Capítulo 7

2959 Words
31 de outubro de 1565. As rechonchudas nuvens se espalhavam pelo céu, dando passagem para o sol iluminar o pequeno vilarejo. O cheiro de terra molhada, ocasionado por uma noite chuvosa, caiu sobre o ar. O doce aroma percorria deslumbrantemente pela respiração agitada das gêmeas Lancaster. Ambas se divertiam nos fundos da sua casa, com algum jogo que envolvia tocar na outra e fugir. ― Você é muito lenta, Ariana! ― Daina disse entre risos, fugindo da sua irmã. ― Eu não sou lenta! As minhas pernas que são curtas! ― replicou. Mergulhando-se na gargalhada, Daina escorrega em uma poça de água, deixada pelos vestígios da chuva. E, em alguns segundos, o seu longo e armado vestido estava enxarcado. Aria se aproxima, e ao ver a situação da irmã, ela não consegue segurar o riso. Quem antes debochava por Aria ser lenta, agora estava com o traseiro enxarcado. ― Você nem precisará tomar banho hoje! ― brinca. Daina estreita os olhos, furiosa, mas, rapidamente, o seu semblante muda, expressando um sorriso malicioso. A sua mão direita que estava sobre a lama, formou um punhado com a terra molhada. E antes que Aria pudesse decifrar a sua intenção, Daina lança o punhado de lama em direção ao rosto da irmã, manchando-o. Os lábios de Aria entreabrem, chocada. E sem pensar duas vezes, ela pula em cima de Daina, sujando-a ainda mais de lama. Ambas riam, divertindo-se. E, agora, ambas estavam completamente sujas. ― Interrompo-as? Um jovem rapaz, muito encantador, por sinal, questionou ao se aproximar. O seu sorriso era cativante. A sua aparência, parecia de um príncipe que havia saído de um livro de conto de fadas. E a sua voz era tão calorosa, que podia causar arrepios em qualquer menina do vilarejo com quem ele falasse. Mas, ele já havia escolhido a sua garota certa. E, que, por falar nisso, era considerada extremamente sortuda por ter Gregory Faulkner como noivo. Daina quase salta do chão para os braços do camponês. Sempre que ela o via, era como se estivesse o vendo pela primeira vez, sentindo cada emoção, cada excitação intensamente. Ela o amava, e amava tanto, que não conseguia descrever o quanto. Somente sabia que seria capaz de fazer qualquer coisa por ele. E, ele, sentia exatamente a mesma coisa por Daina. Muitos acreditavam que eles eram almas gêmeas, ou metades que finalmente se encontraram. Mas, na verdade, só eram pessoas dispostas a se entregarem verdadeiramente e intensamente ao que sentiam. Daina desfaz o abraço, e então, percebe que, por impulso, acabou transferindo parte da sujeira em seu vestido para a roupa de Gregory. ― Meu Deus! Me desculpa! Acabei te sujando também. Daina diz em um tom preocupado. Gregory balança a cabeça e um sorriso bobo se estampa em sua face, observando o nervosismo da noiva. Sua mão desliza até o rosto de Daina, e sem que ela espere, Gregory aproxima os seus lábios dos dela, beijando-a. E logo, o rosto de ambos estavam sujos. ― Eu não ligo para a sujeira. Eu ligo para você ― murmura contra os lábios da jovem moça. Daina cora, envergonha. Apesar de estarem noivos e de quase chegarem a ter a sua “primeira vez”, Daina ainda se sentia um pouco tímida em relação a intensidade de Gregory, afinal, ela vinha de uma família tradicional e conservadora, onde tocar nas mãos era o máximo que podiam fazer antes do casamento, e Gregory era a sua primeira experiência de relacionamento amoroso, então, ela não sabia muito bem como agir ao seu lado, a não ser, responder aso impulsos do seu corpo. ― Então... ― Aria pigarreia. ― Eu escutei a mamãe me chamar. Então... Eu vou indo. A mais nova inventa uma desculpa para não presenciar o romance da irmã. ― O que acha de irmos ao lago? ― Gregory sugeriu e segurou a mão de Daina. ― Eu adoraria. O jovem casal segue a caminho do lago, o lugar onde eles haviam se conhecido pela primeira vez. A brisa percorria suavemente pelo rosto e cabelo do casal, que admiravam a serena paisagem do quieto lago próximo ao vilarejo. ― Eu lembro como se tivesse sido ontem, que nos conhecemos aqui. Gregory sorri, nostálgico. ― Foi o melhor dia da minha vida. E... Não é à toa que escolhemos este lugar para realizar a cerimônia do nosso casamento. ― Você sabia que... Eu sou o cara mais sortudo do mundo por ter você? E, mais uma vez, Daina cora. ― Eu quero viver o resto da minha vida ao seu lado ― suas mãos tocam as bochechas de Daina. ― Eu quero construir uma família com você. Eu quero... Acordar toda manhã, olhar para o lado, e ver você. Eu quero sentir o seu toque. Ouvir a sua voz de sono... E... Quero dizer aos nossos filhos, o quanto eu sou sortudo por ter você ao meu lado. Os seus olhos fitaram apaixonadamente os olhos escuros da jovem moça. Daina tinha os maiores e melhores motivos para amar Gregory. E, isto explicava por que ela seria capaz de dar a própria vida por ele, afinal, Gregory Faulkner não era somente um homem que gostava de usar palavras bonitas e encantadoras, ele tinha atitude. Ele agia conforme o que dizia. Então, Daina podia confiar nele. Porque, tudo o que havia dito para ela, inclusive, o que acabara de dizer, ele realmente iria cumprir... Até que a morte os separasse. Um grupo de forasteiros, acompanhado por uma das bruxas do clã, interrompe o momento romântico entre Daina e Gregory. ― Daina! ― Amélia, a bruxa mais antiga, cumprimenta o casal. ― Gregory ― ela sorri gentilmente. ― Amélia ― Daina retribui o sorriso e logo o seu olhar se encontra com o grupo de doze homens. ― Temos visitantes? ― Sim! O seu povo é do Norte. E, estão de passagem. Nos pediram para os acolher, então, estou apresentando o nosso território. ― Sejam bem-vindos ― Daina cumprimenta o grupo, que responde com um aceno de cabeça. ― Bem, iremos dar continuidade. E... Daina, querida. Estou muito ansiosa pelo casamento de vocês. Sinto que vocês foram feitos um para o outro. A mulher de cabelos de fogo sorri vibrante e logo segue com o seu tour pelo vilarejo, voltando a deixar os pombinhos sozinhos. ― Hum... Onde paramos? ― Daina sorriu manhosa, roubando um beijinho de Gregory. ― Eu sei bem onde paramos... ― ele sorri malicioso e retribui o beijo de Daina. [...] Ao cair da noite, Daina penteava os seus longos cabelos negros em frente a uma pequena penteadeira de madeira, preparando-se para dormir. Aria, que já se encontrava na cama, e observava a irmã um pouco distante, questionou: ― Você e... Gregory... Já tiveram a primeira vez? A pergunta de Aria deixa Daina envergonhada. ― P-Por que quer saber disto, Ariana? Aria move os ombros por baixo das cobertas. ― Eu não sei... Só gostaria de saber como é ter a primeira vez. Daina coloca a escova de cabelos sobre a penteadeira e se vira no pequeno banquinho em que estava sentada, tendo visão de Aria. ― Quando você tiver a sua primeira vez, você saberá como é. Eu gosto de imaginar que... Na minha primeira vez, Gregory será o cara mais cavalheiro e romântico possível. E que... Todo o meu corpo irá vibrar ao toque dele. E que, aquela sensação, que tantos falam... Será incrível. Um sorriso tímido surge em seus lábios, sonhando com o tão esperado momento. ― Mas cavalheiro e romântico Gregory já é, então... ― Aria move os ombros novamente, sem encontrar uma palavra final para a sua fala. ― Enfim! ― Daina levanta-se do banco e segue até a cama da irmã. ― Faltam alguns dias para o casamento, e, amanhã, iremos escolher as melhores flores para fazermos o buquê e a coroa. Então, precisamos dormir! Aria grunhe e se cobre com as cobertas. ― Você não pode pedir à mamãe para ir com você? ― resmunga. ― Claro que não! Quero que você vá comigo. Afinal, de todo o vilarejo, você é a que mais tem bom gosto para escolher algo! Aria retira o pano de sua face e olha para a irmã. ― É verdade, eu sou a única que tem bom gosto ― abre um sorriso brincalhão. Daina ri. ― Está bem, está bem! Agora, vamos dormir! Dizendo isso, ela apaga a vela que iluminava o quarto e logo deita em sua cama. O dia seguinte seria longo. [...] Gritos ecoavam perdidamente pelo vilarejo. O cheiro de fumaça era intoxicante. Aturdidas, as irmãs levantam-se rapidamente da cama. Aria olha através da pequena janela em seu quarto e avista chamas. ― Estão atacando o vilarejo! ― O quê?! ― Daina tosse e se aproxima da janela, avistando também as chamas que corroíam várias casas. ― O que está acontecendo aqui? Cadê a mamãe? Confusas perante o que estava acontecendo, as irmãs saem do quarto à procura da mãe. Alguma coisa séria havia acontecido. Porque, não era possível invadirem o vilarejo com a p******o das bruxas. ― Mãe! O que está acontecendo? Aria encontra-se com a sua mãe entrando em casa, completamente assustada. ― Peguem somente o necessário. Precisamos sair daqui! Agora! ― O que está acontecendo? Por que estamos sendo atacados? E, por quem? ― Daina indagou, igualmente assustada. Eloah tenta respirar fundo, mas era quase impossível por conta da enorme quantidade de fumaça que havia se apossado do ar. ― Eu não sei o que aconteceu. Mas... O grupo que chegou hoje... Eles... São uma ameaça. ― Ameaça? ― as gêmeas arregalam os olhos. ― Mas, nenhuma das bruxas alertou qualquer perigo naqueles forasteiros ― Daina contesta, estupefata. ― Eu não sei como conseguiram, mas... Passaram despercebidos. E, agora, precisamos fugir, se quisermos viver! Peguem as suas coisas e vamos embora! Aria retorna para o quarto. ― E-Eu não posso ir embora sem o Gregory. ― Querida, não temos tempo para procurar o seu noivo. Temos que ir, agora. ― Mas... ― Daina. Por favor. Não vamos nos desentender justamente agora. Aria retorna à saída da casa, trazendo consigo um pequeno embrulho de pano, o que força Daina fazer o mesmo. Após curtos minutos, as três estavam prontas para partir. Saindo cuidadosamente de casa, a mãe das gêmeas buscava por um caminho discreto, que elas não pudessem ser notadas. Tiros de arma de fogo disparam, assustando ambas. A calamidade no pequeno e harmonioso vilarejo que um dia fora, se alastrava brutalmente. Corpos e mais corpos surgiam na frente das três fugitivas. Seja lá qual era a intenção daquele grupo de forasteiros, Daina não conseguia imaginar o motivo para tamanha crueldade. Crianças, idosos, jovens, todos estavam entre os corpos assassinados no chão. ― P-Para onde vamos, mãe? ― Aria questionou. ― Eu não sei. Algum lugar longe. Ambas apressavam os passos a cada vez que as chamas do alastrante fogo aumentavam. Mas, por um descuido, Daina acaba ficando um pouco para trás. E, neste mesmo instante, um dos forasteiros rondava o percurso que ela precisava finalizar. A fumaça embaça a visão de Daina e ela somente pôde ver uma silhueta se aproximar. Daina jurava que seria o seu fim. Que a sua vida acabaria ali. ― Daina? Ela conhecia aquela voz, mesmo que estivesse rouca por conta da fumaça. ― Daina! Você está bem? ― G-Gregory! O casal se abraça rapidamente. ― Graças a Deus! Onde está a sua mãe e sua irmã? ― E-Eu acabei me distanciando delas. ― Temos que sair daqui. Estão matando a todos! Gregory segura na mão de Daina e logo iniciam uma intensa fuga. O grupo de forasteiros estava prestes a invadir o beco pelo qual eles fugiam. Mais alguns metros à frente, Gregory e Daina conseguem encontrar Eloah e Aria. ― Daina! ― sua mãe a abraça. ― Pensei que tinha perdido você para sempre! Temos que sair logo daqui! Ao meu sinal, vocês correm para a floresta. De lá, encontraremos um outro local. Todos concordam. Eloah olha ao redor, verificando se ninguém estava por perto. ― Vão! Ao seu sinal, os quatro começam a correr intensamente em direção à floresta, mas, infortunadamente, um dos forasteiros notam a fuga deles e dispara tiros em direção à Daina e a sua família. Um dos tiros acerta a perna esquerda de Aria, enquanto um outro acerta o ombro de Daina. Ambas quase caem, sentindo a dor do tiro penetrar dolorosamente o seu corpo e o enfraquecer. ― Não parem! Estamos quase lá! ― Eloah grita. Gregory retorna os seus passos para ajudar Aria, que estava mais ferida. Lutando para sobreviver, as gêmeas persistem correndo, mas, apesar da floresta estar mais próxima que antes, parecia que nunca chegariam lá. E, então, finalmente, conseguem se afastar da Aldeia, que agora, estava completamente destruída. Ambas as gêmeas, caem uma ao lado da outra, sem forças. Além do cansaço, ainda estavam feridas. ― E-Eu não vou conseguir continuar ― Aria diz em prantos, sentindo muita dor. ― Você vai conseguir sim! ― Daina tenta lhe dar forças, mesmo que estivesse sentindo muita dor também. ― Eloah, o que vamos fazer? ― Gregory diz preocupado. ― Temos que nos distanciar mais do vilarejo. Eles podem nos encontrar, mas, elas estão perdendo muito sangue, não vão conseguir continuar. Eloah retira um frasco de cor âmbar de dentro de uma bolsinha que carregava e se aproxima das irmãs. ― Bebam. ― O que é isso? ― questionou Daina. ― Apenas bebam. Irá curar o ferimento de vocês. ― Isso não é possível, mãe. Nunca vimos... ― Bebam! Ou querem que eles nos encontrem e nos matem? ― arqueou as sobrancelhas, ríspida. Eloah entrega o frasco a Aria, que bebe sem cogitar, e assim que sente o líquido na boca repugna-se. ― Isso é sangue? ― Aria resmunga, pasma. ― S-Sangue? ― Daina comenta em pânico. ― Você nos deu sangue? Você sabe o que o nosso clã pensa sobre tomar sangue! ― O nosso clã não está mais vivo para nos dizer o que fazer. Daina olha incrédula para a sua mãe, mas logo a sua atenção é tomada pelo ferimento que simplesmente desaparece da perna de Aria. ― C-Como isso é possível? ― Daina diz em choque. ― Beba. E vamos embora. Ainda hesitante, mas sem nenhuma opção, ela decide tomar o conteúdo do frasco, afinal, ou ela bebia aquele repugnante liquido ou corria o risco de morrer e m***r toda a sua família. O gosto forte em sua boca, arrepiou todo o seu corpo, mas, em poucos segundos, o seu ombro não doía mais e o ferimento havia simplesmente sumido. Daina ainda continuava sem conseguir acreditar. ― Vamos. Temos que sair daqui! Eloah levanta-se do chão e segue pela floresta. As irmãs se levantam e a seguem, depois Gregory. [...] Após algumas horas de caminhada, o pequeno grupo de quatro pessoas finalmente consegue encontrar um lugar para se esconderem. Tratava-se de um túnel sem saída, que havia sido construído e jamais finalizado. ― Vamos ficar alguns dias aqui, até termos certeza de que não nos encontrarão ― Eloah propôs. ― Como o nosso clã permitiu que aqueles monstros invadissem o nosso lar? ― Daina indagou incrédula. ― Eu não sei. Eles fizeram alguma coisa para ocultar as suas verdadeiras intenções, porque... Não conseguimos sentir nada. ― E... Agora, o nosso povo inteiro se foi ― disse, sem chão. ― Mas vamos lutar para continuar com a linhagem do nosso povo. ― Como vamos fazer isso? ― enrugou a testa, cética. ― Eu não sei. Mas, iremos! O nosso povo sempre conseguiu sobreviver a algo. Mesmo que sobrassem apenas duas pessoas ou até mesmo uma. Então, iremos lutar. Mas, agora, vocês duas precisam descansar um pouco. Precisam recuperar as energias. Eu e Gregory ficamos vigiando, para ver se ninguém aparece. E, depois, vocês fazem o mesmo. Eloah retira uma garrafa média da bolsa. ― Bebam isso, é um chá de ervas que preparei antes de saímos do vilarejo. Vai ajudar a recuperar as suas forças. Daina recebe a garrafa e adentra ao túnel. E, usando magia, Eloah consegue iluminar o caminho com chamas. ― Será que estamos seguras aqui? ― Aria questionou, ainda amedrontada. ― Temos a mamãe conosco. Ela vai conseguir nos proteger ― Daina senta-se no chão arenoso e bebe um pouco do chá de ervas. ― Mas, o clã dela falhou... Isso não te apavora? ― Sim, apavora. Mas, não temos o que fazer. Ou mais alguém para contar. Só poderemos usar magia aos vinte e um anos. Então... Só nos resta a mamãe. ― Eu acho isso uma besteira, de só podermos usar magia aos vinte e um. Isso não te incomoda? ― Claro que incomoda! Mas, não quero ir contra o nosso clã. Daina entrega a garrafa de chá a Aria. ― Mas... Não temos mais clã. Elas morreram ― replica. ― Não diga isso, Ariana! Mesmo mortas, o poder delas correm por nós. ― Você quer tanto ser uma bruxa assim? Para não querer quebrar as regras? ― E você não? Aria move os ombros e toma um gole do chá. ― Eu não acredito nelas. Se temos magia correndo por nossas veias... Por que não podemos usar? ― Não estamos preparadas. ― Há dezenove anos conhecemos a magia. As bruxas apenas não querem que usemos. ― Elas sabem o que fazem. Estão vivas há mais tempo que nós. Então, não vamos discutir sobre isso. A mamãe nos disse para descansarmos. Então... Vamos fazer isso. Temos que ter forças para enfrentar o amanhã. Daina encosta a cabeça na parede e fecha os olhos. E, Aria, ainda intrigada, senta-se ao lado da irmã, encostando a cabeça em seu ombro. Elas não faziam ideia do que estava por vir. 
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