Enfim alguém, ou não.

5000 Words
O rapaz parece confuso mas ele está testando os limites, descobrindo até onde pode ir, ele é muito inteligente eu percebo isso de cara,  por trás daqueles trapos rasgados e sujos havia um homem lindo. Ele observava a mudança de postura dos robôs com desconfiança analisando tentando descobrir algo, as vezes perguntava alguma coisa e não tinha resposta alguma, por vezes se aproximava das janelas como um gato querendo pular, mas nada fez, as janelas estavam escuras ele não via nada lá fora, ele logo percebeu que não estava em uma base do governo amarelo, os soldados não o tratariam com tanta complacência e nunca viu esses robôs os deles eram diferentes, mas frios e feios. Ele olhou seu ombro e viu seu ferimento muito bem cuidado, e percebeu que estava se sentindo muito bem de saúde, respirava melhor, se sentia mais forte, como há muito não sentia, o governo não faria isso, ele não era um dos importantes, lembrou da perseguição eles atiraram pra matar, não me capturariam, se não fosse aquela pedra eu estaria morto. Mando os robôs o levaram a um banheiro e lhe dar o que ele precisar para fazer sua higiene, inclusive um aparelho de barbear. Suzana a robô médica chefe fala: _ Por favor, me acompanhe senhor. Ele se sobressalta espantado com a voz metálica dela, chega a ser muito engraçado. _ P ppra onde?  Ele gagueja. _ Acho que o senhor gostaria de tomar um banho antes do jantar não? Acho que ele não lembrava que estava com fome, mas instintivamente pôs as mãos na barriga. Ele olhou ainda desconfiado para Suzana, acho que pensava se era possível ter sido salvo pelos robôs, mas suas ações diziam que havia alguém  por traz daquilo, a curiosidade e a fome, junto com a certeza que não seria molestado o fizeram seguir Suzana. Alonso entrou no box surpreso de haver um chuveiro, sabonete, shampoo e barbeador,  desliguei a câmera, eu não me rebaixaria a espiar ele naquela situação embora eu quisesse muito. Uma hora depois sou avisada de que ele está pronto. Religo a câmera e me deparo com um novo Alonso, limpo, barbeado e com uma roupa que combinou perfeitamente com ele, eu sabia que serviriam, como eu desconfiava ele era lindo, seus olhos verdes contrastavam com seus cabelos negros e sua pele queimada de sol, seus lábios carnudos lembravam um jambo pronto pra ser mordido. Minha temperatura subiu instantaneamente,  tenho que me concentrar. Peço para os robôs o levaram para casa, para a sala de jantar e subo para o quarto, não acho que seja bom nos encontrarmos assim logo de cara, não estou pronta. Ele chega a sala e fica surpreso ao ver a mesa, ele esquece de tudo a sua volta e ataca a comida a sua frente, um verdadeiro banquete, eu não sabia o que ele gostava então servi um pouco de tudo, arroz, feijão, macarrão, carne, frango assado, salada, molho, sucos, frutas, Alonso não recusou nenhum dos pratos, depois de comer quase tudo que havia na mesa ele sentou. Eu nunca havia rido tanto na minha vida, a cada "hummmmmm, hammmmmm" entre outros ruídos que ele fazia eu gargalhava tanto que cheguei a chorar. Aquilo era novidade pra mim. De repente ele olhou para as câmeras e disse: _ Quem é você? Eu sei que tem alguém aí, o que você quer? por que me ajudou? Era agora eu tinha que encarar ele, eu percebi que ele por vezes olhava para uma foto minha com meus pais e meu avô que havia ali, haviam fotos nossas por toda a casa, eu me sentia próxima deles assim. Liguei o interfone e disse: _ Oi, eu sei que você deve estar confuso, mas por favor confie em mim, eu não vou lhe fazer m*l, meu nome é Marissa Real, estou aqui a quase 17 anos só com meus robôs. _ Espera aí. Disse Alonso. Você está dizendo que está aqui sozinha esse tempo todo? e como você tem tudo isso? parece meio impossível. _ Tão impossível quanto uma toxina que muda os sentimentos e controla as pessoas. _Pensando por este lado, pode ser verdade. _ Meu avô e meus pais eram donos da maior empresa de tecnologia robótica do país, meu avô fez essa casa para me manter a salvo, protegida, meus pais sumiram quando eu tinha 2 anos e meu avô sumiu no dia que tudo começou e nunca mais eu soube nada deles. _Como uma criança se manteve aqui? e como você conseguiu tantas coisas? _ Você viu meus robôs? eles cuidaram de mim, eu nunca fui uma criança normal, sempre fui independente. _ Você tá me dizendo que ficou todos esses anos aqui, e porque não saiu? _ Isso você vai saber depois, meu avô sabia que algo iria acontecer por isso criou este lugar para que eu ficasse bem e para ajudar todos os que merecessem. Neste instante Alonso ficou vermelho de raiva, seus olhos se encontraram com os meus através das câmeras como se ele soubesse exatamente onde eu estava, meu coração acelerou. _ Como assim merecerem? Vocês se acham melhores que os outros? Vocês riquinhos são uns babacas mesmo. Fiquei sem ação, porque ele estava tão nervoso, porque ele me falou essas coisas? antes que eu pudesse falar alguma coisa ele continuou. _ Você deve ser do CDA, ou até pior que eles , você não presta, fica aí no luxo, comendo e bebendo do bom e melhor, enquanto os outros morrem de fome, doença e assassinados. Isso é uma injustiça. Riquinha babaca. Fiquei chocada com tamanha ingratidão, como ele podia me acusar quando eu o salvei, alimentei e cuidei de seus ferimentos? quem ele pensa que é? Eu não vou deixar ele falar assim comigo. _Não,  você é um grosso, ignorante, bronco, tosco, não entendeu nada do que falei , babaca é você. -Apareça aqui, fale isso na minha cara, sua ,sua... Eu não ouvi o que ele disse ou ele desistiu de falar, o que foi isso? Eu preciso me acalmar, pensar direito, não posso por tudo a perder por que não sei dialogar, porque é tão difícil? Respiro fundo e tento pensar no que eu fiz de errado ou disse para que ele tenha se ofendido tanto. Religo o alto falante, mas antes que eu possa falar alguma coisa ele disse : _ Olha, me desculpa, eu não sei o que me deu, é que eu tenho visto e vivido tanta coisa que é difícil acreditar em alguém, eu sei que você não é má e nem do CDA. Mas é que você tem tanta coisa sem precisar perder nada, sem esforço e lá fora tem tanta gente que precisa e não tem nada, algumas até perdem suas vidas e de seus amigos para conseguir alguma coisa. Então foi isso, ele acha que eu desdenhei das pessoas lá fora, que eu não me importo e não ajudo porque quero, tenho que reverter isso. _ Eu sei o que acontece lá fora, eu tenho visto isso ano após ano, é injusto eu estar aqui? ter comida e casa? estar livre do CDA? Eu não escolhi isso, eu não quis ficar presa em uma casa com robôs sem poder sair nunca, sem ter outra pessoa perto nunca, eu cresci sozinha, tive que aprender e tentar saber o que é sentir, para não ser só mais uma lavada do módulo, eu tinha 5 anos apenas, e tudo que me deixaram foi um caderno e robôs. Ele pareceu sentir remorso, então disse _ Como você conseguiu Se manter aqui com essa idade? _ Eu nunca fui normal, eu tinha e tenho uma capacidade de aprender muito rápido, aos 5 anos eu tinha idade mental de 12, os robôs foram programados pelo meu avô, eles me construíram e cuidaram de mim. _ Eu não queria parecer ingrato, eu sei que você me ajudou muito, outra pessoa não teria arriscado perder isso tudo por um desconhecido. _ Eu preciso que você saiba e me entenda. Conto tudo para Alonso assim mesmo, sem olhar nos olhos dele, quando tem dúvidas ele me interrompe e faz perguntas, quando acabei de contar o mais resumidamente possível tudo ele aquiesceu _ Porque, você não ajudou outras pessoas, antes de mim? você poderia ter salvo muita gente, se aqui é como você diz. _ Eu não posso sair como, e eu não podia deixar ninguém entrar antes de aprender tudo que me foi deixado. Há três anos eu tive acesso aos controles da casa, menos ao escudo que me impede de sair, desde então eu tenho mandado robôs com caixas para todos os grupos que vejo no mapa, eu deixo remédios, comida, roupas, o que posso. Todas as semanas eu tenho feito isso. Alonso abriu a boca surpreso, pela cara dele ele já viu alguma dessas caixas. _ Eu não acredito, era você que deixava as caixas? você não sabe o quanto ajudou. _Ajudei? Alonso percebe então a injustiça que estava cometendo ao me acusar, ele começou a acreditar em mim. _ Sim, muito, lá fora nós temos que lutar contra a fome, as doenças sem remédio, os soldados e os apocalípticos. _ O que são? apocalípticos? _ São aqueles que ficaram loucos, maus, que não respeitam ninguém, roubam, matam, fazem coisas horríveis, mantemos eles fora dos esconderijos, eles podem acabar com uma comunidade inteira com sua loucura. _ Então você entende o conceito de "merecedores"? Alonso ficou vermelho de novo, dessa vez envergonhado, porque viu que pensávamos igual e que eu não merecia as p************s dele. Ele pediu licença para ir ao banheiro, mandei os robôs o levarem e esperei para terminar nossa conversa, estava decidida agora a conversar cara a cara, Alonso iria me conhecer. Meus pensamentos davam voltas e mais voltas, o que será que eu disse de errado? porque motivo ele teria ficado tão ofendido com o que eu disse? Sei que não tive com quem treinar linguística, mas eu teoricamente deveria saber lidar com qualquer tipo de pessoa, meus estudos em sociologia, psicologia, deveriam me fazer ser capaz de lidar com pessoas, mas a prática em si era diferente, os sentimentos que abrangiam uma conversa eram intensos, medo, raiva, uma palavra m*l dita, uma expressão na hora errada torna impossível um diálogo. Tento me acalmar, agora que parece que contornei a situação, preciso tomar cuidado com o que falo, para não ofende-lo, como ele vai me ajudar se eu não tiver sua confiança. Enquanto eu esperava Alonso acabar sei lá o que ele foi fazer no banheiro, meus pensamentos pairavam entre duas linhas opostas, tentar abertamente me apaixonar e seduzir ele para enfim conseguir me sentir uma mulher, ou fingir que tais pensamentos sequer passaram por minha cabeça. Era a primeira opção que eu queria tentar, mas eu sequer tenho coragem de aparecer para ele ainda, mesmo já tendo decidido quem dirá seduzi-lo, chegaria a ser cômico se não se tratasse da minha vida. Fazem exatos 30 minutos desde que Alonso entrou no banheiro, ou toda a comida caiu m*l ou ele está protelando, seria possível que ele estivesse tão nervoso quanto eu? Aquiesço, no meio da sala de controle caminho de um lado para o outro pensando no que fazer, de repente um movimento em uma das telas me chama atenção, lá fora um grupo de soldados persegue uma mulher, ela corre desesperada, assustada, são quatro ou cinco soldados no máximo, eu nem penso direito, ela está perto da casa, eu posso chegar até ela, enquanto eu corro grito ordens aos robôs, dois robôs são enviados para distrair os soldados, eu chego a porta o escudo está projetado a uns 200 metros depois da mulher, ela está dentro dele mas não pode vê-lo. Eu não sei em quantos milésimos de segundos tudo aconteceu, mas pareceu uma eternidade, dois soldados encontraram ela e a arrastaram pela rua, foi quando eu percebi em pânico que ela estava grávida e muito próximo de dar a luz seu bebê. Meu coração parecia um motor prestes a voar, eu não acreditei nos meus olhos, já vi tantas crueldades neste mundo, mas há algum tempo já não via dessas coisas, homens enormes e armados arrastando uma mulher indefesa e grávida pela rua, era uma visão que com certeza eu lembraria por muito tempo. Em um segundo eu estava ali vendo aquela cena, no outro eu estava agarrada a um soldado com uma arma na mão e olhando para Alonso. Não sei em que momento ou quando ele entrou na cena, mas recordo de ver uma sombra passar por mim correndo em direção a mulher, ele deve ter visto de alguma tela e veio ajudar, será que ele a conhecia? minha mente trabalhava tão rápido com tantas situações novas a analisar que eu não sabia o que estava fazendo, mas fiz mesmo assim. Alonso matou um dos homens que arrastava a mulher, eu rendo o outro e ela se arrasta para longe a alguns metros da briga, pensei em levar o soldado prisioneiro para obter informações, e tentar cura-lo do módulo se fosse o caso. Mas antes que eu pudesse ordenar que os robôs o prendesse Alonso agarrou ele e quebrou o seu pescoço, senti o peso do homem esmorecer e seus movimentos de tremor enquanto a vida lhe deixava, entrei em choque, eu nunca havia visto alguém morrer, assim, sempre que estava havendo massacres lá fora eu não me permitia olhar, e agora tinha um homem morto nos meus braços, eu não podia deixar de sentir, ele talvez estivesse sendo controlado, Briguei comigo mesma para sair daquele transe, eu tinha que despertar, "vamos ,garota, você vai ter que matar também alguma hora embora não queira", "levanta agora Marissa" uma voz gritou pra mim. Levantei a tempo de desviar de um golpe de um soldado, o atingi com um chute bem no peito e o desmaiei com outro golpe na nuca, Alonso lutava com mais dois homens, um deles o agarrou por traz, e quando o outro ia atingi-lo com uma faca eu o parei. Alonso os matou, mas dessa vez eu não olhei, corri para o lado da mulher enquanto Alonso fazia seu trabalho, ela estava desacordada, tinha muitos hematomas, mas nenhuma contusão grave, dei ordem aos robôs que a levassem para o hospital, enquanto eles a carregavam, olhei para Alonso, ele me olhava de volta com um olhar perturbador, de raiva?, de mágoa? eu não fazia ideia, mas não gostei, ele me olhou com nojo? Segui para casa, o deixando livre para decidir se vinha ou não. _ Eu preciso ajudar a moça, você não é meu prisioneiro, se quiser ir vá, está livre, mas saiba que eu preciso de sua ajuda, e que assim que eu entrar nunca mais você me achará. Dito isso entro na casa e sequer olho para ele, o modo como ele me olhou ainda dói em mim. Eu espero sinceramente que ele fique, eu preciso da ajuda de alguém como ele, sei que não começamos bem, e que ele me odeia por eu ser quem eu sou e ter o que ele não teve, mas não é hora para isso tem uma mulher a minha espera e eu tenho que ajudar ela custe o que custar. Me arrasto sem forças para o hospital, sinto meu corpo inteiro doer, não sei mais quanto tempo aguento essa pressão. Ao chegar no hospital meu coração dispara, a mulher está na emergência, entubada, ligada à todas as máquinas de monitoramento cardíaco. "que merda é essa" lembro de ter pensando, pego meus instrumentos médicos e vou checar eu mesma ainda descrente de que ela esteja tão m*l a ponto de Suzana entubar. Mas infelizmente ela estava certa e com certeza sua rapidez a salvou, minha demora lá fora com Alonso pôs a vida dela em risco. _ Obrigada Suzana. Digo, mesmo sabendo que estou falando com uma máquina. A saturação da moça está caindo muito rápido, e sua pressão está altíssima, provavelmente ela está em choque pois não tem reflexos ativos, continuo meu exame minuciosamente, uma cesariana de emergência tem que ser feita se eu quiser ter chance de salva-la. Mando os robôs preparem a sala de cirurgia, trêmula pois será minha primeira paciente de verdade, fora Alonso é claro. A simples menção do nome dele me deixa nervosa. Me concentro no que tenho que fazer. _ Suzana adrenalina por favor. Injeto no soro dela para que ela possa reagir, ela não está sedada ainda, não tem nenhuma lesão grave, apesar da saturação baixa e da pressão alta, não encontro outro motivo a não ser o choque para a falta de reação dela. Enquanto eu a examinava, notei o quanto ela era bonita, mesmo tão desgastada e m*l cuidada, ela tinha a pele branca ao que me parecia queimada de sol e marcada por muitas cicatrizes, seus cabelos eram longos, enrolados e pretos como carvão, com certeza ela deve ter fugido de alguma base do CDA para salvar seu filho do destino c***l que o aguardava, e conseguiu aqui ninguém fará m*l a ele. Me viro para ver se a sala está pronta, mas não chego nem a porta, o barulho do monitor me chama a atenção, o bip dispara de repente e acelera, sinal que o coração dela ganhou um pouco de força, ao me virar fico surpresa ela abriu seus grandes olhos verdes e tentava falar alguma coisa, corri para o seu lado e pedi que ficasse calma. _ Ei, calma, está tudo bem, você está salva, não sou do CDA. Ela tentava falar alguma coisa desesperadamente, mas o tubo em sua traqueia não permitia, ela fez um movimento de tirar. _ Não faça isso, você precisa respirar direito. Grito para que Suzana traga um sedativo para ela, ela fecha os olhos novamente como se tivesse voltado a dormir, era o que eu achava. Me viro novamente e vou até o armário de remédios buscar o sedativo eu mesma, vejo a máquina apitar novamente agora com mais vigor, corro de volta para o lado da cama e vejo com pavor que ela arrancou o tubo da garganta. Meus olhos quase saltaram da órbita, ela é louca, ela podia ter deslocado a traqueia, quebrado alguma vértebra, ou coisa pior. _ Você não pode fazer isso, por favor, você pode se machucar entenda. Ela agarrou meu braço com uma força que eu jamais imaginaria alguém no estado dela ainda ter. _ Você, me ajudou. Você e ... Ela engasgou um pouco e puxou o ar profundamente, eu peguei uma mascara de oxigênio o liguei e dei para ela, ela aceitou a máscara inspirando novamente. O que eu faço? ela precisa ser sedada e entubada de novo. _ O- o- obrigada, vo- você foi um anjo. _ Você tem que descansar, por favor, respire. Eu tenho que cuidar de você, sua pressão está alta, eu tenho que fazer uma Cesária para salvar você e seu bebê. _ N-Não, eu já morri. Salve ele. Ela parou de novo, respirou fundo e sorriu com ironia, talvez uma piada interna ou desespero. _ Você não morreu! Está viva,  vai ficar bem. _ Não, eu sei que não vou, eu já dei três crianças para eles, esse é o último, eu-eu ia morrer de qualquer jeito, eles sabiam, só queriam ele. _ Do que você está falando? Você não precisa falar nada agora, me deixe... Ela não me deixou acabar de falar, apertou um pouco mais meu braço e me olhou com raiva por um instante, mas logo seu olhar mudou e virou uma súplica. _ P-por f-favor, não diga a ele que eu sou mãe dele, nunca deixe ele saber. C-cuide dele como se fosse seu, eu dou ele pra você, pra eles não. Prometa por favor. Eu não entendia o que ela dizia, como assim meu? ela me deu ele? Mas ele não era uma coisa para ela me dar, era o filho dela, como eu logo eu, que nem era mulher ainda, ia ser mãe? aquela palavra agora mudou para mim, meu coração tremeu por dentro e eu senti um calor invadir meu corpo, não um calor do jeito que me dava quando olhava para Alonso, outro tipo, um que eu também nunca havia sentido. _ Você não pode dizer isso, você vai ficar boa,  agora eu vou cuidar de vocês. Suzanaaa, a sala tá pronta? preciso de ajuda aqui. Suzana apareceu na porta dizendo que sim, estava tudo pronto para a cirurgia. Pedi para que os dois robôs auxiliares a transferissem para a sala, mas antes que isso acontecesse, o monitor disparou, a princípio achei que ela tinha arrancado o medidor também, mas não, o coração dela parou, eu corri para perto dela e comecei a massagem cardíaca, 1, 2, 3, 4, 5, sopro, de novo, e de novo, mas ela não reagia. _ Suzana, adrenalina rápido. 1,2,3,4 ,5 sopro. " não,  você não vai morrer. Eu não sei ser mãe." O desespero começou a tomar conta de mim, o tremor voltou, meu coração disparou, cinco minutos se passaram, mas para mim foram horas. _ Suzana, desfibrilador. Carregue em 150, vai. Esfrega, e choque, de novo, 200, esfrega e choque, " Volta, volta, pelo amor de Deus," 250 Suzana vai. Quarenta minutos depois exausta física e mentalmente me dou por vencida, declaro o óbito e desabo no chão. As lágrimas não vem, minha cabeça está girando, a chegada de Alonso, o que eu senti, o desejo, o medo, a briga, as coisas que ele me disse, o resgate da moça, os soldados mortos, o soldado morto nos meus braços, o olhar de Alonso, o que a moça me disse, e vovô, o que aconteceu com vovô? a confusão se apoderou do meu cérebro. Eu não sei onde estou, quantos anos tenho, esqueci de tudo não sinto nada, estou dormente. Uma voz na minha cabeça começou a me chamar de volta, " levanta, não acabou, você tem um mundo inteiro pra salvar, anda, levanta" . É a voz da minha mãe? _ Mamãe? mamãe, eu tô com medo. As alucinações continuavam, e eram sinal de que eu estava guardando coisas demais dentro de mim e era hora de expeli-las. " Marissa, acorde, Marissa" Desperto do meu estado mais uma vez, e Suzana está me chamando. _ Marissa, Marissa. _ O que é Suzana? acabou, acabou. _ Os batimentos cardíacos do bebê estão ficando fracos, acho que ele está sem oxigênio! O quê? como assim? que merda eu esqueci do bebê, como eu pude esquecer ? Levanto correndo, corro até a cama da mulher, e peço o bisturi, ela já está morta, mas mesmo assim a corto com respeito e cuidado e medo de que ela ainda possa sentir. Ao romper a barreira de três camadas de pele chego ao útero, posso ver o bebê, abro o útero e o tiro de lá, nos meus braços, sinto seu corpinho minúsculo, seus traços são lindos e aparentemente ele está saudável, passo o que parece um longo tempo olhando aquele pequeno e esqueço de algo importante, ele não chorou, corto o cordão umbilical e o coloco de cabeça para baixo, dou duas palmadinhas leves no bumbum dele, espero, ele não chora. "Não, não, você não vai morrer também, anda, respira." Repito de novo o mesmo movimento, dessa vez ele engasga e chora, foi o som mais lindo que já ouvi em toda minha vida, o coloco de volta na posição certa e o enrolo com uma manta. Ele é perfeito, o examino com cuidado escuto o coração os pulmões, examino a barriguinha, o pênis, os olhinhos , tudo perfeito. Ele mediu 50 centímetros, pesou 3:900, a pele é branca, os cabelos pretos, ele é um anjinho lindo, um milagre, que veio para me dar esperança de novo, o sol depois da tempestade. Peço uma das manjedouras do quarto de recém nascidos pra Suzana, o coloco ali perto de mim enquanto cuido da mãe dele, depois de costura-la e limpar eu fecho seus olhos e lhe digo: _ Me desculpe, eu não sei seu nome, nem quem você era, eu sinto muito por tudo que você teve que sentir e passar lá fora, e sinto mais ainda por não ter salvado sua vida, você me confiou seu bem mais precioso, e eu prometo por tudo que é mais sagrado, eu juro pela minha vida que ele nunca vai saber o que é dor, sofrimento, fome, frio ou violência, ele vai crescer muito amado, bem cuidado e feliz. Você me agradeceu por tê-la salvo dos soldados, eu agradeço você por ter me salvado de mim. Eu sei que não tenho culpa do que te aconteceu, e nem de ter ficado aqui sozinha por anos no conforto e segurança enquanto tantos outros como você sofriam todo tipo de privação. Eu lamento muito por isso, e desejo que você esteja em um lugar muito bonito e que daí você cuide e olhe pelo seu filho e se der por mim também. Descanse em paz. Acabado meu discurso, peço a dois robôs que a coloquem em um caixão e a enterre lá fora, embaixo da árvore mais bonita que houver. Emocionada, desgastada mais uma vez, tomada por um misto de alegria, tristeza, medo, dor e esperança, desejo e raiva meu corpo ameaça entrar em colapso, minha mente é uma mistura de coisas e sentimentos sem sentido, só aquele serzinho agora me prende ali a realidade, eu esqueci ele uma vez e quase o perdi por isso, não farei de novo. Graças ao Meu avô ali no armazém haviam móveis, e todos os tipos de coisas que bebês e crianças precisam, pedi a Penélope para levar alguns robôs com ela o mais rápido possível até lá, e trazer tudo que o bebê precisaria, fraldas, leite, roupas, todo o enxoval possível, mamadeiras tudo. Pego bebê que está dormindo calmamente como se nada houvesse acontecido e me viro para ir para casa, Alonso estava parado a porta com os olhos arregalados de surpresa e cheios de lágrimas, ele disfarçou quando olhei mas foi em vão. Eu não conseguia encara-lo não agora, mas percebi que ele já não me olhava com raiva e rancor, um quê de admiração brilhava em seus olhos, a quanto tempo será que ele estava ali me olhando? Não importa, vou em frente e digo apenas: _ Que bom que você não partiu, obrigada. Não espero ele responder e me apresso corredor a fora, cubro bem o bebê com a manta ainda ensanguentada e vou para casa, chegando lá os robôs já estão acabando de guardar as coisas do bebê, o bercinho já está montado no meu quarto, um carrinho de bebê ao seu lado, uma poltrona branca ao lado da minha cama. Uma cômoda branca estava ao lado do meu closet, os robôs não eram os melhores decoradores, eu dava as ordens, mas sem mim ficou um desastre, não tem problema depois eu mesma arrumo tudo. As roupinhas de bebê estavam em caixas em cima da cama, ainda com ele no colo , procuro uma toalha, sabonete, pego um macaquinho azul a coisa mais linda e uma fralda, e deixo na cama, para por Embaixo do macaquinho uma calça e uma camisetinha minúsculas, uma meinha que mais parece um dedal e uma colônia que eu adorava porque lembrava o cheiro da mamãe. Coloco o bebê em cima de uma manta na cama para não sujar nada com sangue e restos de parto e vou encher a banheira com água morna, coloco o sabonete no apoio da banheira, o shampoo e coloco as roupas no trocador, pego o pequeno com cuidado o desenrolando da manta quentinha, ele parece não ter gostado, dou banho nele limpando toda a sujeirinha, depois de vestido, preparo seu leite e o ofereço a ele, ele tomou exatos 100 mg de leite, é um guloso, depois de faze-lo arrotar o ar, o coloco limpinho no seu berço. Ver aquele serzinho ali me da uma paz, no momento que ele abre os olhinhos e me olha bem nos olhos como se dissesse obrigado, eu quase desmaio, sim, eu não posso mais negar, eu sou sua mãe, e ele meu filho de agora em diante para sempre, meu milagre, minha esperança, a razão pela qual eu quero lutar por um mundo melhor. Preciso me lavar, meu corpo está quase entrando em choque também, e minha mente eu nem falo, o único motivo de eu me manter de pé é agora esse pequeno. Vou para o banheiro  tiro minhas roupas abro o chuveiro e deixo a água lavar de mim, o sangue, a sujeira e rezo para que leve também, a dor, a mágoa, a tristeza, mas o calor da água e o fato de estar ali sozinha liberou um gatilho em mim,  já sem poder conter, derramo ali naquele chuveiro toda a minha agonia, meu corpo começa a tremer loucamente, minhas pernas parecem que vão me deixar cair a qualquer momento, as lágrimas caem dos meus olhos na mesma intensidade que as gotas do chuveiro, os soluços saem da minha garganta contínuos, eu não aguento mais, tenho que por pra fora toda minha dor, como mamãe disse na alucinação. No ápice da minha dor, com meu corpo todo em colapso, minha mente cheia de imagens e sentimentos, solto um grito de pura agonia e dor, sinto minhas pernas fraquejarem e antes que eu possa cair sinto antes de ver Alonso me segurar, ele se agarra a mim me virando de frente para ele  me abraça forte se deixando molhar também embaixo do chuveiro. Fico surpresa, assustada , mas logo essa sensação passa, sinto o calor do corpo dele se espalhar pelo meu, o que será que ele pensou para vir até aqui e me agarrar desse modo, será que ele agora gosta de mim? ou será que ele ficou com pena de uma menina boba tendo uma crise de pânico. Mas nesse instante decido não pensar em nada e me render a esse momento era o que eu queria
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