras como pequenas joias, cobertas pela luz dourada do sol que estava começando a se pôr. O aroma doce das frutas, misturado ao frescor da terra ainda úmida, permeava o ar. Era a época da colheita, e os vinhedos estavam repletos de trabalhadores, vindos de todas as partes, especialmente dos grupos nômades, como os ciganos, que viajavam de vinhedo em vinhedo, em busca de trabalho temporário. Entre eles estava Anne Sbano, uma garotinha cigana de nove anos, com uma energia doce, mas uma vida marcada pela dureza da necessidade.
Anne se encontrava entre as parreiras com as mãos pequenas e calejadas, pegando as uvas, os dedos manchados do suco das frutas que colhia com a dedicação de quem sabia que o trabalho não tinha fim. Seus olhos castanhos, sempre curiosos e atentos, estavam carregados de uma seriedade que era difícil de se associar a uma criança tão jovem. Ela sonhava com o que não podia ter: a chance de brincar, de correr sem preocupações, de ser livre como as outras crianças, mas sabia que sua realidade exigia mais dela.
Em outra parte dos vinhedos, Pietro Medici, de doze anos, andava devagar entre as fileiras de parreiras. Ele não estava ali por necessidade, mas por responsabilidade. Filho do dono da vinícola Medici, ele tinha o privilégio de crescer em um ambiente de conforto. Mas, recentemente, ele havia perdido o pai, e o vazio em seu coração o deixava mais distante de tudo o que um dia conhecera. Sua mãe tentava guiá-lo para o papel que lhe cabia na grande propriedade, mas Pietro não estava preparado para tomar o lugar do pai. O luto o tornava quieto, introspectivo, e ele sentia como se a cada passo que dava pelos vinhedos, estivesse deixando para trás uma parte importante de quem era.
Naquele dia, Pietro estava especialmente pensativo. Ele observava os trabalhadores, a dedicação deles, mas a distância entre ele e o mundo ao seu redor parecia aumentar a cada dia. O som dos cestos sendo carregados, os risos abafados dos outros meninos que corriam entre as vinhas, tudo parecia distante. Ele não sabia exatamente o que procurava, mas havia algo em seu peito que clamava por algo mais. Foi nesse momento, quando ele se afastava um pouco da área onde os trabalhadores estavam mais concentrados, que ele a viu.
Anne estava sozinha em uma parte distante dos vinhedos, pegando uvas com uma delicadeza incomum para alguém tão jovem. Suas mãos estavam vermelhas do esforço, mas seus olhos continuavam atentos às uvas, como se o seu mundo fosse feito apenas daquela colheita. Pietro observou-a por um momento, sentindo uma onda de empatia. Havia algo nela que o atraía, algo silencioso, uma força que ele não entendia bem, mas que de alguma forma o tocava profundamente.
Ele se aproximou, e, antes que pudesse pensar nas palavras certas, disse:
— Oi, você... não deveria estar aqui. Você é só uma criança. Deveria estar brincando, como as outras crianças. Não acha?
Anne se assustou com a voz repentina e olhou para ele com seus grandes olhos castanhos. Ela não sabia o que responder. Ela não estava acostumada a ser vista como uma criança. Para ela, o trabalho era uma obrigação, uma responsabilidade. Não havia espaço para brincadeiras. O sorriso dele, gentil e sincero, a fez se sentir confusa, mas, ao mesmo tempo, algo dentro dela desejava acreditar naquela possibilidade.
— Eu... eu não posso brincar — respondeu Anne, sem saber como explicar. — Meu pai precisa de mim.
Pietro ficou em silêncio por um momento, absorvendo suas palavras. Ele podia ver nos olhos dela que a vida dela não era fácil. Mas algo em seu coração sentiu que ela merecia mais, merecia ser apenas uma criança, mesmo que por um breve momento. Ele não sabia como mudar a realidade de Anne, mas ele queria oferecer-lhe uma chance de escapar, nem que fosse por um instante.
— Eu entendo — disse ele, com um sorriso suave. — Mas, se você quiser, posso te mostrar algo. Um lugar onde você pode brincar, correr um pouco sem se preocupar com o trabalho.
Anne o olhou com um misto de curiosidade e hesitação. Ela sabia que seu pai não permitiria que ela perdesse tempo, mas uma parte dela queria acreditar que aquilo poderia ser possível, pelo menos por uma tarde.
— Eu nunca... nunca pude correr assim, sem parar para trabalhar — disse Anne, com um sorriso tímido, como se fosse difícil acreditar nas próprias palavras.
Pietro sorriu mais abertamente e fez um gesto convidativo.
— Então, venha comigo. Eu prometo que vai ser divertido.
E, sem mais hesitação, Anne seguiu Pietro por entre as vinhas. Eles correram entre as parreiras, afastando-se do caminho principal, onde os outros trabalhadores estavam ocupados. Pietro levou Anne para um local escondido, uma parte do vinhedo onde as folhas das parreiras se entrelaçavam de forma natural, criando um pequeno refúgio. Era como um esconderijo secreto, onde ninguém mais podia os encontrar.
— Este é o meu lugar secreto — disse Pietro, com um brilho de entusiasmo nos olhos. — Ninguém mais sabe aqui. Só você e eu.
Anne olhou em volta, encantada pela tranquilidade daquele lugar. Era como se o mundo lá fora não existisse mais. Ela sentou-se na terra macia e respirou fundo, sentindo o frescor do ambiente. Pietro se sentou ao seu lado, e os dois ficaram em silêncio por um momento, apenas ouvindo o som suave do vento nas folhas.
— É bonito aqui — disse Anne, com a voz suave. — Nunca imaginei que pudesse existir um lugar assim.
Pietro sorriu, sentindo que, de alguma forma, havia feito algo de bom por ela. Ele queria que ela se sentisse livre, nem que fosse apenas por aquela tarde. Eles passaram horas ali, brincando de esconde-esconde, contando histórias, e rindo. Pietro sentiu uma leveza que não experimentava há tempos. E Anne, com sua doçura e timidez, sentiu a alegria de ser apenas uma criança novamente.
Nos dias que se seguiram, Pietro começou a procurar Anne todos os dias. Ele sabia que ela estaria em algum lugar, escondida entre as vinhas, tentando escapar das responsabilidades que a vida lhe impunha. Eles se encontraram muitas vezes, sempre criando novos jogos e escondendo-se dos adultos. Pietro mostrou a Anne mais e mais lugares secretos no vinhedo, e a cada dia, eles se aproximavam mais. A amizade deles se tornava mais forte, um vínculo silencioso, mas real. Pietro, que antes se sentia tão sozinho, começou a sentir uma conexão verdadeira com Anne. Ela, por sua vez, sentia que encontrara em Pietro alguém que a compreendia, que não a via apenas como uma criança que precisava trabalhar, mas como alguém capaz de rir e brincar, como qualquer outra criança.
Mas a felicidade deles foi curta. O pai de Anne, ao perceber que ela passava mais tempo com Pietro do que trabalhando, ficou furioso. Ele a chamou em sua casa improvisada nos vinhedos e, com a voz severa, disse:
— Anne, o que você pensa que está fazendo? Não tem mais tempo para brincar. Você está se distraindo demais, e isso não pode continuar. Amanhã, vamos embora.
Anne sentiu uma dor no peito. Ela sabia que não podia contrariar o pai, mas o pensamento de deixar Pietro e o vinhedo a fez querer chorar. Naquela noite, ela se afastou, escondendo as lágrimas, e foi até o lugar secreto onde Pietro sempre a encontrava. Ele estava lá, esperando por ela.
— Eu tenho que ir — disse Anne, com a voz quebrada. — Meu pai... ele não quer que eu fique mais aqui. Vamos embora amanhã.
Pietro olhou para ela, os olhos cheios de tristeza. Ele sabia o que isso significava.
— Mas... eu não quero que você vá. Eu... eu vou sentir sua falta — disse ele, a voz tremendo.
Anne, com lágrimas nos olhos, tirou do pescoço um pequeno medalhão de prata em forma de lírio, que sua mãe lhe dera antes de morrer. Ela o segurou nas mãos por um momento, sentindo o peso da despedida.
— Este é para você — disse ela, com a voz suave, quase inaudível. — Minha mãe me disse que tudo na vida é regido pelo destino. Eu sei que, um dia, vamos nos reencontrar. E quando isso acontecer, tudo será diferente.
Pietro olhou para o medalhão com uma emoção profunda. Ele o segurou nas mãos, sentindo que aquele pequeno presente era um símbolo do que eles compartilhavam.
— Eu prometo, Anne — disse ele, com firmeza. — Quando o destino nos reunir novamente, nada nos separará.
Eles se abraçaram uma última vez, e Anne, com um sorriso triste, se afastou, desaparecendo na noite. Pietro ficou ali, com o medalhão nas mãos, sentindo um vazio imenso, mas também uma esperança doce de que, um dia, seus caminhos se cruzariam novamente