O tempo voa

1112 Words
Marieta me disse várias vezes como o tempo passava rápido. Que eu sentiria falta das noites inclaro e de toda aquela bagunça que apenas um bebê poderia fazia, achei exagero. Como eu iria sentir falta de noites acordadas e não conseguir tomar um banho maior que três minutos, mas eu pisquei os olhos e Mel já estava com seus quatro anos. O tempo voou. Não sinto saudade, óbvio, amo voltar a lavar os cabelos, porém não vou negar que é bastante nostálgico. — Mamãe! Mamãe! Olha! O papai está na televisão. — Mel gritou apontando animada para televisão. Ela estava lanchando e assistindo com Letícia no sofá da sala. Olhei de relance curiosa sobre o que ela estava falando. — Hey, Mel! Eu já te disse que esse estrupicio não é seu pai. Nem de brincadeira fale um negócio desse. — Letícia gritou desligando a televisão indignada.— Carol, não vai corrigir essa garota? Meu irmão colocou na cabeça da menina que é pai dela. Temos que corrigir essa bagunça. Essa menina tem que tirar da cabeça a ideia maluca que meu irmão pode ser o pai de alguém. — Titia! Liga. Eu quero ver papai. Estou com tanta saudade dele. Faz um tempo que ele foi trabalhar e não voltou. — Mel disse com os olhos cheios de lágrimas, havia um tempo que Heitor havia viajado a trabalho fora do país, mesmo assim, todos os dias ligava na hora da minha filha dormir para falar com ela. Para cantar ou contar uma história até que a menina fosse tomada pelo sono. Os dois tinham criado uma conexão de outro nível. Não sei explicar exatamente nem como ou como isso aconteceu. Talvez tenha sido de outra vida, mas foi algo instantâneo entre os dois. Como se a vida toda um tivesse esperando pelo outro. — O que quer que eu faça? Mel, Heitor é o que seu? Você sabe não é? Não tenho culpa que minha filha nasceu com uma personalidade tão forte. Acho que agora entendo quando minha mãe me dizia que um dia eu teria uma filha como eu. E iria saber a dor de cabeça que é lidar com uma personalidade como a minha. — Brinquei entregando uma bacia com frutas cortadas para Mel. Na verdade, eu gostava que minha filha tivesse personalidade forte. Ela sempre dizia o que queria e como se sentia. Achava aquilo maravilhoso. Só em alguns momentos era bastante difícil. — Eu sei que ele não é meu papai de verdade, tá? Mas se a mamãe não escolheu um papai para mim, eu escolhi o padrinho como meu papai. Ele aceitou. Então o padrinho é meu papai. Ele me liga todos os dias para contar uma história para mim. Sempre compra os presentes que eu gosto. Ele é o meu papai. — Mel cruzou os braços olhando brava para Letícia que não acredita no que estava ouvindo. — Então a culpa disso é da Carol, você deveria ter escolhido um pai melhor para ela. A menina é uma princesa. Precisa de boas referências. O meu irmão é o pior exemplo de todos. — Letícia sempre fazia o mesmo discurso desde de a primeira vez que ouvi Mel chamando Heitor de pai. — Mel, ouça a tia. Vou encontrar um bom pai para você e um bom marido para sua mãe. Sua a família vai ser perfeita. — Mas titia, ele já é meu papai. Gosto dele. Mamãe, diz a titia que papai é um bom papai! Não quero outro. Só ele e pronto. Mamãe concorda, né? — Mel pediu choramingando segurando minha mão. Não sei qual das duas era a criança ali. Letícia estava irritando uma menina de quatro anos, que apenas gostava de alguém que tratava ela com carinho e respeito, mesmo assim, sabia da situação. Não era necessário essa confusão toda. — Dona Letícia, você sabe que está perturbando uma menina de quatro anos, não é? Deixe eles dois. O importante é que os dois estão felizes com isso. Agora coma, filha. Hoje temos uma consulta marcada, vamos chegar atrasadas nesse ritmo. Letícia, você vai buscar dona Marieta, não? — Havíamos nos mudado da favela para uma casa no centro, mas Marieta não quis vir conosco, mas todo final de semana, ela vinha passar com a gente. — Sim, ela resistiu, mas usei a nossa arma secreta. Mel mandou um áudio para ela, na mesma hora, ela concordou. Queria que a vovó aceitasse vir morar logo com a gente. Fico preocupada que ela more lá sozinha. Tão cabeça dura. — Letícia e Heitor insistiram várias vezes para Marieta vir morar conosco, porém a nossa proposta sempre foi rejeitada, ela argumentava que gostava da casa dela, onde criou os seus filhos e viveu boa parte da sua vida. O que eu poderia fazer para mudar isso? Ela tem uma forte ligação com aquela casa. Não vou mentir que também tenho boas lembranças. Foi onde ouvi Mel me chamando pela primeira vez de mamãe, vi ela engatinhar e caminhar. Foi naquela pequena casa que transformei a minha vida. Não tem como não ter carinho por aquele lugar. — Não acredito que seja cabeça dura. Eu também amava aquele lugar, mas não era seguro para Mel. Vai me dizer que não tem boas lembranças de lá. Agora vamos, coma para trocar de roupa. Precisamos chegar no horário do médico. — Por mais que as coisas estivessem bem diferente para mim, eu estava completamente endividada. O tratamento de Melissa estava cada vez mais caro e as visitas ao hospital mais constantes. — Tá bom, mamãe. Papai disse que se eu for uma boa menina e obedecer à mamãe, vou ganhar um presente fofinho dele quando ele voltar. — Mel começou a comer as frutas que estavam na vasilha que entreguei. Uma coisa era certa, Heitor podia ser um homem terrível para as mulheres que se envolviam, mas a única pessoa que recebia um tratamento especial dele, era Mel. Melissa era a menina dos olhos de Heitor. — Então seja obediente. E você, Letícia, se organize para buscar Marieta. Vou comprar um jantar maravilhoso para todos nós. Vamos fazer a noite das meninas. — Foi o que pensei. Gostava da sensação de família que tinha sempre que nos reunimos. Me sentia abençoada. Já saí do apartamento atrasada, como já era esperado. Era sempre uma batalha arrumar Melissa para sair de casa. Não sei o que era mais difícil, arrumar ela ou fazer se sentar quieta para ter uma refeição na mesa. Até aquele momento, tudo parecia completamente normal, eu não fazia ideia do que me esperava no final daquela noite. Naquele dia, eu perdi algo importante e insubstituível.
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