Adelie Galliard | 7 de Setembro 2021
Outro dia chegou, e depois, outro e outro; e por mais que eu quisesse acreditar que tudo aquilo era apenas um grande pesadelo, do qual eu riria muito quando fosse contar para a minha mãe, bom… aquele não foi o caso.
Eu tinha acordado na mesma cama que eu tinha dormido no dia anterior, e o teto infelizmente continuava o mesmo que eu tinha encarado por um tempo, antes de conseguir apagar por completo.
— Que coisa linda… — falei com clara ironia, enquanto me levantava para pelo menos , parecer um ser humano meramente decente antes de sair de dentro daquele quarto.
Mas assim que eu me arrumei levemente e sai do cômodo que eu estava, novamente aquela cena surgiu, dos empregados ficando em completo silêncio assim que eu passava por eles, junto deles me evitando como o diabö corre da cruz, — e não que isso me incomodasse, já que eu não fazia muita questão, mas eu não me lembrava de ser nenhum tipo de demôniö que deveria ser evitado.
Sinceramente, eu entendi, eu era uma completa estranha dentro da casa dos Messina —, mesmo assim, eu tinha que admitir, era bem solitário.
Então, eu tinha decidido que faria o meu melhor para me livrar daquilo rápido, e poderia começar… falando com o meu marido. “Uma viagem, se é uma viagem, se ele está fora… então logo deve voltar”.
Pensei e tentei me confortar com isso. Não que eu não estivesse acostumada a ficar sozinha de certo modo, mas… eu não sabia muito bem como era a experiência de me sentar à mesa e ninguém estar lá para conversar ou te fazer companhia, até esse dia. Porque eu vi várias pessoas me servindo o café, colocando a mesa para mim, mas… nenhuma delas se sentou para ficar comigo.
— Com licença… — acabei perguntando para uma das empregadas que ainda não havia se afastado completamente, — não gostaria de… se sentar um pouco e tomar café comigo?
— Não, senhora. — ela disse, com um tom completamente monótono, cordial, — nenhum dos serviçais são permitidos a se sentarem á mesa. A senhora poderia pedir pela presença de alguém da família, mas todos estão ocupados e o senhor Dorian Messina ainda está fora em viagem de negócios.
“Que lindo, então esse desgraçadö pode continuar vivendo e eu não?” Veio em minha mente tão rápido quanto o tiro que eu queria dar na cara daquele desgraçadö.
Mas eu engoli a minha raiva.
Respirei fundo.
— Entendo… — foi tudo o que eu consegui responder, sem xingar até a quinta geração de alguém, — você tem previsão de quando ele pode voltar?
— Não, senhora. — Ela respondeu, me fazendo suspirar.
— Certo, obrigada… — disse ao começar a comer o meu café da manhã, completamente sozinha naquela mesa, — pode ir.
Ela assentiu antes de sair dali, enquanto eu encarava aquela mesa gigantesca.
Eu detestei aquela sensação de vazio enquanto eu estava comendo, o que sinceramente… foi outro motivo para eu detestar ainda mais aquele lugar. Tudo que eu queria era resolver as coisas rápido, mas o meu “marido” sequer parecia disposto a voltar para casa e se nem mesmo poderia tentar de forma convencional, me livrar do casamento, — então eu teria que fugir.
Suspirei pensando em todo o trabalho que eu teria para me organizar. Eu tinha tanto para pensar, tanto para ver.
Mesmo assim, eu não queria me deixar me abalar — ao menos, não completamente —, então, eu comecei a andar dentro daquele lugar gigantesco para ver se não havia nada de bom ali. Eram tantos corredores, tantos quartos e no fim… na ala norte, perto do jardim, eu encontrei uma porta que dava para a biblioteca.
— Livros sempre são uma boa ideia. — Murmurei ao entrar, e pela primeira vez, eu vi fotos dentro daquela casa, — bonito… — acabei soltando ao me aproximar para ver melhor, me deparando com belos olhos verdes e felinos, cabelos negros e ondulados, além de claro… um porte fisico que mesmo por baixo do terno, deixava claro que era digno de uma escultura grega.
“Bom, talvez a beleza seja para compensar a loucura”, pensei comigo mesma ao continuar andando pela biblioteca, mas para o meu azar, não tinha nada ali do meu agrado. Eram livros e mais livros clássicos, mas não havia sequer o menor sinal de um romance, uma fantasia.
Nada que pudesse trazer felicidade para aquela casa.
Suspirei, frustrada, sentando em um daqueles sofás enquanto encarava a minha realidade. Eu era prisioneira em uma mansão gigantesca e linda, com uma biblioteca ainda maior e não havia uma única coisa ali, que pudesse ser aproveitada.
— Ao menos… ninguém parece vir aqui, — murmurei, me aconchegando naquele sofá e encarando a janela que ia do teto ao chão.
Talvez… esse fosse o momento em que o universo estava me olhando e me dizendo para correr atrás do que eu verdadeiramente queria. Dos meus sonhos, da minha… liberdade.
— Talvez… — murmurei comigo mesma, abraçando meus próprios braços, — talvez dê certo se eu fizer as coisas em seu próprio tempo dessa vez, — tentei me convencer, — eu só preciso… planejar.
Concluí e fechando meus olhos, me imaginei bem longe dali, em uma casinha em uma cidade pequena, provinciana. Uma daquelas vilas que ficavam no interior da Itália, — uma cama, uma geladeira e quem sabe uma horta na parte de trás.
Eu ficaria feliz apenas com isso. Eu viveria sem reclamar se pudesse me afastar de todas as sombras que continuavam em minha volta graças ao meu passado.
[Flashback]
— Chega! Ela não tem culpa de nada! — Minha mãe gritou e eu me encolhi embaixo da cama.
— Essa criança malditä! Tinha que ter o sangue daquele filho da putä! Você deveria ser grata pela forma como te aceitei! Você e essa vadiä da sua filha!
— Breno! Ela é uma criança!
— Ela é igual a você! Vai abrir as pernas sem pensar duas vezes! Eu deveria ter deixado o seu pai te transformar numa prostitutä por ter arruinado os negócios dele!
— Mas você não fez! Você ficou bem feliz em aceitar a porrä do nosso nome!
O som da mão de Breno contra o rosto da minha mãe, pareceu estrondoso aos meus ouvidos, — e eu a vi cair, chorando no chão.
— Fique feliz que o seu velho queria um homem parar herdar a porrä da familia. Porque se não fosse pela liderança da familia Gilliard, eu jamais teria me casado com uma putä igual você!
[Fim do flashback]
Engoli em seco.
— Tudo bem… eu só preciso deixar tudo… no passado.