Foi um parto difícil!
Primeiro, nasceu Marcelo já morto, depois Catarina viva e gritando para o mundo que não morreria como o irmão mais velho. Sua mãe sofreu violências nas três gestações, Patrício Fontana queria apenas um filho, aquele que iria assumir seus negócios, os demais para ele, eram estorvos inconvenientes que dependeriam dele financeiramente, diferente de Dante que nasceu a imagem e semelhança do pai, Catarina nasceu linda como a mãe.
Ela morreu dez minutos depois sob o olhar atento do seu marido e filho mais velho, ela olhou para Dante, seu filho que nem ao menos o direito de alimentar em seus s***s teve, já que a intenção de Patrício sempre foi tornar seu filho um homem forte e sem sentimentos para se tornar um torturador perfeito. Na concepção dele, a amamentação o deixaria fraco e dependente da mãe, por isso, Dante foi amamentado por uma ama de leite, alguém que assim que terminou seu trabalho foi morta para não ter nenhum vínculo emocional com o pequeno herdeiro.
Heloísa não teve escolha, aceitou pois uma mercadoria como Patrício se referia a ela não tinha como reclamar ou dizer algo. Patrício comprou Heloísa, uma filha bastarda, apesar disso, amada por seus irmãos legítimos e a esposa de seu pai mesmo ele não a aceitando já que a vendeu para um homem tão c***l como Patrício. Ela tentou evitar todas as gestações, mas os remédios não faziam efeito, seu marido não queria usar preservativo e por mais que a humilhasse, o grande torturador jamais deixou de procurá-la, ele era obcecado pela beleza e esperança que brilhava nos olhos dela.
A promessa de um fim para todas suas dores era a morte, Heloísa não esperava que ninguém a salvasse ou cuidasse dela. Para ela, o fato de seu segundo filho ter morrido foi uma benção, ouvir o choro de sua filha apenas a deixou triste findando assim sua vida sofrida e violenta, aos 25 anos, Heloísa Fontana morreu fechando lentamente seus olhos agradecendo a Deus por acabar com seu sofrimento, seu último olhar foi direcionado aos céus agradecendo e pedindo proteção a filha que sobreviveu.
- O que vai fazer com essa menina? A mãe dela morreu, deveríamos afogá-la, dizer que morreu junto com Heloísa.
Dante já era um adolescente frio e calculista, sem nenhum sentimento além do desejo de ser igual ao pai, um monstro mais terrível que seu progenitor. Ao sugerir que afogar-se a própria irmã mostrou como seu pai havia feito um excelente trabalho.
- Não, Dante, deixemos a garota viva, teremos um retorno financeiro com ela, tenho uma ideia para ganharmos com o nascimento dessa menina.
Catarina viveu na mansão Fontana por seis anos, sempre pelo cantos percebendo que não era amada e querida por seu pai e irmão, aprendeu a ler junto com os filhos dos empregados e vivia das lembranças inventadas de uma realidade que queria ter mas que jamais teria, Léia foi sua mãe e babá querida, mas nunca lhe foi permitido chamá-la de mãe, Patrício jamais iria aceitar que a menina considera-se uma empregada sua mãe.
- Eles não gostam de mim!
- Querida, não vou mentir para você: eles não gostam nem deles mesmos, por isso quero que entenda: no convento Santa Bárbara você terá muitas amigas e as freiras, além da companhia do Senhor Jesus e de Santa Bárbara, vai ser melhor para você. Quem sabe possa até ser uma freira? Rezo para que sim, estará protegida desse lugar, do seu pai e de seu irmão.
Não houve despedida, a menina entrou no carro indo embora sem lamentar ou chorar, Catarina já havia chorado o suficiente escondida dentro daquele lugar que deveria ser cheio de lembranças boas mas seria sempre um lugar de tristeza, desprezo e dor para pequena menina. Seu aniversário de sete anos foi no convento, ela não esperava visitas pois sabia que não teria nem ao menos presentes, o convento ficava situado no meio de uma floresta, distante do mundo, para chegar até lá foi uma viagem longa e cansativa.
- Gostaria de comer algo diferente, Catarina? Hoje é seu aniversário, pode escolher o que quiser.
- Não quero nada diferente, madre, hoje é o dia da morte da minha mãe e do meu irmão também. Escutei uma vez que o senhor Negrini bateu muito na minha mãe para matar a mim e meu irmão mas não morri. A senhora acha que se pedir com muita fé, Santa Bárbara me leva para o céu?
A madre não soube o que dizer apenas ficou sentada ao lado da menina observado enquanto ela lia o livro de Êxodo com atenção, ela aprendeu rápido a entender o mundo ao seu redor, parou de fantasiar uma família e começou a ser realista com sua vida. Não esperando muito ou tendo expectativas de nada, apenas vivendo um dia de cada vez, Catarina não sonhava como toda menina somente entendia o universo que vivia.
- A menina que chegou ontem, madre, porque está na clausura?
- Querida, a pequena Alessa está sendo atormentada por demônios, precisa ficar afastada de todas para que tudo de r**m vá embora!
Catarina achou estranho como uma menina bem mais nova que ela poderia ser atormentada por demônios? Nesse momento, ela se recordou do pai e do irmão, e compreendeu que até ela já havia sido atormentada por demônios como aquela menina. Semanas depois, a menina chamada pelas outras como endemoniada saiu da clausura, de cabeça baixa e semblante triste, Catarina se aproximou dela curiosa para saber mais sobre a nova menina.
- Olá, meu nome é Catarina.
Alessa ficou calada continuando seu caminho sem falar nada, o sofrimento a fez silenciosa, durante dias ela ficou calada e Catarina ao seu lado acompanhando a menina em todo lugar que ia.
- É verdade que tem chagas no peito?
Alessa permaneceu em silêncio enquanto terminada seu terço, ela era metódica com tudo, e perfeccionista também. Catarina gostava de observar Alessa em sua rotina como se fosse o melhor momento do seu dia.
- Vou dizer o que me contaram: falaram que você tem marcas no peito, como se fosse chagas de Cristo, depois que você passou pelo exorcismo, elas apareceram. As freiras que disseram, Alessa, apenas estou contando o que ouvi, os demônios ainda estão dentro de você?
Ela não parou de rezar mas agora tremia as mãos falando baixinho com os olhos fechados, Catarina não tinha medo dela pois sabia muito bem o que era ser atormentada por pessoas ruins ou até mesmo memórias terríveis.
- Não precisa ficar com medo, sou mais velha que você portanto vou protegê-la.
A menina de cabelos loiros olhou Catarina como se não entendesse porque queria sua cia, afinal, Alessa é uma endemoniada, todos tinham medo dela como se tivesse uma doença contagiosa mas Catarina diferente do restante do convento parecia gostar da companhia dela isso deixava a menina bastante assustada. Durante todos os anos, Catarina foi a única pessoa que fez companhia a Alessa, a menina que um dia ficou enclausurada por possuir espíritos ruins agora é um exemplo de fé junto com Catarina.
As duas viveram uma adolescência idealizando como seria viver apenas do mundo religioso, Catarina não tinha expectativas de encontrar um noivo ou até mesmo alguém que pudesse tirá-la do convento, Alessa também pensava da mesma forma as duas queriam se ordenar na ordem de Santa Bárbara no mesmo dia apesar de Catarina ser mais velha que Alessa, elas faziam tudo juntas. As refeições, as leituras diárias, os horários que iam a missa sempre juntas e até no momento de dormir as duas compartilhavam os mesmos horários.
Mas com 17 anos Catarina recebeu uma carta de Dante com uma orientação bem simples e direta.
Patrício Fontana quer sua presença na mansão até o final da semana, não demore como também não pense em negar. Sua estadia nesse convento custou muito a Patrício, não vai aceitar recusas.
Catarina pensou que fosse bom se reencontrar com eles, mesmo que fosse para dizer que não seria um estorvo em suas vidas. A garota sabia da herança da mãe e pensou que seria bom abrir mão dela, assim poderia cumprir os votos de caridade e pobreza no pleno sentido da palavra.
- Promete que volta?
- Eu prometo, Alessa, não se esqueça de mim em suas preces, quando menos esperar estarei aqui para nossos votos. Cuide de tudo enquanto estiver fora, minha irmã querida!
A voz dizia no ouvido de Alessa que Catarina não voltaria muito pelo contrário, ela jamais seria freira ou seguiria a vida religiosa. Alessa fechou os olhos enquanto Catarina entrava em um luxuoso carro enviado por Patrício Fontana. Alessa nunca se livrou do demônio que sussurrava em seus ouvidos apenas rezava e se martirizava por não conseguir afastá-lo dela, mas a previsão em sua cabeça a deixou apavorada.
- Vai embora, por favor! Catarina vai voltar sim, vamos seguir Cristo e servir aqui no convento até o final de nossas vidas.
Catarina não voltou, Alessa esperou por meses até o dia que recebeu a primeira carta de sua amada amiga dizendo tudo que havia lhe acontecido e como sua história se tornou cheia de dor, sofrimento e tristeza.
Querida Alessa, minha irmã de fé e coração
Lamento por não ter cumprido com minha promessa, forças maiores me impediram de voltar, o mundo não é um lugar bom, minha amiga. Tínhamos razão de não queremos viver nele, no convento, éramos protegidas das maldades e crueldades humanas.
Fui vendida pelo meu pai e irmão a um homem muito poderoso e c***l, ele tocou em mim e desgraçou minha vida, Deus jamais aceitaria uma impura como eu para servi-lo, depois dele veio seu homem de confiança, esse é sádico e m*****o, minha mente está em frangalhos, tanto que estou perdendo minha visão lentamente, não consigo mais ler meus Salmos e meu amado Êxodo, perdi as esperanças de ter paz, desejando apenas a morte para enfim descansar nos braços do Pai.
Hoje vivo amedrontada, reclusa em minha mente e em migalhas de gestos bondosos e tão raros, aceitei pertencer a um homem doente para quem sabe ter um pouco de calma e paz. Mas ele é ciumento, viciado em heroína e muitas vezes me bate pois acredita que o esteja traindo, mas ele me dá comida e ainda não me tocou, ele é portador do vírus HIV, diz que quando se deitar comigo vai me contaminar.
No começo, era uma forma de me amedrontar mas com o tempo rezo todos os dias para que faça isso, ele é uma pobre alma deturpada por erros e atrocidades que ele nem ao menos teve culpa, estando ao seu lado percebo como me ter o faz se sentir pleno e feliz, a italiana bem nascida que virou prostituta.
Escrevo essas linhas com muito esforço pois as vezes minha visão falha, meu dono não sabe que estou ficando cega, ele colocou um belo anel no meu dedo, dizendo que irá me manter mas jamais irá se casar comigo, não digo nada como também não protesto, não há muito a se oferecer para mim. Acredito que essa seja a primeira e última carta que lhe escrevo, por isso, vou aproveitar para dizer: você nunca foi uma endemoniada, sei que como eu era atormentada pela maldade de quem deveria tê-la a protegido, sempre será mais do que uma amiga e sim a única família que tive em toda vida.
Espero que Deus lhe abençoe e pelo menos você possa ser feliz servindo a vontade Dele. Vou morrer, eu sei que vou mas estou agradecida a Deus por ter tido a chance de conhecer você e ter uma irmã tão amorosa e doce.
Com muito amor, Catarina!
Adeus!