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2645 Words
Um Beto — No passado, conseguimos faturar alto com as seringueiras. O látex era o petróleo de hoje, serviu para fazer quase tudo que você consegue imaginar. Mas aqueles infelizes dos asiáticos roubaram nossas plantas e começaram a cultivá-las em grande potencial lá fora. Perdemos a exclusividade e, depois, deixamos de ser essencial, com o crescimento do consumo de Petróleo. Mas foi naquela época que o império dos Magalhães começou aqui no norte. Seu bisavô teve que se reinventar, seu avô deu continuidade naquilo que seu bisavô acreditava, e claro que dou o sangue nisso aqui. Em breve, estará nas suas mãos dar seguimento e muito orgulho para os que já lutaram por nós no passado. — Para mim, será mais que uma honra, é uma questão de orgulho. Como o senhor mesmo diz: a Cooperasinga não é apenas um grupo de empresas, é a nossa família e é o meu dever proteger os meus. — Exatamente. Como podem ver, meus caros, quando me aposentar, poderei ficar tranquilo — Abílio abriu um sorriso de canto — Sei da competência do meu filho. — Acontece, Abílio, que o narcotráfico não funciona como as seringueiras, muito menos como a faculdadezinha de direito que seu filho… — não deixei o senhor de cabelos e barbas grisalhas sentado à minha frente dar continuidade. — Fui criado nesse negócio, desde que me entendo por gente participo de cada detalhe dessa merda, desde o desenvolvimento das rotas até a execução de quem se atreve a entrar no nosso caminho. Minha faculdadezinha de direito, como o senhor disse, não passa de um pretexto. Para mim, somente uma coisa importa: a entrada e a distribuição das nossas mercadorias no país. — Estreitei meu olhar na direção ao representante do nosso sócio boliviano. — Tenho 27 anos, você está diante de um homem, não de um moleque! — Não estou duvidando da sua capacidade, Umberto, o problema é Pablo Damião que está marcando pesado nas fronteiras. O sonho dele é tomar o nosso território. — Ainda bem que você disse, é um sonho, apenas um sonho que nunca irá realizar. — Estamos lidando com um inimigo perigoso, do qual não fazemos ideia de quem é e do que é capaz! Não podemos subestimá-lo. — Não estou subestimando ninguém. Estou apenas deixando claro, nessa mesa, que, enquanto eu estiver vivo, Pablo Damião não dará um único passo no nosso território. É minha sina defender o nosso cartel e não quero ouvir mais constatações sobre isso! — Bati na mesa, irritado com a insistência daquele representante em duvidar da minha capacidade. — Perdão, senhor Umberto, em nenhum momento quis ofendê-lo, muito pelo contrário, quero deixar claro que pode contar conosco para o que precisar, temos um acordo… Papai rapidamente o interrompeu: — Acordo é uma palavra banal, descartável. O que temos é um pacto. — Vidas são a garantia — continuei por papai. — Esse é o único e verdadeiro Mercosul! Os homens à mesa riram. — A verdade é só uma, nós fazemos o dinheiro girar na América latina! — Não é atoa que temos esses governantezinhos na nossa palma! Todos ali tinham muito orgulho do que faziam. Todos tinham orgulho do poder de suas famílias, do dinheiro acumulado em suas contas bancárias em diversos paraísos fiscais espalhados pelo mundo e do fato de termos o privilégio de ganhar muito sem pagar um único centavo de imposto. Funcionávamos como uma igreja, tínhamos seguidores fiéis, os diáconos, os padres e os bispos, mas papa só havia um e ele era o meu pai. Sua palavra era sempre a última e mais importante. E era o seu lugar que eu assumiria em pouco tempo. — Mudando de assunto, meus amigos, hoje é um grande dia, minha filha ficará noiva! E Umberto já está com o casamento marcado, estou muito orgulhoso! — papai exclamou, com um copo de uísque na mão, enquanto seus aliados sorriam alegremente para ele. Abri um sorriso de canto, não dava para demonstrar mais felicidade que isso. Infelizmente, no meu mundo, homens solteiros não passavam credibilidade. Minha vontade era de continuar a viver livremente, sem amarras, sem mais compromissos do que aquele a qual estava predestinado desde que nasci. Porém, já estava conformado, minha noiva era uma mulher bonita, recatada e de uma família extremamente tradicional aqui no norte. Não seria nenhum sacrifício passar a vida ao seu lado. Após a reunião, papai e eu entramos na minha luxuosa 4x4 e seguimos para a fazenda, a poucos quilômetros de distância da cidade, acompanhados pelos nossos seguranças. Parece irritante, porém, eu já havia me acostumado, já que foram poucas às vezes que saí por aí sem a presença deles. O casarão da fazenda tinha uma arquitetura clássica que lembrava os grandes palácios imperiais portugueses. Por dentro, o luxo surpreendia, era realmente algo de se espantar, por se tratar de uma fazenda localizada na floresta amazônica. Abílio, meu pai, sempre foi fascinado por ouro, quadros e qualquer tipo de arte que representavam seu poder aquisitivo. Nossa família era a mais rica e poderosa do norte, provavelmente da América Latina, mas a Forbes jamais descobriria. Lá fora, contávamos com uma enorme piscina e uma área de lazer, que incluía desde um bar com as melhores bebidas até um espaço com uma vasta variedade de jogos de mesa. Especialmente hoje, estava tudo decorado para a festa de noivado da minha irmã. Havia arranjos de rosas por toda parte, mesas e um palco no centro para o acontecimento. O futuro noivo da minha irmã era filho do maior importador de pescados do norte, ele era um bom partido, porém, pelo fato de termos poder e dinheiro com fartura, ninguém parecia ser tão bom ao nosso lado. Mas, é claro, Abílio não dava ponto sem nó, Moisés, além de carismático, já estava no segundo mandato como deputado federal e tinha tudo para ser eleito como o novo governador do Pará. Eu não era fã de festas convencionais que mais pareciam uma disputa de ego entre os convidados. Ainda não tinha começado, mas eu estava ansioso para que acabasse. Infelizmente, era minha obrigação, como irmão da noiva e futuro maior representante da família, comparecer naquele teatro, já que minha irmã também não demonstrava o menor interesse nessa união. Depois de um banho gelado, vesti uma calça jeans apertada que marcava os músculos fartos da minha coxa, em seguida, botei uma camisa xadrez, deixando dois botões abertos para que meu cordão de ouro com o pingente de cruz ficasse a mostra, por fim, calcei botinas de couro e me olhei no espelho enquanto ajeitava meu chapéu de couro importado. Melhor impossível. Para finalizar, borrifei no pescoço o perfume amadeirado, peguei minha pistola no fundo da gaveta do meu guarda-roupa e a escondi na cintura. Costumava andar prevenido, por mais que meus seguranças sempre estivessem comigo, eu me sentia como um alvo ambulante, cuidado nunca era demais. Estava descendo a escada quando avistei minha noiva exuberantemente bem vestida à minha espera. Analice tinha traços delicados, boca pequena, nariz arrebitado, pequenos olhos azuis e fios loiros ondulados que emolduravam seu belo rosto. Ela usava um longo vestido num tom claro de rosa. Provavelmente a mulher mais linda da noite. — Beto, meu noivo. Você poderia estar vestido um pouco mais de acordo, não acha? — Para uma festa na minha própria casa? Não mesmo, até porque isso é só um noivado. — Os noivados também têm a sua importância. O nosso, inclusive, foi o mais aguardado de todo norte — óbvio, todos tinham interesse em saber quem o homem solteiro mais disputado do norte, escolheria como futura esposa e mãe de seus filhos. — Por isso, o nosso casamento deverá ser a maior festa da história. Arqueei as sobrancelhas, intrigado pelo fato da minha noiva querer ser a maior em tantas coisas que, para mim, eram completamente insignificantes. — Vamos para o salão — disse, passando meu braço pelo seu e guiando minha noiva de maneira civilizada. Tudo naquela noite era tão previsível que, somente o fato de não estar usando um smoking, era o suficiente para despertar olhares controversos e cochichos por todos os cantos. — Eu disse que você não estava de acordo — Analice balbuciou, decepcionada. Segui com ela rumo à mesa da família, próxima ao palco onde seria feito o discurso do noivado. — Filho, como tu estás lindo — mamãe afirmou, admirada, enquanto jogava os longos cabelos castanhos para trás. Apesar de ter mais de quarenta anos, tinha a aparência de uma mulher jovem, linda e elegante. Diferente de mim, mamãe estava vestida formalmente, com um vestido longo na cor creme que caía perfeitamente em seu corpo. — Obrigado, mamãe, mas não seja modesta. Seu filho não chega aos seus pés. Ela sorriu antes de começar a bajular sua nora. — Não faz mais que sua obrigação, tu tens que se esforçar muito para ficar à altura da sua noiva. Tu soubeste escolher, Analice é uma das moças mais lindas que já vi. — Uma das? Desculpe-me, Valentina, mas nem mesmo nas capas de revista, aparece mulheres com uma beleza única como a minha. Respirei fundo, um tanto entediado. Rapidamente fiquei de pé e deixei a mesa da minha família. Pelo menos para mim, o assunto não era interessante. Ao invés disso, saí em busca de Lázaro, meu irmão mais velho que, até o momento, não tinha dado as caras. Caminhei um pouco e o avistei um pouco distante, próximo à entrada da cozinha industrial, responsável pelo buffet da noite. — Lázaro, está fazendo o quê aí? Vamos pro salão beber alguma coisa. Meu irmão abriu um sorriso sarcástico para mim. — Quem te vê falando assim, até pensa que sou bem-vindo. — Estou te convidando. — O seu pai não ficará nada feliz em te ver ao lado do irmãozinho bastardo. Além do mais, não estou vestido de maneira apropriada. — E por acaso eu estou? — Lázaro ficou em silêncio, enquanto me media de cima a baixo. — Será um grande favor, não consigo ficar mais um único segundo ali sozinho ouvindo mulheres falando m*l do vestido e do cabelo umas das outras. — Tudo bem. Mas já vou logo avisando que nada que você faça, fará com que eu sente à mesa junto a sua família. Assenti, compreendendo perfeitamente Lázaro. Realmente ele não era muito querido por papai, mas em compensação Lavínia e eu sempre nos demos muito bem com ele. Desde criança minha irmã e eu nos empenhamos em ajudá-lo, mesmo contra a vontade do nosso pai. Mamãe, por ser muito submissa a Abílio, costumava evitar ter envolvimento com seu primeiro filho e isso era o que mais lhe doía. Hoje somos adultos, experientes, “donos” das nossas escolhas. Mesmo na adolescência, sempre lidei com muitas responsabilidades, obrigações do trabalho e da família, porém, nunca vi isso como um sacrifício. Nasci para a adrenalina e com a ânsia de arriscar, bater de frente com o inimigo e encarar o perigo. Escolhi uma mesa discreta para que Lázaro ficasse mais à vontade, estávamos distantes do palco, mas foi impossível deixar de prestar atenção no momento em que mamãe e Abílio subiram ao palco, ao lado de Moisés, futuro noivo de Lavínia. A ausência da minha irmã gerou uma certa tensão no salão. Diferente de mim, Lavínia nunca escondeu seu receio por casamentos arranjados, ela sempre foi super romântica e costumava levar a sério as histórias dos livros que vivia lendo por aí. Lavínia, várias vezes, já ousou a dizer que não desejava um príncipe encantado montado num alazão, mas sim um amor verdadeiro, com reciprocidade onde ambos pudessem ser felizes e apaixonados enquanto estivessem juntos. Várias vezes alertei Lavínia que, na nossa família, isso jamais daria certo. Para os Magalhães, os negócios e o dinheiro vem sempre em primeiro lugar. Apesar do romantismo, nunca a vi demonstrando paixão por ninguém, a não ser que ela tivesse um amante secreto a ponto de nunca deixar rastros ou brechas sobre seu caso. O que não era impossível, já que quando querem, as mulheres fingem e mentem muito melhor que nós homens. Mas aquele atraso da minha irmã estava me deixando de cabelo em pé. Pelo que conhecia dela, o que estava por vir era péssimo. Aquela altura, ela já havia armado algo para reforçar sua ladainha feminista. — Já falei com Lavínia, ela está chegando. Está demorando um pouco mais do que devia porque quer ficar exuberante para o noivo — o tom de mamãe não convencia. O clima começou a piorar quando ela, meu pai e o noivo, ficaram plantados em cima do palco por longos minutos enquanto todos cochichavam sobre a situação. — Droga! Seja lá o que Lavínia esteja tramando, espero que você não tenha nada a ver com isso, Lázaro. — Meu irmão me fitou de soslaio. Sua calmaria era um tanto estranha, contando com o fato de que ele sempre foi cúmplice nas principais rebeldias de Lavínia, duvido que ficariam de braços cruzados com ela prestes a ser condenada a viver para sempre ao lado de um homem que não amava. Foi então que, inesperadamente, um barulho fez com que todos se virassem para trás simultaneamente. — Seu Moisés, pague o que me deve! Seu Moisés, pague o que deve! — Esse foi o coro que se formou às nossas costas. Engoli em seco desacreditado, já com a mão na cintura, pronto para atirar se fosse necessário. Mas cedi quando vi minha irmã gritando e protestando junto com eles. — Moisés! Como você quer casar comigo, sendo que não paga o salário desses pobres pescadores? Se você não é capaz de manter seus funcionários, quem dirá uma esposa do meu nível! — Oohhh! — os convidados se espantaram com o ato da minha irmã. — Moisés, pague os pescadores! Moisés, pague os pescadores! Vamos galera! Lázaro começou a gargalhar sem controle a ponto de pressionar a barriga de dor. Eu, revoltado, soquei a mesa, impondo respeito para por fim aquela bagunça. Esse circo faria com que nossa família virasse piada na região, pior, deixasse uma mancha no nosso legado. Vendo que, se continuássemos parados, aquela baderna não chegaria ao fim tão cedo e eu não esperei mais. Subi sobre a mesa, saquei minha pistola e disparei para cima. — Chega! Darei 10 minutos para que todos os ribeirinhos deixem a fazenda, imediatamente. Caso não queiram sair por bem, a outra alternativa é o caixão! — fui direto e reto, sem mais delongas. A vergonha me corroía, o desprezo por Lavínia e Lázaro, que foi obviamente o seu comparsa naquilo tudo, aumentava a cada segundo. Rapidamente, nossos seguranças e capangas começaram a surgir de várias direções, todos armados com pistolas e fuzis de alto calibre. Temendo o pior, os ribeirinhos ergueram os braços em rendição, um deles chegou a urinar nas calças. — Tirem-nos daqui! Com vida! Ouviram? Com vida! — Um m******e na festa de noivado da minha irmã, era tudo que não queríamos para aquela noite. De maneira imediata e brusca, os ribeirinhos foram retirados. O silêncio reinava absoluto, aguardando uma explicação sobre o que realmente estava acontecendo. Se a filha do grande Abílio Magalhães ficaria noiva ou não com o deputado Moisés. — Meus caros convidados, peço desculpas pelo ocorrido — meu pai pegou o microfone e falou num tom um tanto irritado. — Vamos esquecer esse infeliz acontecimento e parabenizar Moisés e Lavínia, os mais novos noivos da cidade! — Os convidados se entreolharam, mas a presença de papai era mais que o suficiente para impor respeito e deixá-los com medo, caso dissessem algo. Logo um couro de salva de palmas era formado para parabenizar o novo casal, enquanto lágrimas pesadas caíam como cascatas dos olhos esverdeados da minha irmã. Olhei para o lado e vi Lázaro cerrando os dentes e apertando os punhos, cheio de raiva e revolta.
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