As Faces De Caroline

Ela é a minha filha

— Tem certeza que quer falar sobre isso agora? — Perguntei tentando mudar o assunto. Era uma escolha difícil para mim. Tinha medo que tivessem consequências futuras e eu ainda estava me recuperando da série de exercícios agora a pouco.

— Do que você está falando? Há meses que estamos falando sobre isso. Sabe que isso não tem relação comigo ou com você, mas com a Mel. No início, você tinha medo que eu abandonasse ela. Agora está receosa que eu não queira me afastar dela? Já conversamos que isso é o mais seguro para ela. O futuro é incerto. Hoje tivemos certeza disso. Me deixa adotar Mel, quero realmente me tornar o pai dela. Sabe como sou feliz por ela me chamar de pai? Ainda mais por ter sido uma escolha dela. Você não confia em mim para cuidar dela? — Heitor parecia chateado. Muda mais de humor que Letícia. É difícil acompanhar. Pensei que estava tudo bem dois segundos atrás.

— Eu sei, concordo que é até mais seguro, se algo acontecer comigo, ela não estará sozinha por lei, mas não é tão simples assim. Você não tem obrigação nenhuma como pai nesse momento, se acabar encontrando alguém, se apaixonando, decidindo ter uma família e se afastar da Mel, não haveria problema, mas se eu te deixo tomar o papel de pai oficialmente, você terá as mesmas responsabilidades que eu e Mel saberá disso. Como você disse, o futuro é incerto demais. Não vou mentir que tenho receio que a minha filha acabe sendo rejeitada no futuro, como eu fui por meu pai adotivo. — Eu sei que é um problema meu, trauma que eu criei e estou respingando na minha filha, mas é mais forte que eu. Não posso apenas negar como me sinto e passar por cima de tudo. Mesmo que eu queira, não posso ignorar.

— Você pensa em procurar o pai biológico dela algum dia ou contar quem ele é? — Heitor questionou me olhando sério, com os braços cruzados em pé em frente a minha cama.

— Já te disse. É impossível. Não tenho informações sobre ele. Apenas sei que se chama Júnior, tem a minha idade e mora no Brasil. Sabe quantos homens eu encontrarei que batem com essas informações? Sem contar que se ele não me respeitou, também não vai fazer isso com a minha filha. Não tem relação com o pai biológico dela, mas com o seu futuro. Você pode amanhã ir comprar pão, se apaixonar e mudar todos os seus planos. E isso vai machucar a minha filha. E eu tenho medo de estar fazendo uma escolha errada. — Tentei explicar, na minha cabeça era tão óbvio, mas ele não entendia.

— Sabe que se isso acontecer, mesmo que eu não tenha adotado Melissa, isso vai machucar ela. Você querendo ou não, para aquela menina, sou sua referência paterna há muito tempo. E eu quero ter responsabilidades por isso. Se tudo que você disse acontecer e eu tiver adotado Mel, terei ainda assim, responsabilidades com ela. E isso é justo. Eu tomei o papel de pai na vida dela. Aceitei isso de coração aberto. Não tenho qualquer intenção de namorar, casar ou ter filhos. Melissa é e será a minha única herdeira. Eu realmente amo aquela menininha, faria tudo por ela. Não quero ser mais o pai de mentirinha dela. Tem noção como ela me recebeu na escola hoje? — Heitor tinha os olhos cheios de lágrimas. Eu não duvidava do que ele sentia por minha filha, mas todas as decisões que envolvem Mel são difíceis para mim. Decidir pelo bem do outro, sempre me parece difícil.

— Não sei o que foi, mas você parece feliz. Me perdi em algum momento na conversa, só pode.— Brinquei tentando aliviar o ambiente. Heitor sorriu de volta.

— Gritou papai o mais alto que pode, saiu correndo na minha direção com os braços abertos e se jogou nos meus braços chorando. Pensa que eu não deveria ter responsabilidade por ter despertado esses sentimentos? Que não deveria assumir? No meu coração, Melissa é a minha filha. E você querendo ou não, no dela, eu sou seu pai. Então deixa disso, apenas me deixa oficializar isso. — Heitor parecia decidido. Tenho que concordar que no ponto em que tudo estava, realmente não faria diferença, os sentimentos já tomavam conta dos dois.

— Se eu aceitar, qual o seu plano? — Perguntei para saber exatamente o que Heitor esperava de tudo isso. Entendo do sentimento que tinham um pelo outro, não posso negar, mas será que ele tem um plano para ser pai?

— Voltar a morar no Brasil e colocar o meu sobrenome em Melissa. Te ajudar a cuidar de verdade dela. Não apenas nas minhas férias. Juntei um dinheiro para abrir o meu studio aqui, não é muito. Em vez de rodar o mundo fotografando as pessoas por ai, farei isso aqui. Tenho um nome bastante conhecido nas mídias sociais, claro que não recebo nem perto do que você recebe, mas estarei mais presente na vida dela. — Heitor parecia ter pensado bastante nisso, fui pegar de surpresa. — Eu jamais vou abandonar Melissa, Carol. Eu serei um bom pai. O melhor de todos. Mel será sempre única na minha vida.

— Você vai voltar para o Brasil para ficar mais perto de Melissa? — Eu estava completamente chocada. Heitor era o tipo de pessoa que adorava a sua liberdade. Não gostava que nada o prendesse. Nunca aceitou emprego fixo em lugar algum, trabalhava por contra própria. A ideia dele voltar para o Brasil, ter planejado tudo isso apenas para Melissa, me surpreendeu completamente.

— Sim. E não é por ela, mas por mim, sabe que ligo todos os dias para contar uma história e ver a minha pequena adormecer. Eu passo o dia inteiro esperando por esse momento. Sinto falta dela na minha vida. É minha filha, no meu coração, Mel é um pedaço de mim. Morar longe está cada vez mais doloroso. — Heitor se aproximou da cama onde eu estava. — Vamos fazer isso? Eu sei que não pareço ser merecedor de confiança e tal, mas prometo que você não vai se arrepender de ter aceitado.

Olhei para Heitor que me olhava com os olhos de cachorro que caiu da mudança, aquela proposta tinham vários pontos positivos e apenas um negativo: o meu medo. Como eu poderia apenas virar as coisas costas para algo que estava latente em mim e dominava boa parte dos meus pensamentos, mas algo era certo, se eu quisesse que minha filha fosse feliz, deveria permitir que ela tivesse tudo que eu não pude.