Capítulo 1

1659 Words
Chegar até onde cheguei aos 38 anos de idade certamente tem suas consequências, e as minhas são a solidão, fama de insuportável, dor em várias partes do corpo, insônia persistente e um vício chamado café. Sou CEO de uma das principais empresas de cosméticos da cidade e comando uma planta industrial com inúmeros funcionários. Não me orgulho de tudo o que me tornei para chegar até aqui, mas me orgulho muito do patamar que alcancei e que poucos alcançaram com seus próprios esforços. Não sou herdeira e isso faz com que eu precise trabalhar o dobro que o meu maior concorrente no mercado, que é herdeiro de uma fábrica que tem quase 50 anos de história. Obviamente, como já se deve suspeitar, não sou casada e não tenho filhos; meu foco é profissional, quero me tornar a mulher do mais alto topo do ramo dos cosméticos. Por isso, deixo a parte materna para minha irmã Verônica, que me deu três lindos sobrinhos. Diferentemente de mim, a Verônica nasceu para ser mãe. Casou duas vezes e tem três filhos. Ela não é fácil, tem um temperamento difícil e acho que tudo isso contribuiu para suas duas separações “inesperadas”. Ela jura de pés juntos que nunca aconteceu nada que justificasse que seus ex-maridos a deixasse. O resumo dela é que eles não eram seu par perfeito, eu geralmente escuto essas justificativas sem dar muita bola, faço de ouvido de mercador mesmo. Não acredito em amor verdadeiro, perfeito ou almas gêmeas. Acredito em negócios, em pactos, em acordos e benefícios mútuos..., mas amor? Não, isso é algo inventado pelo marketing para aumentar o número de vendas de algum artigo. Inclusive, já usei um merchan de amor eterno e cabelos sedosos, e foi um sucesso quando consegui que um casal bem evidente da mídia fizesse a propaganda. Também tenho diferenças físicas com a minha irmã, já que somos filhas de pais diferentes. Nossa mãe ficou viúva aos 40 anos do pai da Verônica e em seguida conheceu sua “cara metade”, meu pai. Um pesquisador e cientista que desenvolveu as principais fórmulas da minha empresa. Infelizmente, ele não tem mais fôlego para continuar com suas pesquisas, mas até hoje as principais fórmulas que vendemos foram desenvolvidas por ele quando iniciamos tudo há uns 20 anos. As demais fórmulas que desenvolvemos sem ele como pesquisador principal não possuem a mesma eficácia das que já vendíamos, e essa é a principal preocupação para a solidez da minha empresa, afinal, as patentes que temos têm prazo de validade para serem só nossas e meu maior concorrente no mercado conta os segundos para poder plagiar o que é um sucesso no mercado. Eu tentei seguir a carreira dele de pesquisadora, mas minhas capacidades administrativas sempre foram melhores. Ele desenvolvia as fórmulas, minha mãe embalava (minha irmã nunca participava de nada, pois estava fugida em algum lugar namorando algum desconhecido), e eu..., eu estava sempre desenvolvendo formas de vende-las. Desde pequena eu sugeria onde e como vender os produtos, então quando cheguei a maior idade, assumi rapidamente e sem problemas meu posto de CEO da Rapunzel Fortificada. Óbvio que no início eu era CEO de uma empresa de dois funcionários que eram meus pais, mas minha perspicácia, facilidade de negociação e visão empreendedora me fizeram rapidamente crescer e ter a solidez que temos hoje. Diferentemente do que falam por ai, não precisei abrir as pernas para chegar aonde cheguei; só abrir quando quis fazer isso, poucas vezes, mas fiz. E uma dessas poucas vezes foi quando conheci o Samuel, CEO da Ristreto, empresa multinacional do ramo da beleza. Nos conhecemos, nos apaixonamos, noivamos e nosso relacionamento era dito por todos da cidade como o maior pacto empresarial da cidade. Levar a Rapunzel Fortificada para um nível multinacional com esperança de exportação, era muito além do que um dia meu pai imaginou para suas fórmulas inicialmente caseiras. Tudo iria ocorrer como planejado, faltavam poucos meses para assinar o meu melhor e maior contrato empresarial. Poucos meses para unir a minha empresa com uma multinacional. Poucos meses e eu elevaria as ações da minha empresa e valorizaria 100% o que hoje me faz viver: trabalhar. Como falei, sou extremamente racional e tinha o foco no que eu tanto planejei por quase um ano, mas ver o Samuel e a Nicole, sua gerente comercial, transando sexta-feira à noite no escritório, me tirou completamente do prumo. E o noivado, e consequentemente o pacto comercial foram cancelados de imediato quando acertei o meu salto 15 cm na cabeça dele. Ainda não entendo porque perdi o prumo, porque lógico que já desconfiava do caso dos dois, óbvio que naquele dia eu sabia que iria os flagrar e as câmeras já tinham me mostrado o que, por algum motivo, eu precisava ver ao vivo. Fui na sala sem saber o motivo de estar lá, fui com o sangue fervendo e pouco me lembro do que falei ou fiz. Quando percebi o que estava acontecendo, vi que não dava mais para voltar atrás e fingir que não sabia do caso dos dois, pois a desmoralização seria ainda pior. Então, eu divulguei o vídeo da confusão em todas as mídias da cidade, o que me rendeu um bom dinheiro, fama de pobre coitada traída e a queda de alguns poucos pontos na bolsa de valores da empresa dele. O que, de imediato, favorece a minha. Engraçado como a vida pode mudar em segundos, em poucos segundos que meu lado emocional surgiu, joguei um contrato financeiro e meu noivado por água abaixo. Eu deixei de ser sócia para ser concorrente e rival da Ristretto. — Lorena, você realmente vai ao noivado do Samuel? — minha irmã perguntou, me fazendo voltar à realidade. Me olho no espelho, com meu vestido vermelho cetim costurado sob medida para meu corpo. Uma manga bufante extremamente volumosa para me dar destaque nas fotos. Impossível alguém tirar foto comigo e não me ter como destaque. E é essa a intenção mesmo, eu quero destaque no noivado do Samuel com a Nicole. — Lógico que sim. Me foi enviado um convite, por qual motivo eu não iria? —respondo, testando dois brincos diferentes na minha orelha. — Que tal pelo motivo de você ter terminado o noivado há... — Quatro meses, para ser bem exata. — Então, por que você vai? Você não precisa se maltratar vivenciando isso. Todos vão cair em cima de você e sinceramente, já está na hora de virar a página. — Verônica, o Samuel vai pedir a Nicole em casamento hoje, e é óbvio que eu não vou perder esse momento épico de me ter nas capas dos jornais do meu maior concorrente. — Você não precisa se expor dessa maneira. Veja o tanto que conquistamos, minha irmã. Tenho certeza que você vai encontrar o amor da sua vida em breve, acredite em você. Vire essa página, arrume um namorado e vida que segue. — A única pessoa aqui que está na página da minha vida em “deixei de assinar a união da Rapunzel e Ristretto”, é você. Eu hoje tenho mais duas fórmulas incríveis para apresentar ao mercado e duvido muito que eles consigam concorrer com algo tão bom quanto. — Você não deixou de assinar um contrato empresarial, você deixou de assinar um contrato de casamento. Me viro para o lado direito e percebo que o meu brinco de diamantes reluz mais que os de rubi. — Vou com os diamantes — falo. — Minha irmã, por favor, me escute. Coloco os dois brincos iguais e me dirijo ao meu armário de bolsas; sei exatamente qual usar. Fico na ponta dos pés para alcançar minha clutch em formato de boca, a bolsa que o Samuel mais detestava do meu closet. — Lorena, por favor! — ela implora por mim. Pego a bolsa e me olho no espelho, fazendo pose. Quero posar muito bela e atraente ao lado dele. — Gostou? — pergunto a ela. — Você está linda, mas sabe muito bem do que estou falando. — Não há com o que se preocupar. Estou indo formalmente ao evento, lá terão inúmeros clientes e você sabe que temos ética profissional. — Você ainda gosta dele? Respiro fundo e lembro que me falta algo na roupa: o colar que ele meu deu para usar em nosso noivado. Um colar cravejado com diamantes que herdou de sua avó. O pego em meu cofre, enquanto minha irmã me assiste. — Você ainda gosta dele, não é? — ela pergunta novamente, enquanto eu coloco o colar em meu pescoço. —Eu reconheceria esse colar em qualquer esquina do mundo. — Eu nunca gostei dele nesse sentido que você está querendo saber. — Então por que você quer que ele se lembre de vocês? — Ela aponta com o rosto para o colar em uma expressão irônica. Ela me conhece muito bem para saber a minha real intenção nessa noite. Eu forço um sorriso. — Você nunca vai entender minha irmã. — Por quê? — Porque você precisaria... — Olho no espelho e ajusto um fio de cabelo solto do coque. — Pensar como um homem. — Você precisa de férias, eu tenho certeza disso. Eu, dessa vez, gargalho e ela me entrega seu batom vermelho favorito que diz que faz um contraste ideal para minha pele. — Eu preciso que a Rapunzel Fortificada chegue a um patamar muito maior que a Ristretto. Batom colocado, cabelos perfeitos em um coque desalinhado, vestido perfeitamente apertado. Giro lentamente me olhando no espelho, percebendo os mínimos detalhes da minha produção e percebo que estou pronta. — Agora eu preciso ir, temos um lindo futuro para os nossos pequenos a construir. — Ainda não sei o que você vai aprontar nessa festa, mas te desejo boa sorte! Solto um beijo no ar com um tom de riso instalado em minha garganta e a respondo: — See you tomorrow, baby!
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