2 - Catarina

2094 Words
Dois anos depois – Uma esmola, por favor. Estou sentada no meu ponto esperando por boas almas caridosas me estenderem a mão, depois da cegueira e da gravidez tudo parece mais difícil, tem muito tempo que não sei o que é uma boa comida nem ao menos um banho decente mas aqui nas ruas como uma cega, não preciso me deitar com ninguém apenas esperar por uma moeda que possa servir para comprar um pão ou um pouco de comida. Sinto alguém se sentando ao meu lado, é um dos garotos que vivem aqui nas ruas, eles sempre vem observar para saber se estou ganhando mais, os meninos pegam a contribuição e vão embora, alguns conversam, outros são grosseiros e já tem alguns que parecem sentir pena da minha condição. – Como está, ceguinha? – Estou indo como Deus permite, Pan, veja como está as esmolas hoje, não ouvi barulho de moedas batendo, acho que hoje são poucas, talvez Ágata teve mais sorte. Pan é um garoto bom, mas sei que também precisa se manter seguro. Aprendi durante esses últimos anos, que as pessoas são capazes das piores atrocidades para ter segurança, conforto e o que comer. Não julgo ninguém que venderia até a alma ao d***o por um pedaço velho de pão pois sei o que o ser humano é capaz. – A marcada deve ter conseguido mesmo, aquele rosto é digno de pena para qualquer um, você a conheceu antes dos cortes? Se lembra se era bonita? Bom, ela parece que já foi linda! – Não, já conheci Ágata com as cicatrizes. Escutei quando Pan sacudiu a pequena caixa, como imaginei havia poucas esmolas, ele entrega três moedas para mim enquanto explica que está levando o restante em notas. Ele coloca a mão na minha barriga, meu filho cresce apesar da escassez. – Ceguinha, vai dar o bebê para o orfanato? – Sim, Ágata fará o mesmo com o bebê que espera, será melhor para eles do que viver nas ruas. Sem ofensa, mas aqui não é um bom lugar para um bebê. Sei que estou sendo c***l mas meu filho merece algo mais para vida. É mais fácil adotar bebês do que crianças maiores, talvez uma boa família dará a ele ou ela uma vida melhor do que posso oferecer. – Entendo! É mais fácil adotar bebês, não fique triste, ceguinha, ele vai ter uma boa vida. Já peguei a parte das esmolas de contribuição, hoje não voltou, as moedas que sobraram vai dar para você comprar pão e alguma fruta, hoje também tem aquela instituição que traz sopa a noite, todos vamos, vou levar você e Ágata, não podem andar sozinhas a noite. Sei que não fazem mais a vida mas tem muitos homens ruins nas ruas. Como falei, Pan é bom e cuida de nós, sabe como o mundo trata pessoas como eu e Ágata, fico mais um tempo pedindo esmolas na rua, talvez consiga um pouco mais, sinto uma mão tocar a minha e me assusto, a sujeira e o cansaço de dormir em um galpão abandonado com certeza acabaram com a pouca beleza que me restou mesmo assim tenho medo de ser abusada de novo. – Catarina, é você? Escutei a voz que pensei que jamais ouviria novamente, sabia que não ia conseguir correr, portanto fiquei sentada com a minha visão escurecida esperando que Deus me protegesse. – Sim, sou eu. Mas aqui me chamam de ceguinha, o senhor deu dinheiro a mais e quer pegar de volta? Acontece muito, pode pegar, aconselho que coloque moedas assim evita m*l entendido. Que Deus o abençoe! O susto foi grande, mas resolvi fingir que não reconheci a voz maldita dele provavelmente ele percebeu que estou cega afinal de contas foi ele que me deixou assim, fico esperando alguma reação dele mas ficou em silêncio. Percebo pela vibração do chão que está batendo o pé de forma nervosa estou com muito medo mas vou continuar encenando, vivendo naquele lugar aprendi tantas coisas ruins. É estranho imaginar que a Catarina de 17 anos que foi vendida pelo próprio pai e pelo irmão não faria tal ato mas a vida me ensinou tanta coisa. Parece que o convenci pois ele colocou uma moeda na caixa aonde uso para receber as esmolas, ouvi o barulho da moeda batendo nas demais. Não sei bem o que aconteceu o que as pessoas dizem é que ele perdeu muitos territórios e que apesar de ainda estar vivo não consegue mais combater as gangues que se juntaram contra ele como antes mas ainda assim tenta sobreviver se escondendo. Tem um ditado que diz que pagamos por todos os nossos pecados aqui mesmo na Terra, provavelmente ele está pagando por todo m*l que fez e também carregando os carmas e maldades de sua família. Quando senti a certeza que ele realmente havia ido embora, comecei a chorar desesperadamente, talvez Zeus queira verificar que o serviço foi bem feito e que estou realmente debilitada e sem condição nenhuma para servi-lo como no passado, Zeus dizia que enquanto tivesse com as pernas abertas não importaria jeito que estivesse mas ele não imaginou que ficaria cega depois do que ele e Cassius fizeram. Rodrik ficou louco, acreditou que realmente havia me entregado aos 2 por vontade própria, não me defendi ou debati simplesmente fiquei calada, ele já procurava motivos para me machucar e já fazia isso. Rodrik também me espancou mas já estava cega, não fez muita diferença. Dentro daquele lugar horrível havia uma regra, mulheres como eu e Agatha não servimos para o prostituição já que estávamos totalmente inapropriadas para o trabalho, as cicatrizes de Ágata não foram um problema enquanto ela vivia na cozinha mas passou a ser quando uma das meninas se tornou protegida de Ares começou a ter medo dela e da influência que minha amiga possuía nele. Claro que ela daria um jeito de Ágata vir comigo para as ruas, Ares nem sequer se importou, já tinha feito m*l que queria com ela, não foi difícil ele abusar dela de novo e depois fingir que nada aconteceu. Agora vivemos nas ruas, ela com o rosto totalmente deformado e eu cega, nunca entendi muito bem os desígnios de Deus para mim. Imaginava que Ele queria que vivesse o servindo no convento mas pelo jeito não era esse a vontade dele, não tenho ódio de Deus, muito pelo contrário, acredito que Ele me fortaleceu para algo maior ou melhor, nunca tive família, nunca tive escolhas e agora vivendo nas ruas consigo entender como sem entender Deus cuidou de mim. Nas ruas fiz bons amigos, pessoas que cuidam de mim e de Ágata, e isso que importa. Tudo na vida para mim foi sempre muito difícil, passar fome ou ter necessidade do básico nunca foi um problema para mim, sempre fui privada de tudo isso durante toda a minha vida. Ágata também não se importou tanto de viver nas ruas disse que nunca se sentiu totalmente protegida e nem amada como agora, Cassius é seu irmão de sangue mas também nunca se importou com ela sabia que Ares iria abusar dela quando era uma menina mas ele não fez nada para defendê-la. Acredito que as pessoas se protegem da forma que querem, não foi diferente com Cassius, ele se protegia pois tinha medo. Ele mostrava ser uma pessoa que não temia nada mas isso é tudo fachada, as pessoas têm medo. As pessoas têm medo da fome, têm medo da solidão, temem pela pobreza, temem pelo desprezo e muitas vezes temem em se tornarem pessoas como seus pais de toda forma o medo assusta e podem dizer que não temem mas a verdade é que o medo controla as ações dos seres humanos. Acredito que alguém tenha dito para Zeus o que aconteceu comigo depois que Rodrik me espancou mas de qualquer forma não tenho raiva deles, são resultados de toda a maldade que viveram por toda a vida. Eles poderiam ser diferentes mas não quiseram, no entanto, tenho ódio dos meus familiares principalmente do meu irmão e pai. Meu progenitor sempre me odiou porque ele dizia que matei a mulher que ele comprou e dei prejuízo a ele, é engraçado que nunca amou a minha mãe e sim o dinheiro que ele perdeu pela morte dela. – Ceguinha, o que houve? Sabia que deveria colocar outro garoto para olhar essa parte da rua. Alguém tentou fazer m*l a você? Lino é o líder de todos, é mais velho que eu, as vezes é e******o e grosso comigo e Ágata mas tem momentos raros que é bom para nós como agora. – Não foi nada, Lino, Pan já fez a coleta do dia mas não percebi a presença de outro garoto. Desculpa, não me tira dessa parte da rua, é mais calma e tem boas pessoas que passam aqui, muitos deles são turistas, prometo que vou tomar cuidado com minhas emoções, juro que não vou dar trabalho. O medo é terrível, quando se vive no limite durante muito tempo não se consegue manter a calma, respiro fundo para tentar parar de chorar mas não consigo. Lino senta ao meu lado, posso sentir suas mãos ásperas e calejadas tocando meu rosto. – Pare de chorar, garota! Não vou tirar você daqui, você e Ágata dão lucro. Uma cega e a outra deformada, provavelmente eram as putas mais rentáveis que haviam na casa que trabalhavam, apesar de suja, doente e grávida, você ainda é bonita. Perdi totalmente a vontade de me defender desse tipo de comentário apenas fico em silêncio sobrevivendo cada dia até que Deus possa ter piedade de mim e me leve para viver ao seu lado. – Obrigada, Lino, fiquei assustada só isso mas já está tarde, vou para o galpão. Hoje tem sopa da ONG, pretendo comer bastante, pode me ajudar com a caixa e as esmolas? Vou passar no mercado para comprar umas frutas e pão. Ouvi ele suspirar profundamente, Lino também é fruto do meio horrível que foi criado, não é de admirar que fale e faça coisas ruins, aprendi a não julgar apenas compreender. – Sua sorte é que gosto de você e da deformada, se fosse outras, já tinha mandado ir embora das minhas ruas. Venha, vou ajudá-la, hoje estou de bom humor. Vou levá-la até o mercado, ajudar você com as compras mas nada de demorar, esses lugares costumam ter muita segurança. Ele não mexeu na minha caixa, apenas entregou para mim e ajudou a ir até o pequeno mercado, Lino segurou minha mão o tempo todo estranhei mas fiquei calada, não quero aborrecê-lo, preciso muito da sua proteção até o bebê nascer e enquanto Deus me permitir ter vida. Lino não permitiu que pagasse as compras, entregando todo dinheiro que ganhei das esmolas, não era muito nas palavras dele mas não sei, já que não posso comprovar. – Lino, não precisava pagar, não tenho como devolver. Sabe que não vendo meu corpo mais, se comprou pensando nisso, por favor, anote para que possa devolver ou pegue tudo que está aqui na minha caixa. – Deixe de ser orgulhosa, ceguinha, não quero seu dinheiro, já deu sua contribuição do dia. Também não quero trepar com você, não posso ser generoso? Sei que sou um desgraçado mas as vezes quero ser bom, quem sabe assim, Deus me perdoa pelas coisas erradas que fiz na vida. Escutei as vozes dos outros e de Ágata conversando entre si enquanto entravam no galpão. Aqui é um lugar abandonado que todos vivem sob a proteção de Lino, claro que ele cobra uma “contribuição” de todos pela proteção e guarida mas melhor do que viver da prostituição sem sombra de dúvida. – Deus reconhece o que tem no seu coração, pode ficar em paz, Ele entende quem você é e quem queria ser, Deus é justo e bom, mesmo que não pareça. Ele novamente segurou meu rosto, é estranho receber esse tipo de carinho e gestos de caridade mas aceito pois sei como isso pode fazer falta. – O que você fez para ter que sofrer tanto, ceguinha? É um anjo apesar de tudo! – Nasci uma Fontana! E não sou um anjo, muito pelo contrário, apenas uma mulher que não deveria ter nascido. Minha maldição foi nascer filha de Patrício Fontana e irmã do seu filho querido, tudo seria diferente se não tivesse nascido e a morte tivesse me levando junto com meu irmão e mãe mas não posso me lamentar por toda vida, preciso sobreviver um dia de cada vez sem pensar no passado.
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