03. Pivete Narrando
O sol m*l tinha dado as caras e eu já tava de pé. Vida no morro não deixa a gente dormir até tarde, e eu ja sou acostumado a acordar cedinho. Mariana ainda tava apagada do meu lado, toda tranquila, com o cabelo espalhado no travesseiro. Ela sempre conseguiu dormir bem, mesmo com a correria de todo dia. Dei um beijo leve na testa dela e saí da cama sem fazer barulho.
Fui pra cozinha, peguei um copo d’água e virei de uma vez. Olhei pro relógio na parede: 8:45 da manhã. As meninas ainda deviam tá dormindo, pensei. Mas aquele pressentimento, sabe? Algo não tava certo. A intuição que a gente desenvolve vivendo no morro.
Fui até o quarto delas. A porta tava encostada. Bati de leve antes de entrar, mas não ouvi resposta. Empurrei a porta devagar e dei uma olhada. A cama da Sophia tava arrumadinha e vazia. A da Liz, a mesma coisa. Nenhum sinal das minhas filhas.
— Que p***a é essa? — murmurei, sentindo o estômago revirar de preocupação e raiva.
Quando o dia tava amanhecendo, ouvi o rádio dos vapores avisando que as meninas tavam chegando no morro, ou eu tava sonhando? Não é possivel. Devem ter ido pra casa dos meus pais, mas isso não ia ficar assim. Se elas acham que podem sair sem avisar e voltar a hora que querem, tão muito enganadas.
Voltei pro quarto tomei um banho e me vesti rapidão, pegando uma camisa preta e uma bermuda. Passei desodorante e um perfume, peguei a arma e botei na cintura. Mariana ainda dormia profundamente. Suspirei, me perguntando como ela conseguia ficar tão calma. Saí do quarto sem fazer barulho, mas antes de sair de casa, ouvi a voz dela atrás de mim.
— Onde você vai tão cedo? — ela perguntou, com a voz meio sonolenta.
— Vou buscar as meninas. Parece que decidiram dormir fora sem avisar — respondi, tentando manter a calma.
— Calma, Kauã. Elas só foram se divertir, é normal. Igual a gente ontem ue, qual o problema? — Mariana tentou me acalmar, mas eu tava além disso.
— Igual a gente? Igual é o c*****o, Mariana. Elas têm que aprender a respeitar as regras dessa casa. Alguem te avisou que ia sair? Por que comigo, ninguem mandou uma mensagem e muito menos ligou. — respondi, a raiva clara na minha voz.
— Cuidado com o que vai fazer — ela disse suavemente, mas eu já tava saindo pela porta.
Entrei no carro e respirei fundo, fui dirigindo pelas ruas ainda tranquilas do morro, cumprimentando os vapores que tavam começando o turno. Cheguei na casa dos meus pais e bati forte na porta. O meu pai abriu me olhando, e virou voltando pra cozinha
— Isso são horas de chegar na casa dos outros? Não trouxe nem um pão po — ele perguntou e entrou na cozinha.
— Cadê as meninas? — perguntei direto, e entrei atrás dele
— Tão lá dentro. Chegaram tarde e capotaram. — ele respondeu, coçando a cabeça.
Virei indo pro corredor e andei pro quarto delas, abri a porta, entrei e vi a Sophia e a Liz dormindo, o quarto geladinho e as duas enroladas no cobertor roncando levemente. O quarto tinha aquele cheiro de cachaça barata misturado com perfume doce. A cena me deu um misto de raiva e alívio. Pelo menos tavam seguras.
— Acorda aí, p***a! — gritei, dando tapa na porta fazendo as duas pularem de susto.
Sophia abriu os olhos primeiro, a expressão confusa se transformando rapidão numa careta de quem sabia que tava encrencada. Liz levou um pouco mais de tempo, esfregando os olhos e tentando se situar.
— Que horas são? — Sophia perguntou, com a voz arrastada de sono e ressaca. E deitou a cabeça denovo
— Hora de vocês explicarem onde tavam a noite toda e por que c*****o não avisaram ninguém — respondi, cruzando os braços e encarando as duas.
Liz afundou o rosto no travessiro, a ressaca misturada com o susto. Sophia tentou se levantar, mas caiu de volta na cama. O meu pai chegou atras de mim e assistia a cena de braços cruzados, serio
— Pai, a gente só saiu pra dar uma volta, relaxa... — Sophia tentou explicar, mas a raiva na minha voz fez ela recuar.
— Relaxar é o c*****o, Sophia! Vocês têm ideia do risco que correram? Bebadas assim e você veio dirigindo, não foi? — eu berrei, mas antes que pudesse continuar, a minha mãe apareceu, com um olhar preocupado.
— Kauã, calma. Elas tão bem. Para de falar alto uma hora dessas, que coisa chata — ela disse, a voz suave tentando apaziguar a situação.
Eu suspirei fundo, tentando controlar a raiva. Elas tão bem, eu repeti pra mim mesmo. Pelo menos isso. Mas isso não ia passar batido.
— Vocês vão direto pra casa, agora. Vocês tem 2 minutos pra sair desse quarto. E depois nós vamos ter uma conversa séria — eu disse, apontando pra porta.
Eu sai do quarto delas e fui pra sala, respirei fundo passando a mao no rosto e vendo as coisas delas no canto da sala.
A gente m*l tinha saído de casa, e o meu pai já tava atrás de mim, com aquela cara de quem não ia me deixar passar batido.
— Kauã — ele chamou, a voz firme.
Me virei, ainda com a raiva queimando no peito, mas ele já tava com a expressão fechada, os olhos cheios de fogo.
— Que p***a é essa de falar assim com as meninas? — ele começou, cruzando os braços. — Cê acha que vai resolver alguma coisa berrando com elas?
— Elas saem, somem a noite toda e voltam de manhã, e eu não posso falar nada? — rebati, tentando manter a calma. — Tão correndo risco, pai. É perigoso! E você acoita uma p***a dessas? Por que aposto que você sabia né?
— E acha que gritando e xingando vai resolver? — ele retrucou. — Eu não criei você pra tratar mulher desse jeito, muito menos minhas netas. Se eu soubesse, toda vez que tu chegava em casa caindo de bebado eu faria o mesmo com você po. Elas não são moleques da boca pra você ficar berrando.
Senti o sangue subir de novo, mas ele tinha razão. Depois que virou avô, ele arrumou um jeito mais calmo, mais controlado de falar com as meninas, mas só com elas e acha que todo mundo tem que ser igual.
— Mas, pai, elas precisam entender que têm que respeitar as regras. Não é seguro, principalmente à noite e elas chegaram pela manhã p***a, eu ouvi no radio o vapor avisando e eu jurava que elas estavam dentro de casa p***a — argumentei, tentando moderar o tom.
— E eu tô dizendo que você pode falar isso sem tratar elas como qualquer um. São suas filhas, c*****o. Você tem que proteger, sim, mas também tem que ser o porto seguro delas — ele respondeu, a voz firme, mas menos agressiva.
Olhei pra Liz e Sophia. Elas tavam quietas, os olhos cheios de medo e culpa. Me senti um merda por ter explodido daquele jeito.
— Tá, eu entendi. Mas não dá pra simplesmente deixar isso passar — falei, suspirando.
— Claro que não, mas conversa direito. Não adianta nada gritar — o ele disse me olhando — E cê também sabe que a gente tá aqui pra ajudar.
— Beleza pai — eu disse, sentindo a tensão diminuir um pouco.
— E, meninas — ele se virou pras netas — cês sabem que ele só tá preocupado, né? Mas também tem que dar um toque nele quando ele passa dos limites. Família é isso aí, um cuidando do outro.
Liz e Sophia assentiram, ainda meio cabisbaixas, mas parecia que entenderam o recado.
— Agora, vamos pra casa. A gente conversa direito lá — falei, mais calmo.
Elas entraram no carro quietas e eu fui dirigindo ate em casa e tentando me manter calmo, mas eu tava puto. Eu odeio ser o corno da história pra ser o ultimo a saber das coisas, Quando chegamos em casa, Mariana tava na porta, preocupada, mas deu um sorriso leve ao ver que a situação tava sob controle.
— Entra, sobe direto pro quarto. Mais tarde a gente vai ter uma conversa séria — eu disse, segurando a porta aberta pra elas.
Elas passaram por mim em silencio e subiram direto pro quarto delas. Eu passei a mão no rosto e respirei fundo, sentei no sofá e fechei os olhos
— Ta tudo bem? — Mariana sentou do meu lado e ficou me olhando
— Você sabia onde elas estavam ontem? — Eu perguntei olhando
— Sabia que elas iriam sair com uns amigos, por que ?
— Quando eu te perguntei delas você me falou que elas estavam onde? — eu perguntei olhando pra ela
— Ai kauã, não lembro. Mas elas não estao em casa? Não dormiram nos seus pais? Por que ta arrumando briga?
— Não to arrumando briga, to achando legal ate a forma que vocês decidem não me contar as coisas, e fazer pelas minhas costas. Eu to achando isso o maximo. Quando alguma coisa der merda, por favor, continuem resolvendo sozinhas, não me chama pra resolver a merda de vocês também não. — eu falo puto, levanto e ando pela casa, sopro
Se eu fosse um pai r**m, ate entenderia, mas p***a, eu não sou não cara. Ou sera que eu sou e não sei? Pelo visto, aparece que sim, né? Vou largar de mão, vai ser melhor então. Eu subi e tirei a roupa, liguei o ar novamente e me joguei na cama, aproveitando que tava cedinho ainda, vou voltar a dormir. Com as meninas em casa agora, fico mais tranquilo. Entro em baixo da coberta e fecho os olhos.