03- Fora do normal.

1066 Words
Deitei minha cabeça naquela cama desse quarto enorme e queria morrer pela tamanha crueldade que fui capaz de fazer com alguém que nunca me fez nada. Fiquei horas pensando em como a minha vida chegou a esse ponto tão deplorável e vazio. Em meio as lágrimas que caiam escutei o celular tocar e atendi quando vi ser um número desconhecido. * - Filha? – Paralisei ao ouvir aquela voz. Alice: Mãe? – Disse com receio. - Me desculpa ter ido embora daquele jeito, mas não podia abrir mão de ter uma vida melhor, não tinha condições de continuar em um buraco na favela. Alice: E deixar a sua filha pra trás foi a sua melhor opção? – Falei com a voz embargada. - Não tive outra escolha, espero que um dia você possa me entender..eu prometo que volto pra buscar você. –Permaneci quieta e o outro lado da ligação desligou. * Eu não conseguia mais ver verdade naquilo, sentir esperança nas palavras dela, mesmo que quisesse muito. Eu não me via nesse lugar, não conseguia me sentir em casa, por maior que seja o luxo e as coisas que isso pode proporcionar não encobre o fato de não ter mais a minha família unida junto comigo. Pra uma garota criada dentro da igreja, pode ter certeza que se isso não é o fim do mundo chega bem perto. Até ontem eu não podia nem pisar nessa parte da favela e hoje em dia estou sendo f*****a pela vida a morar aqui. São duas realidades e criações totalmente diferentes, o máximo que puder evitar de me misturar com essas pessoas eu irei. ... Acordei de mais uma noite quase não dormida, muito obrigada a todos os problemas emocionais que essa nova vida me trouxe. Fui pra escola como todos os dias e continuo naquela mesmice de sempre, não agüento mais ficar todos os dias olhando pra cara daquelas pessoas que me vêem como se eu fosse um bicho. Cheguei na em casa e não tinha ninguém, que ótimo saber que aqui não vai ser diferente de como eu estava. Um vapor entrou e me disse que o meu padrinho iria chegar tarde e mandou eu ir almoçar em uma espécie de pensão que tem aqui perto e pra minha sorte eu não conheço ninguém e não faço a mínima idéia de onde isso seja. Subi para o quarto e fui tomar o meu banho, coloquei uma das minhas roupas comuns e confortáveis, arrumei o meu cabelo como sempre e saí em busca de comida, de fome eu não posso morrer. Fui subindo o morro com um frio enorme na barriga tentando fingir naturalidade, parecia que as pessoas não se importavam com as coisas surreais que estavam acontecendo ali na minha visão. Meninos de fuzil na mão pra cima e pra baixo, meninas novas atrás com shorts que pareciam uma calcinha com cigarros de m*****a na mão como se fosse a coisa mais normal do mundo e dai pra pior, eu ficava apavorada. Voltei a olhar pra frente e seguir o meu caminho, daqui a pouco vou acabar apanhando por estar olhando pras pessoas e nem é do jeito que eles pensam. Esbarrei com uma menina que eu nem sei de onde veio e quase caí no chão f**o. - Cuidado por onde tu anda, tem menina aqui que não vai levar na boa você ficar esbarrando com elas assim. – Falou num tom normal. Alice: Me desculpa, foi sem querer. – Ela assentiu e saiu andando, mas chamei ela de volta. – Você sabe onde fica a pensão da dona Márcia? – Perguntei com receio. Mariana: Sei sim, eu te levo lá. Sou a Mariana, você é nova aqui? – Neguei com a cabeça e fomos andando. Alice: Moro aqui desde que me entendo por gente mas nunca fui de andar por esse lado, minha mãe sempre proibia e eu também morro de medo. – Ela riu. Mariana: Aqui não tem o que temer, o pessoal só meche contigo se você mexer com eles, tirando isso é a maior paz...Tem baile hoje, você vai? – A olhei incrédula. Alice: Eu dispenso, prefiro morrer do que pisar em um lugar desses, com todo respeito. Mariana: Esquenta não gatinha, rapidinho tu vai conhecer o paraíso. – Riu debochada. – Está entregue. – Falou quando paramos em frente a um mini restaurante dentro de uma espécie de garagem, era limpo e muito bem cuidado, o cheiro da comida fez a minha barriga roncar. Alice: Obrigada, eu sou a Alice. – Ela piscou pra mim e saiu rebolando como se estivesse em um desfile. Ela não parecia ser muito mais velha que eu, na verdade, fico impressionada em como as mães dessas meninas deixam elas saírem na rua desse jeito e freqüentarem esse tipo de lugar. Me sentei pra comer e por um momento esqueci de todos os meus problemas, com certeza comer e dormir é a melhor coisa do mundo. Fiquei distraída nos meus pensamentos até ouvir barulhos de tiro ecoando por todo lugar e me levando ao desespero, me enfiei embaixo do primeiro lugar que vi e permaneci toda encolhida. A dona Márcia fechou o lugar comigo e mais algumas pessoas que estavam lá dentro e começou a rezar, eu só conseguia tremer com o rosto entre os joelhos e pedir pra aquilo acabar logo, ultimamente isso tem se tornado bem mais freqüente aqui. Quando os tiros cessaram alguns homens armados entraram e eu logo me amedrontei continuando no mesmo lugar aonde eu estava. - Quem aqui é a Alice? – Ouvi aquele homem falar o meu nome e permaneci calada, eu com certeza não sou a única Alice do mundo. – A gente sabe que tu ta aqui garota, o chefe mandou vir te buscar. Márcia: Vai minha filha, é seu padrinho atrás de você. – Falou baixinho se aproximando de mim e depois de muito relutar eu fui quase sem conseguir andar de tanto que as minhas pernas tremiam. Como que essa gente toda sabe quem eu sou, a dois dias atrás eu nem colocava o pé pra fora de casa. Eu sem dúvidas não nasci pra essa vida, só quero que meu pai volte logo pra podermos voltar pra nossa casa. Já não consigo mais ver o meu padrinho com os mesmos olhos de antes.
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